Higgs, o bosão de Peter

“Raios me partam, a maldita partícula, que é tão difícil de encontrar”…. exclamou  Leo Lederman, prémio Nobel da Física, e […]

“Raios me partam, a maldita partícula, que é tão difícil de encontrar”…. exclamou  Leo Lederman, prémio Nobel da Física, e achou por bem que esse fosse o título dum livro seu: “The Goddamn Particle”.

O seu editor preferiu aproveitar algumas palavras do autor, fazer umas “ligeiras” alterações mais apelativas para as vendas e surgiu então o título “A partícula de Deus”. Francamente deve ser um título muito bom, mas de facto esse é um debate menos interessante sobre o bosão de Peter Higgs.

Que foi difícil de descobrir lá isso foi, como atestam 48 anos de buscas após a publicação do artigo de Peter Higgs.

Mas aqui a questão torna-se subtil, e há que distinguir dois assuntos diferentes para percebermos este assunto: a partícula e o campo-força a ela associado.

Todos conhecemos o campo-força eletromagnético. No íman no frigorífico, no calor do Sol, na luz visível, nas cores, até quando esfregamos as mãos e sentimos o calor que é gerado por essa ação, por esse trabalho, como se diz em Física.

Pois bem, e quem transporta esse campo-força? Pois é um bosão.

Um bosão é uma partícula transportadora dos campo-força.

Então temos o campo, que será o espaço onde anda o nosso “todo o terreno”, e temos o veículo, ou, se preferirem, o “serviço de transportes”.

No calor do sol, ou na luz captada na fotografia tirada no vosso telemóvel, a partícula transportadora desse campo-força é o Fotão.

Ora o campo-força do Higgs é todo o Universo. Coisa que não lhe falta é espaço, pode-se deduzir. E que campo-força é esse o do Higgs? É o campo-força da massa. E quem transporta a massa na matéria? É o bosão de Higgs.

 

Mas onde e como foi ele encontrado?

 

Peter Higgs, que propôs o mecanismo da massa, hoje conhecido como Mecanismo de Higgs

Já lá vamos ao como, vamos começar pelo onde.

Foi encontrado no núcleo dos átomos, dentro dos nucleões, que são de dois tipos diferentes: o Neutrão, de carga elétrica neutra, e o Protão, de carga elétrica positiva.

Positiva ou negativa não significa “muito fixe” e uma “grande seca”. Bom ou Mau. Significa que há dois sentidos num fluxo e que lhes chamámos assim para os distinguir. É igual a termos torneiras de água quente com uma bolinha encarnada e de água fria com uma bolinha azul.

Mas não chega. O nosso assunto está lá mais dentro, é mais pequeno, mais difícil.

Então peço que façam um exercício mental. Imaginem um edifício enorme. O fantástico Estádio Olímpico de…o que gostarem mais, esse mesmo. No centro do terreno está uma ervilha, toda gira. O estádio é um átomo inteiro e a ervilha corresponde ao seu núcleo. Lá dentro já encontrámos dois “amigos” mas, e dentro desses amigos, do neutrão e do protão? Pois estão os quarks, que foram batizados por James Joyce.

Esses quarks são esféricos, e são muito engraçados, pois nunca se detetam sozinhos, estão sempre aos trios (ou aos pares) e estão ligados por “elásticos”. Fazem um jogo permanente de esticar e de encolher, e os quarks, que são mesmo muito ativos e muito brincalhões, mudam de faceta, mudam de carga elétrica e de cor.

Vamos agora aqui um pouco mais devagar, está bem?

A cor é uma propriedade dos quarks que nada tem que ver com as cores do dia-a-dia, mas chama-se a isto tudo, às coisas e aos assuntos dos quarks, a Cromodinâmica Quântica.

E eles não param sossegados. É uma inquietação: os quarks e os “elásticos” ocupam quase todo o espaço dentro dos protões e dos neutrões.

Mas o que são os elásticos? São bosões que se chamam gluões. Transportam a força forte e geram a força eletrofraca. São estas forças que permitem que os núcleos dos átomos se apresentem maioritariamente estáveis. São esses bosões que geram a massa, através do mecanismo de Higgs, do bosão de Higgs. Os quarks-gluões, sempre colados e sempre a esticarem-se, provocam isto tudo.

 

E como descobrimos os bosões?

 

Hoje usamos os aceleradores de partículas, e, para vermos mesmo muito bem as coisas que se passam nestes regimes do muito pequeno, dentro das ervilhas dos estádios, fazemos as partículas colidirem de frente umas contra as outras. Boum. Catrapoum, boum, boum.

Jogam bilhar? Numa tacada a energia cinética dos nossos braços é transmitida para as bolas, mas o excesso que não vai para a mesa, é antes dissipado pelo som característico das tacadas. Toc, toc, toc.

Ora no vácuo não há som, logo a energia em excesso gera novas partículas, ou gera partículas já conhecidas.

Os cientistas tiram muitas fotografias nos detetores a estas colisões frontais, clic, clic, clic. 600 milhões por segundo.

Tem que ser, estão a fazer colidir, literalmente esmagar, Protões a 99.999 99% da velocidade da luz no detetor CMS do LHC, o Grande Colisionador de Hadrões (partículas constituídas por Quarks).

Também ajuda que as partículas com carga elétrica neutra se estejam completamente nas tintas para os magnetes instalados nos detetores e que prossigam o seu fantástico caminho em linha reta, ao passo que as partículas carregadas eletricamente reagem aos magnetes e descrevem lindíssimos caracóis e espirais nas fotografias.

Acaso nestes milhares de milhões de eventos se encontre um excesso de energia que não corresponda, pelas contas, às partículas já conhecidas, então….Encontrou-se uma nova partícula.

Pelo seu comportamento, pelas partículas que emite e que absorve, consegue-se, com tremenda dificuldade e recorrendo a um poder de computação assombroso, distinguir a natureza desse novo amigo.

Mas, perguntam e muito bem as pessoas, para que serve esta descoberta, na prática o que sairá dali?

Bem, para já saiu uma excelente possibilidade de entendermos o Universo onde vivemos, para já os 4% da matéria normal do dia-a-dia e muito provavelmente um entendimento melhor sobre os 24% de matéria escura que nos rodeia, incluindo na sala onde estão. E teremos 72% do Universo, de energia escura, por descobrir.

Sim, os cientistas estão muito contentes, mas e as aplicações práticas, como são ou serão? Bom, isso é fazer ficção científica, é provável que a Química dos materiais ressurja ainda com materiais melhores, mais resistentes, mais leves, mais pequenos, mais amigos do ambiente e da Humanidade, e isso pode ser muito importante e útil, por exemplo, para a construção civil.

Lembrem-se que quando o laser foi descoberto servia para nada, e hoje qualquer loja, mesmo modesta, tem leitura ótica na caixa, por laser.

Então a aplicação mais importante vai ser, muito provavelmente, aquela que ninguém hoje consegue imaginar.

Perante a emoção de Peter Higgs e perante esta fantástica descoberta, é agora pelo futuro que teremos que aguardar.

Para terminar, a incontornável analogia. Há as analogias do tipo mel e melaço, onde um nadador profissional terá muita dificuldade em avançar caso a piscina estivesse cheia de mel em vez de água. O campo-força é a piscina, e a interação das partículas do mel com as partículas do fato e da pele do nadador será o mecanismo da massa, o mecanismo de Higgs, a atuar.

O próprio Peter Higgs prefere a analogia das celebridades. Acaso o cientista Albert Einstein, por absurdo, se apresentasse para dar uma palestra na Universidade, todos os alunos lhe quereriam fazer perguntas, pedir um autógrafo, perguntar como está, e fazer muitas perguntas, muitas interações, e assim retê-lo no campus universitário. Albert Einstein teria uma grande massa.

Agora se uma pessoa pouco conhecida atravessa o campus universitário de forma descontraída, chega à Aula Magna muito mais depressa, porque ninguém, ou pouca gente, o vai reter com perguntas e ele somará muito menos interações e logo uma massa muito menor.

O bosão de Higgs é assim. Considera algumas partículas umas verdadeiras celebridades, e não liga nenhuma, não interage diretamente, com outras partículas, logo, é claro, com as partículas que não têm massa, como o fotão, o bosão Z e até o gluão.

Agora um detalhe: como o gluão está ligado aos Quarks, desfruta dum regime de exceção, para confirmar a regra.

Antes do fim, digamos o que se espera para muito em breve: aguardam-se com enorme expectativa entre a comunidade científica os artigos sequentes. Um dos artigos será publicado em finais deste memorável mês de Julho de 2012 e será uma colaboração entre as experiências ATLAS e CMS.

O segundo artigo anunciado será publicado no final deste Verão e foca-se nos excessos das interações do Higgs que decaiem em pares de fotões.

Para terminar, deixo um agradecimento, dirigido a todos os cidadãos portugueses. Foi com os vossos impostos que o CERN foi financiado, muito obrigado pelo vosso esforço, por enfrentarem dificuldades muito sérias e por ainda assim ajudarem a Ciência.

Esta descoberta é também fruto do vosso trabalho, e é inteiramente vosso esse Mérito.

 

 

Autor: Manuel Rosa Martins

(Físico de Partículas)

Ciência na Imprensa Regional

 

(artigo adaptado do publicado em http://astropt.org/blog/2012/07/05/higgs-o-bosao-de-peter/)

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