Cultura Digital

A recente crise trouxe a necessidade de ajustar o modus operandi da nossa sociedade. É cada vez mais importante desenvolver […]

A recente crise trouxe a necessidade de ajustar o modus operandi da nossa sociedade. É cada vez mais importante desenvolver soluções alternativas, crescer em comunidade e propagar o ativismo social. Reivindicar uma sociedade do conhecimento e da partilha, munida das ferramentas necessárias para combater aqueles que se julgam donos do saber, é um imperativo para a renovação de energias em diversos setores e a cultura não é exceção.

A imposição tecnológica de acordo com padrões digitais geridos pelas corporações internacionais e as respostas que os movimentos sociais vêm intensificando na luta contra as manobras norte-americanas que pretendem controlar a Internet, permitem-nos identificar um momento onde mais do que nunca o poder da inteligência coletiva é para muitos uma ameaça.

É necessário que cada cidadão perceba que existe um mundo para além da Microsoft e que escolher entre Windows e Linux ou MS Office ou Open Office não é uma mera opção tecnológica, mas antes uma posição ética, também ela política de escolher Software Livre e assumir a defesa de uma Cultura Digital livre.

Num texto publicado pelo sociólogo Sérgio Amadeu e seus associados no Portal de Cultura do Ministério da Cultura do Brasil, é citada uma consideração do então ministro da Cultura Gilberto Gil que nos ajuda a sintetizar essa relação simbiótica entre Cultura e Universo Digital, na forma como ela representa uma mudança estrutural nos comportamentos das sociedades contemporâneas: “cultura digital é um conceito novo. Parte da ideia de que a revolução das tecnologias digitais é, em essência, cultural. O que está implicado aqui é que o uso de tecnologia digital muda os comportamentos. O uso pleno da Internet e do software livre cria fantásticas possibilidades de democratizar os acessos à informação e ao conhecimento, maximizar os potenciais dos bens e serviços culturais, amplificar os valores que formam o nosso repertório comum e, portanto, a nossa cultura, e potencializar também a produção cultural, criando inclusive novas formas de arte.”

As sociedades aprenderam a conviver com as diferentes tecnologias disponíveis nas milhares de plataformas que existem na Internet. A tecnologia em si, cresce com o desenvolvimento de interfaces colaborativos, cada vez mais intuitivos e dinâmicos, dando resposta às necessidades dos utilizadores que estão ligados em diversas redes e que assumem modos alargados de marcar presença no universo digital horizontalizado. O utilizador da rede não é mais um mero beneficiário das ferramentas digitais, ele tem o poder de participar na definição do seu futuro, quer na sua construção tecnológica, quer na possibilidade de difusão cultural nas redes e na multiplicação de novos utilizadores.

É já impossível pensar a atividade cultural sem que uma ou mais redes digitais sejam integradas nas metodologias de trabalho. Esta mudança de paradigma potencia o saber individual de cada agente na experiência colectiva, intensifica o raio de ação dos conteúdos e permite que a obra de arte e os bens culturais sejam pensados na sua vertente digital, possibilitando inclusive a criação de obras em processos colaborativos em rede, viabilizados pela facilidade de partilha legal de conteúdos que a Creative Commons veio implementar.

No contexto algarvio, a forma como os agentes culturais vêm trabalhando, com sistemas deficientes nas suas práticas digitais, carece de um maior investimento no potencial humano e na dinamização de uma Cultura Digital proativa. Esse investimento parte essencialmente da necessidade de encontrar activistas dispostos a assumir a horizontalidade que o trabalho em rede carece. Trata-se de entender o conceito de Rede, num sistema habituado a funcionar verticalmente e onde o passado mais recente nos diz que parte das redes públicas que foram criadas, na prática, continuam a trabalhar na hierarquia vertical que sufoca a impossibilidade desses projetos merecerem envergar a palavra rede.

No Algarve, no Museu do Traje de São Brás de Alportel, há muito que se percebeu a mais valia de escolher o caminho do software livre e os funcionários da instituição estão habilitados para trabalhar em Linux. Tal facto não representa apenas uma escolha tecnológica, é antes de mais uma posição social e política que revela uma ideologia, projetada publicamente quando assume claramente as suas convicções e objetivos.

No seu site podemos ler que “O Museu do Trajo de São Brás de Alportel é um MUSEU LINUX. Trata-se sobretudo de uma decisão ética, pois muito mais do que um sistema operativo totalmente gratuito, LINUX é um sistema LIVRE…”.

Elencando as suas mais valias e tomando uma posição ativa e participativa no desenvolvimento de uma Cultura Digital Livre, o trabalho deste museu merece ser observado com atenção pelos agentes culturais algarvios, e poderá servir de impulso para o debate necessário sobre a democratização e amplificação dos meios de produção e difusão de cultura no Algarve.

 

Autor: Jorge Rocha é Artista e Produtor Independente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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