«Bem vindos a este encontro de primos!»

Até à passada sexta-feira, João Cruz, Joaquim Cruz, João, José João, António Viegas, Paulo Norberto e Teresa Bila, apesar de […]

Até à passada sexta-feira, João Cruz, Joaquim Cruz, João, José João, António Viegas, Paulo Norberto e Teresa Bila, apesar de se conhecerem, não sabiam que eram todos primos uns dos outros.

Todos tinham, à partida, uma característica comum: nasceram e viveram grande parte da sua vida – ou mesmo toda – no centro antigo de Albufeira, no Cerro do Castelo. Mas que eram primos uns dos outros, e até várias vezes primos, só o descobriram na sexta-feira, 18 de maio, Dia Internacional dos Museus, ao ver os seus depoimentos de vida, gravados em vídeo, a ser exibidos perante uma sala a abarrotar de gente do Museu de Arqueologia de Albufeira, em pleno centro antigo.

Esta foi a sessão de apresentação e de arranque do projeto «Casas com Histórias», promovido pelo Gabinete de Reabilitação Urbana de Albufeira (GRUA), que pretende «construir a genealogia das famílias residentes na zona antiga, procurando interligá-la com a história das suas casas e vivências deste núcleo urbano, reconstruindo a história de um dos espaços mais nobres da cidade de Albufeira».

Os parentescos entre os sete entrevistados em vídeo e muitas outras pessoas que estavam na audiência eram assinalados com a colocação de fitinhas coloridas na lapela. O que mais fitinhas ostentava era Paulo Norberto, classificado pelo genealogista Nuno Inácio como o «super-primo», por ser primo de todos os outros entrevistados e de alguns até 12 vezes.

«Pareces um almirante com tanta condecoração», brincava um amigo de Paulo Norberto. E será que ele conhecia todos estes seus parentescos, um deles até com o seu amigo de infância António “Tótó” Viegas? «Não sabia de nada! Só descobri hoje a ver este filme», confessou o próprio ao Sul Informação.

Mas não é só entre si que todos eles têm parentescos chegados. Também os têm com gente famosa. «Sabia que tem uma relação familiar com Manuel Teixeira Gomes, que foi escritor e Presidente da República?», interrogou o genealogista Nuno Inácio, voltando-se para Teresa Bila. «E sabe quem é Isabel de Herédia?» [mulher de D. Duarte Pio, duque de Bragança e pretendente ao trono de Portugal]. «Um dos parentes dela passou por Albufeira no século XVIII, deixou cá descendência, onde consta a senhora», acrescentou o especialista em Genealogia.

«Logo eu com estes parentes todos importantes…», comentou a visada, espantada e divertida.

«Todos nós temos uma costela de nobre e uma costela de escravo», acrescentou Nuno Inácio.

No final da sessão, o sempre bem disposto presidente da Câmara Desidério Silva ironizou: «há aqui um problema político: é que os vereadores são todos primos da minha mulher. As pessoas podem pensar que eles foram escolhidos por isso. Mas que fique registado que só hoje soube disso!». O comentário, como é fácil de prever, foi seguido de gargalhada geral.

Toda esta investigação sobre a história das famílias de Albufeira – a sua genealogia – foi feita por Nuno Inácio, com a ajuda de Maria Carolina Valverde, na pesquisa nos arquivos paroquiais, num trabalho que não tem sido fácil, sobretudo porque quase só existem registos do concelho posteriores a 1832, devido à destruição provocada pelo ataque do Remexido.

 

Trabalho único e exemplar

 

Paulo Norberto, o super-primo

O trabalho genealógico, comprado pela Câmara de Albufeira e oferecido à população (que pode agora aceder ao site e pesquisar as suas origens, gratuitamente), é apenas uma peça do projeto «Casas com Histórias».

E este é um projeto único e exemplar, a vários níveis. Para já, por envolver diversos departamentos e serviços da Câmara de Albufeira, que aqui trabalham em conjunto. Assim, «Casas com Histórias» é um projeto da iniciativa do GRUA (Gabinete de Reabilitação Urbana de Albufeira), realizado em estreita colaboração com o Arquivo Histórico, Museu de Arqueologia de Albufeira e Gabinete de Comunicação, Relações Públicas e Relações Internacionais.

Este projeto conta ainda com a colaboração do DPGU (Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística, DGU (Divisão de Gestão Urbanística), mediante a elaboração e gestão de uma base de dados a cruzar com o SIG do Município de Albufeira e que servirá de plataforma operativa de todos os trabalhos a realizar neste âmbito, e ainda com a Divisão de Informática, através da construção do site.

O projeto «Casas com histórias» interliga-se também com o projeto «Recolha de fotografias antigas de Albufeira», em curso desde 2008, e com o fundo fonográfico do Arquivo Histórico, onde se pretende recolher registos orais para memória futura.

E interliga-se igualmente, como já se viu, com o projeto «Genealogia do Algarve», oferecido à população do concelho de Albufeira pelo Município. Este projeto é da autoria de Nuno Campos Inácio (investigador no domínio da genealogia) e encontra-se em curso desde 2009, no DDESC/DC/Arquivo Histórico.

Todo este confluir de esforços e de boas vontades levou Rui Parreira, técnico superior da direção regional de Cultura, a dizer que tem sido para este organismo «um gosto acompanhar ao longo de dois, três meses, o nascimento deste projeto. Um gosto ver uma autarquia que trabalha assim, compreendendo que a reabilitação urbana se faz primeiro com as pessoas».

«Este projeto é a todos os títulos exemplar: o que faz é bem feito, é um manual do bem fazer na reabilitação urbana. Assim se demonstra que não são as casas, não são os documentos, são as pessoas que interessam na reabilitação urbana», acrescentou.

Por outro lado, sublinhou Rui Parreira, é ainda «um gosto» acompanhar este projeto porque ele está a ser feito «com as capacidades que o município tem com o seu próprio pessoal, demonstrando que há capacidade instalada nos municípios para fazer estas coisas». Para mais porque, «Casas com Histórias» reúne «dois departamentos diferentes do município, o que não é comum na administração portuguesa».

Também o presidente da Câmara Desidério Silva sublinhou os «esforços para cruzar o potencial dos recursos humanos que temos». «É importante começar a trabalhar assim, com as pessoas, começarmos a preparar os projetos para que, quando houver dinheiro, possamos avançar com as soluções», disse ainda o autarca.

«Nesta zona já tivemos intervenções sem a participação das pessoas, que correram mal. Não queremos correr mais riscos», frisou também Desidério Silva, numa clara alusão ao Projeto Polis, de que Albufeira foi o primeiro e mais conhecido alvo.

 

Trabalhar com as pessoas para preparar reabilitação

 

Visivelmente contente com a forma como o arranque do projeto decorria, naquela sessão muito participada pelos albufeirenses, estava Isabel Valverde, arquiteta e uma das almas do GRUA.

«Nós já sabíamos, desde o início, que estas pessoas que entrevistámos, para recolher os seus depoimentos e histórias de vida, eram primas umas das outras, mas esse nem foi o critério de seleção. E não lhes dissemos nada antes, precisamente para lhes fazer uma surpresa», começou por explicar Isabel Valverde, ao Sul Informação.

Quanto aos objetivos do projeto, a arquiteta (ela própria com laços de parentesco com muitas das pessoas presentes na apresentação) começa por falar da contribuição para a «criação de um fundo fonográfico para memória futura», através da gravação de todas estas entrevistas. «É até uma forma de promover a boa vizinhança, entre o Museu/Arquivo e as pessoas».

Depois, pretende-se «agilizar a relação entre a população traumatizada com o Polis e o nosso trabalho futuro de reabilitação urbana».

Outro objetivo é «descobrir, em termos urbanos, a evolução de Albufeira. Hoje as ruas têm nomes diferentes, mas a partir da genealogia e dos arquivos antigos, nomeadamente paroquiais, a partir do tipo de pessoas que habitavam nesta ou naquela casa, podemos perceber como era a estrutura urbana».

Depois de todo o trabalho de pesquisa, que ainda continua, Isabel Valverde manifesta-se fascinada com as potencialidades dos «fundos paroquiais, que nos dão informações brutais!». «Isto só demonstra que importa estudar esta zona a partir de fontes que não são as oficiais, para perceber muitas coisas que não vêm nos livros de história».

O vídeo com os depoimentos dos sete albufeirenses emblemáticos das teias com que se tece uma cidade vai em breve ser disponibilizado no site das «Casas com Histórias». Entretanto, o trabalho continua e um dia destes pode ser que um técnico ligado ao projeto bata à sua porta, no centro antigo de Albufeira, para lhe pedir um copo de água e dar dois dedos de conversa.

 

Nota: As fotos são da autoria de Gabriel Clemente, a quem o Sul Informação agradece a cedência, e de Elisabete Rodrigues

 

 

 

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