Pagar e andar

Correm rumores de que poderá ser cobrada uma taxa de 152 euros relativa à visitação de Áreas Protegidas, ao abrigo […]

Correm rumores de que poderá ser cobrada uma taxa de 152 euros relativa à visitação de Áreas Protegidas, ao abrigo de uma interpretação da Portaria 138-A/2010, que define as taxas devidas pelos actos e serviços prestados pelo ICNB.

Ou seja, a portaria que define quanto se tem que pagar para que o ICNB… faça o que lhe compete.

O princípio subjacente a esta portaria é, desde logo, um insulto para qualquer contribuinte, na medida em que os impostos que pagamos supostamente servem para fazer funcionar a Administração, através dos seus diferentes serviços.

Se porventura os serviços prestados pelo ICNB se apresentam deficitários, redistribuam-se os recursos, em sede de Orçamento de Estado, para que possam ficar reequilibrados. Não se duplique a tributação para que funcionem!

Caramba, com tanto deputado a dormir desconfortável no plenário da Assembleia, não se lhes fazia um favor, mandando esses mouros de trabalho para casa, dormir um ó-ó descansadinho na cama, libertando uns cobres extra para o ICNB?

Mas pronto, somos um País manso, e isso até passou, entre os pingos da chuva. Só não me parece é que o ICNB, em si, tenha ganho mais e melhores recursos com esta medida…

Mas voltando à taxa, que já é antiga, mas vai e volta, soa que agora até para visitar as Áreas Protegidas se tem que pagar, sejam empresas ou privados (em grupos de determinadas dimensões), em nome da conservação da Natureza.

Pessoalmente, parece-me que, se os terrenos em causa fossem do Estado, bem mantidos, com estruturas de apoio dignas, o pagamento seria uma questão a equacionar, até pela possibilidade de aplicar essas verbas directamente na gestão das áreas em causa.

Mas o Estado, em postura feudal, está a querer tributar o acesso a propriedades que não lhe pertencem! E em nome da conservação da Natureza.

O estatuto de Área Protegida condiciona os usos em determinadas parcelas do território, como forma de salvaguardar os valores e recursos naturais aí presentes que, pela sua singularidade ou contexto, são importantes.

No entanto, vemos esse estatuto e esses valores sistematicamente saqueados através de PIN, barragens e aberrações afins, sempre com o beneplácito do Estado, arrasando com os valores tão ciosamente “protegidos” pelas taxas.

Ora quem legisla assim, ou é mal-intencionado, ou não sabe o que faz.

Mas como poderia saber? Quem legisla sobre caminhadas em Áreas Protegidas, provavelmente nunca o fez, quem cobra 152 euros, provavelmente não sabe quanto valem ou custam a ganhar – só talvez aquele deputado que roubou gravadores, provavelmente para ir vender na Feira da Ladra, já que, como se queixou um outro mártir da nossa Assembleia, a cantina abre pouco tempo, e o ordenado não dá nem para os pequenos-almoços.

Se a questão são as empresas que lucram com estas áreas e o seu estatuto, sem assumirem responsabilidades sociais, então criem-se parcerias para o desenvolvimento de projectos, coordenados pelo ICNB (mas com meios e recursos adequados), em que os privados invistam parte dos seus lucros para manter e melhorar o seu estado de conservação (habitats, sinalização, estruturas de apoio, etc.), gerando também mais-valias para as comunidades locais.

Se o problema é o incumprimento, por empresas encapotadas ou falsas associações, estabeleçam-se regras sensatas e equilibradas, aumente-se a fiscalização e os seus meios, subam-se as coimas para níveis verdadeiramente penalizadores, e purgue-se o mercado.

Debata-se a sério e a fundo este sector de actividade e a sua relação com a missão fundamental de conservação da Natureza.

Agora, pagar para andar, nestes moldes, não augura grande futuro…

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista

(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

Comentários

pub