Moscas ébrias, mas saudáveis

Já reparou com certeza que, quando a fruta começa a apodrecer, torna-se irrecusável para umas pequenas mosquinhas: são as moscas-da-fruta, […]

Já reparou com certeza que, quando a fruta começa a apodrecer, torna-se irrecusável para umas pequenas mosquinhas: são as moscas-da-fruta, ou Drosophila melanogaster, um animal muito utilizado pelos cientistas para estudar toda uma ampla gama de temáticas, desde a diabetes até à evolução da seleção sexual.

Desta feita, os cientistas ficaram curiosos com o facto de estes animais se alimentarem num ambiente rico em álcool – a fruta em fermentação pode ter até 10% de álcool produzido por leveduras – sem que este parecesse afetá-los. Descobriram então que as moscas usam o álcool como proteção contra vespas que as parasitam.

Mas, comecemos pelo princípio. As moscas põem ovos na fruta madura. As larvas que deles nascem alimentam-se das leveduras na fruta em decomposição, ricas em álcool. O álcool não só não parece afetá-las como aumenta a sua sobrevivência quando são atacadas por vespas parasitas. As minúsculas vespas parasitas põem ovos nas larvas de mosca. Quando, por sua vez, as larvas das vespas nascem, alimentam-se das larvas de mosca, matando-as.

Leptopilina heterotoma - vespa - a parasitar uma larva de Drosophila melanogaster

O que os cientistas da Universidade de Emory (EUA), descobriram foi que, quando infetadas, as larvas de mosca preferem alimentos com alto teor alcoólico e, quando têm este alimento à disposição, conseguem eliminar os parasitas do seu sistema e sobreviver. Para além disso, as vespas põem menos ovos nas larvas que ingeriram álcool (até três vezes menos!).

Curiosamente, esta defesa só funcionou quando a vespa parasita era generalista (da espécie Leptopilina heterotoma), ou seja, quando era de uma espécie que infeta várias espécies de mosca. No caso da espécie L. boulardi, que é “especialista” em D. melanogaster, o álcool já não serviu de proteção. Chama-se a isto uma corrida evolutiva ao armamento. A vespa especialista, ao evoluir em conjunto com a mosca, também se adaptou e encontrou contra medidas às defesas desta última.

A ingestão de álcool pelas moscas funciona então como uma espécie de comportamento preventivo de “automedicação” que as protege dos parasitas. Ao preferirem alimentos com álcool, as larvas de mosca infetadas estão a mostrar que reagem ativamente a essa perturbação, procurando uma substância protetora. Este é mais um caso de automedicação encontrado no mundo animal. Para além dos humanos, sabe-se que também animais como o chimpanzé, o tapir, o tucano ou lagartas de algumas traças ingerem certos alimentos quando doentes, como forma de medicação.

Terá esta nova descoberta alguma implicação para a saúde humana e a nossa relação com o álcool? Quem sabe…o futuro e mais investigação científica talvez o venham a dizer.

 

Autora: Diana Barbosa

Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

Fonte: Milan NF, Kacsoh BZ, Schlenke TA. (2012) Alcohol Consumption as Self-Medication against Blood-Borne Parasites in the Fruit Fly. Current Biology DOI: doi:10.1016/j.cub.2012.01.045.

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