“Não existe cultura de voluntariado em Portugal”, diz Maria Gabriel Sousa, da Fundação do Gil

Um dia por semana, sempre à mesma hora, embaixadores da Fundação do Gil dirigem-se aos 28 núcleos (serviços de pediatria […]

Um dia por semana, sempre à mesma hora, embaixadores da Fundação do Gil dirigem-se aos 28 núcleos (serviços de pediatria de 25 hospitais e Casa da Criança, Casa das Mães do Estabelecimento Prisional de Tires e Casa do Gil). Objetivo? Aproximar as crianças internadas do mundo exterior. O nome da iniciativa é o Dia do Gil e tem várias vertentes: a Hora do Conto, a Hora da Música, a Hora da Descoberta e a Hora dos Avós.

A iniciativa, que abrange anualmente uma média de 10.000 crianças e 7.500 adultos, chegou ao Algarve há cinco anos, mais precisamente no Hospital do Portimão. À data, iam profissionais de Lisboa todas as quartas-feiras.

Há três anos, o projeto estendeu-se ao Hospital de Faro e abriu a voluntários regionais. Desde 2010, o Dia do Gil no Algarve é inteiramente da responsabilidade de contadores de histórias, músicos, artistas e artesãos locais, sendo coordenados por Fernando Eduardo, que remete à coordenadora-geral do projeto, em Lisboa, Maria Gabriel Sousa.

Numa altura em que a Fundação do Gil deixou de ter profissionais ligados a este projeto e está à procura de voluntários para as pediatrias dos Hospitais de Faro e Portimão, particularmente para assegurar a Hora da Música, o Sul Informação entrevistou  a coordenadora Maria Gabriel Sousa sobre o Dia do Gil.

SI- Enquanto responsável deste projeto, como avalia o crescimento do Dia do Gil nos últimos tempos com o alargamento a mais iniciativas chegando assim também a mais crianças?
Maria Gabriel Sousa – Para ser absolutamente sincera, o Dia do Gil cresceu tremendamente desde que arrancou, em 2004, com seis núcleos, até 2009, quando chegámos ao 28º núcleo, em Ponta Delgada, nos Açores.
Daí para cá deixámos de ter capacidade para crescer, embora tenhamos pedidos de muitos hospitais para levar para lá este trabalho de estímulos emocionais junto das crianças internadas. Mas cada hospital custa-nos cinco mil euros por ano, e sem apoiantes, patrocinadores ou mecenas, não podemos chegar a mais, pois a logística é muito grande.
SI- Tem sentido um interesse crescente de voluntários neste projeto? E particularmente no Algarve?

MGS- Quando temos uma iniciativa promocional na imprensa ou na televisão, quando a Margarida Pinto Correia aparece em congressos ou entrevistas, quando as coordenações regionais fazem um apelo… sim, aparecem quase sempre algumas pessoas com vontade de se juntarem a nós.

Mas não existe uma cultura de voluntariado em Portugal, por isso, na generalidade dos casos chegam-nos pessoas cheias de generosidade, mas com muito pouco sentido de responsabilidade. Assim, é difícil manter um grupo de voluntários coeso. No Algarve, a nossa maior dificuldade é encontrar músicos – e há-os tantos e tão bons… – sem nunca compreendermos bem porquê.

Já fizemos duas formações de fim-de-semana inteiro, mas delas apenas subsistem três músicos dinamizadores, exceções maravilhosas de gente que “faz flic flacs” na vida para se manter connosco. Mas o Algarve tem também um problema geográfico: grandes distâncias, difíceis acessos, péssima rede de transportes – por isso, não conseguimos rentabilizar os voluntários para os dois hospitais, Faro e Portimão, precisamos de ter grupos num lado e no outro.

SI- O facto de o Dia do Gil ter deixado de contar com profissionais desde o início do ano não faz perigar o sucesso da iniciativa? Quais as maiores diferenças e dificuldades?

MGS- É uma dificuldade acrescida muito grande. Não nego, porque os profissionais estavam connosco há quase 8 anos, e garantiam isso mesmo: coesão, profissionalismo, rigor, qualidade, assiduidade…

Em contrapartida, é muito difícil conseguir arranjar músicos que queiram voluntariar-se, e quando os encontramos é difícil mantê-los no projeto, pela tal falta de cultura de voluntariado que existe em Portugal, pois um voluntário deve reunir exactamente as mesmas características de um profissional, com a responsabilidade acrescida de “estar ali” pela vontade própria de ser solidário…

Mas nós acreditamos muito e somos ferozes na convicção de que em cada passo que damos estamos a semear coisas boas, acreditamos muito na gente grande que queremos levar à gente pequena.

SI- A situação de crise generalizada tem despertado algum sentimento de “solidariedade” entre potenciais voluntários?

MGS- Poderia dizer que sim e ser “politicamente correta”, mas acho que não. O que acontece, isso sim, é que aparecem mais pessoas que, por estarem desempregadas, entendem que podem ocupar o seu tempo com voluntariado.

Esta é uma questão complicada, porque o voluntariado não tem uma filosofia de ocupação de tempos livres, mas uma forma de fazermos alguma coisa por quem precisa mais do que nós, sem esperarmos nada em troca.

Agora, se o facto de termos maior disponibilidade nos leva a potencializar o que podemos dar aos outros, e dá-lo… é maravilhoso!

SI- Há um perfil-tipo das pessoas que são voluntárias nestas iniciativas?

MGS- Diria que não. Temos 90 por cento de pessoas que nos chegam cheias de generosidade… Depois, temos 10 por cento que vêm na perspetiva de fazerem solidariedade mesmo com prejuízo da sua própria organização de vida, e sabem exatamente ao que vêm.

Por isso, é uma grande e maravilhosa minoria que nos sustenta de Norte a Sul do país e ilhas, da qual fazem parte cinco coordenadores-regionais e dezenas de dinamizadores fixos que garantem em cada pediatria que o Dia do Gil continue a espalhar sorrisos nos meninos e nos seus acompanhantes, nas educadoras e profissionais de saúde (enquanto várias outras dezenas de dinamizadores “flutuantes” estão disponíveis para preencher indisponibilidades em cima da hora).

 

Para saber mais sobre o trabalho da Fundação do Gil:

Núcleo do Algarve:
Fernando Eduardo – Coordenador do Núcleo do Algarve
Email: [email protected]  TLM: 91 690 74 71

Formação em Lisboa:
Maria Gabriel Sousa – Coordenadora Geral do Dia do Gil
Telefones: 91 7897815 – 21.3552455
www.fundacaodogil.pt

 

 

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