Preconceito, injustiça e desigualdade ou o apartheid em palco, no Teatro Lethes

Emocionante, profundo, belo e interpretado com mestria. Luís Vicente e Mário Spencer são os dois protagonistas da peça «Laços de […]

Emocionante, profundo, belo e interpretado com mestria. Luís Vicente e Mário Spencer são os dois protagonistas da peça «Laços de Sangue», em exibição no Teatro Lethes até domingo, uma peça que nasceu pela mão do sul-africano Athol Fugard e chega a Faro por iniciativa da ACTA- A Companhia de Teatro do Algarve.

Esta é a primeira vez que a peça do dramaturgo sul-africano é interpretada em Portugal. A encenação é de Luís Vicente, que voltou a criar com Mário Spencer, o outro protagonista deste espetáculo a dois, uma parceria plena de cumplicidade e dinâmica.

Os dois atores aceitaram o desafio de um texto nem sempre fácil e ganharam a aposta. Além do esforço físico (a peça dura duas horas sem intervalo), há que contar com os diálogos por vezes intrincados que compõem a peça, que não estarão ao alcance de qualquer intérprete.

A peça também joga com emoções muito distintas e com mudanças bruscas de registo, às quais Luís Vicente e Mário Spencer conseguiram dar uma fluidez e força que, por vezes, obrigam o espetador a agarrar involuntariamente os braços da cadeira.

«Laços de Sangue» é uma viagem a um mundo onde impera o racismo e a divisão de classes em função da cor da pele. O Apartheid serve de pano de fundo imaterial à trama, que nos conta a história de dois irmãos separados pela cor da pele, mas unidos pelo sangue e por uma infância que redescobrem em conjunto.

Um relato pungente e dramático da África do Sul em meados do século XX, que joga com um misto de emoções e onde ao riso se segue aquele aperto no coração, capaz de levar lágrimas aos olhos, misturado com um sentimento de revolta.

«Preconceito, injustiça e desumanidade». Palavras cheias de força negativa, que são usadas num diálogo entre as duas personagens, numa tentativa de classificar as humilhações que os negros sul-africanos sofreram naquele que era, também, o seu próprio país.

O contexto social, a distância geográfica e até temporal para o país que a peça retrata, não retiram pertinência nem força ao espetáculo encenado por Luís Vicente. Antes pelo contrário: fazem-nos refletir numa sociedade ainda plena de preconceitos, que nos encerram por detrás de barreiras, apesar de nem sempre disso estarmos conscientes.

Barreiras parecidas com a que separa a ação de «Laços de Sangue» da assistência. Os dois protagonistas estão “presos” por uma vedação de arame farpado, que lhes permite ver a beleza do mundo exterior, mas que os separa dela, quase sem eles terem a consciência da sua prisão.

Aqui, uma palavra para a cenografia, que, como é habitual nas peças da ACTA, é tremendamente eficaz e, neste caso em particular, bem simples. Uma opção sábia, desde logo, pelo efeito cénico dos poucos elementos em palco, que afirmam a pobreza vivida pelos dois irmãos, algo fulcral no desenrolar da trama.

Por outro lado, tornam esta produção fácil de levar para fora das fronteiras da região, tanto a nível logístico como económico, pormenores que são cada vez mais indispensáveis perante a crise que se vive.

A peça pode ser vista no Teatro Lethes hoje, sexta-feira, e amanhã, sábado, às 21h30 e no domingo às 16 horas. Os bilhetes custam 10 euros, com os descontos habituais.

De 16 a 18 de dezembro, a ACTA levará «Laços de Sangue» ao Teatro de Almada. Em janeiro e fevereiro, a peça volta ao Algarve e vai passar em Lagoa, Loulé, Lagos, Albufeira e Vila Real de Santo António.

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