Tiago Pitta e Cunha: «É importantíssimo abrir as portas do mar à iniciativa privada»

Tiago Pitta e Cunha é um dos mais proeminentes especialistas portugueses em Economia do Mar e consultor do Presidente da […]

Tiago Pitta e Cunha é um dos mais proeminentes especialistas portugueses em Economia do Mar e consultor do Presidente da República para assuntos relacionados com o mar e ambiente. O Sul Informação e a Rádio Universitária do Algarve RUA FM entrevistaram o economista português, no âmbito do programa CRIA FM, uma nova parceria entre os dois órgãos de informação.

O CRIA FM falou com Tiago Pitta e Cunha à margem do Encontro Mar Português, que decorreu na semana passada na Universidade do Algarve. Ao longo dos dois dias que decorreu o evento, aproveitámos para entrevistar conceituados especialistas em diversas áreas, conversas que vamos transcrever aqui no nosso site nos próximos dias.

A importância que a aposta do mar pode ter para Portugal, o que é necessário fazer para passar do debate à ação e a comparação entre o nosso país e a Europa, no que a atividades desenvolvidas com base no mar diz respeito, são assuntos abordados numa conversa que publicamos em duas partes.

Hugo Rodrigues/Sul Informação e Pedro Duarte/RUA FM

 

CRIA FM – O que é a Economia do Mar e que importância pode ter para Portugal?

Tiago Pitta e Cunha -A Economia do Mar é uma noção nova de que se começa hoje em dia a falar, está em voga. Até agora, o que tínhamos eram várias atividades marítimas que tinham como base de exploração o mar: os portos, os transportes marítimos, a construção naval e, claro, a pesca. No fundo, os usos imemoriais do mar.

Hoje em dia pensa-se um bocadinho para além disso. Pensa-se um pouco mais no potencial natural que Portugal tem, como base para o desenvolvimento de uma série de atividades económicas que vão além daquelas que eram as tradicionais. A Economia do Mar é uma espécie de noção agregadora do conjunto de ações que têm valor comercial ou económico e que, de alguma forma, estão ligadas ao mar.

Com isso, alarga-se em muito o valor do Mar para o Produto interno Bruto (PIB) português. Porque, infelizmente, neste momento esse valor é muito baixo. Em termos de atividades marítimas diretas, aquelas tradicionais que eu referi chegam a pouco mais de 2 por cento do PIB. É muito pouco, mesmo comparando com todos os outros países costeiros da Europa, em que a média da importância do mar anda à volta dos 5 ou 6 por cento do PIB.

Portanto, nas últimas décadas o mar aqui em Portugal tem sido mais importante do ponto de vista ambiental, paisagístico e lúdico…

C – É uma paisagem?

TPC – Sim, é uma paisagem. Serve de inspiração intelectual à literatura portuguesa (risos), a artistas, mas em termos de criar renda e emprego, nós estamos literalmente na cauda da Europa. Mais: somos mesmo uma economia em vias de desenvolvimento! Então se compararmos setor a setor, há uma diferença confrangedora entre Portugal e o resto da Europa que nos leva a pensar que há aqui alguma coisa profundamente, não apenas errada, mas paradoxal.

Se olharmos para um país como a Bélgica, que tem menos de cem quilómetros de costa e que tem três vezes mais empregos ligados ao mar que Portugal e três vezes o valor gerado pela Economia do Mar, nós compreendemos que há algo manifestamente errado.

Se nós pensarmos, por exemplo, na questão da alimentação, que é fundamental, e que Portugal hoje em dia importa três quartos do pescado que consome – somos dos maiores consumidores de pescado e há aqui uma procura que não é elástica, pois as pessoas gostam realmente de peixe – e mesmo assim a nossa aquacultura é das mais diminutas e micro da Europa, nós pensamos: o que é que correu mal? Não há empreendedorismo, ou há empreendedorismo, mas os custos de contextos, traduzidos pela burocracia, pela complicação, pela proliferação de reguladores, pelos processos administrativos – no fundo, tudo o que é concessão do domínio público marítimo, porque, no mar, o senhorio é sempre o Estado – asfixiam-no? Bom, eu acho que é um pouco de ambos.

Eu acho que não há empreendedorismo, porque também não há capital, não há investimento. Eu costumo dizer que o problema do mar em relação aos outros setores é que, olhando apenas para as energias renováveis, em Portugal nos últimos anos, houve uma atenção muito grande dos decisores políticos e económicos em relação a esta área. Com o mar aconteceu o contrário. Nos últimos 15 anos foi, basicamente, esquecido. Portanto, a base de partida é muito difícil. A Economia do mar tem um grande potencial, que é aquele de um país que tem a nossa condição geográfica. Mas esse potencial não significa oportunidades concretas. Entre ambos, há um mundo de trabalho.

C – Esteve aqui na Universidade do Algarve há cerca de um mês e disse que se debate muito e há pouca ação. O que é preciso fazer para dar um pontapé de saída a um verdadeiro cluster do mar?

TPC – Os países acabam por ser liderados pelos seus decisores, é algo normal. Assim, é preciso que os líderes das várias áreas que têm importância para esta questão se concertem, que interiorizem a importância estratégica do mar para um país como o nosso e tomem determinadas medidas.

Eu dou alguns exemplos de coisas importantes: aos decisores políticos, é importante que olhem para a Economia do Mar, assumam plenamente a responsabilidade de serem o tal senhorio absoluto e único de todo o espaço marítimo português e que compreendam que há qualquer coisa que o senhorio está a fazer que, se calhar, tem de ser alterado. Porque é importantíssimo abrir as portas do mar à iniciativa privada.

O que interessa, no fundo, é que a iniciativa privada possa desenvolver o seu empreendedorismo e o Estado deve regulá-la. Deve regulá-la, monitorizá-la, deve contribuir para ver se as regras são cumpridas. Se, por exemplo, estivermos a pensar em desenvolver no Algarve uma indústria, que talvez tenha um grande potencial, como a aquacultura offshore, era necessário que houvesse muito menos limitações ao licenciamento e muito mais controlo à posteriori à atividade.

E ter-se-ia de aplicar cegamente o princípio do utilizador pagador. Há regras, há princípios, há interesses ambientais a tutelar, na fase de licenciamento. Verificados esses requisitos pelo candidato a essa atividade empresarial, ela deve ser concedida sem delongas. Não podemos esperar prazos que não são compatíveis, as cauções que requerem são enormíssimas. Tudo isso, principalmente para pequenas e médias empresas, torna-se muito limitador.

Mas, depois, é preciso haver um controlo que leve a que, se as regras não são cumpridas pelo empreendedor, a licença deve ser retirada.

 

(Não perca a continuação da entrevista a Tiago Pitta e Cunha, que será publicada este sábado)

 

 

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