«O mundo não acabou quando a Troika aterrou no aeroporto da Portela»

Mais de duas centenas de alunos, pais e professores encheram, na sexta-feira, em Tavira, o Cine Teatro António Pinheiro, para […]

Mais de duas centenas de alunos, pais e professores encheram, na sexta-feira, em Tavira, o Cine Teatro António Pinheiro, para debater o cenário de crise mundial.

Apelidado de Debate Humano para o Alerta (Dhuda), o evento foi organizado pela Escola Secundária Dr. Augusto Correia de Tavira, em parceria com elementos da equipa da Unidade de Cuidados na Comunidade Talabriga do Centro de Saúde de Tavira, e procurou debater as questões do desenvolvimento humano, num contexto de turbulência financeira.

Ao mesmo tempo, tentou responder à questão sobre se «há vida além da crise dos mercados» e deixou pistas sobre o que podem as gerações mais jovens fazer para ultrapassar os constrangimentos do futuro.

Para tentar encontrar algumas respostas, a organização convidou académicos, economistas, médicos, jornalistas e políticos, que começaram por refletir sobre as causas que colocaram Portugal num cenário de recessão e responderam às dúvidas – ou dhudas, na gíria juvenil – de uma plateia maioritariamente sub-18.

De acordo com o presidente da Câmara Municipal de Tavira Jorge Botelho, apesar de existir uma crítica generalizada ao poder governamental, «apenas as gerações de políticos poderão retirar o país da situação de crise». Ainda assim, considera que o papel dos mais novos será «fundamental» para produzir qualquer alteração e lembrou que a maioria dos movimentos sociais «partiu dos jovens, onde a insatisfação é prematura».

Já António Fragoso, docente na Escola Superior de Educação da Universidade do Algarve, lembrou que a desregulação dos mercados se deve sobretudo ao facto de o dinheiro que circula no mundo da finança ter «superado há muito o dinheiro que circula na economia real» e alertou que nem o grupo dos 20 países mais ricos do mundo, o G20, «consegue fazer face ao dinheiro que circula no mercado especulativo».

Também presente no painel de oradores, o diretor da RTP 2, Jorge Wemans, recordou que o contexto de crise foi despoletado por um núcleo muito reduzido de intervenientes no mundo da alta finança, «cerca de 400 a 500 pessoas», a que se juntou a «terrível circunstância de se terem colocado lado a lado os conceitos de matemática, especulação e crise».

O também jornalista acrescentou que o atual paradigma da comunicação faz com que exista «demasiada diversidade de interesses», o que pode criar uma noção de passividade. «Se, por um lado, temos a noção de que o planeta é só um, por outro lado torna-se mais difícil construir identidades e caminhar para um mesmo local», notou Wemans.

Focando a sua comunicação no perigo dos rumores, o economista Orlandino Rosa diz que o rumo da informação e das notícias tem ajudado a propiciar a ideia de que «tudo está mal», quando, afinal, a questão é bem «mais simples». «88 por cento das pessoas possuem tanto como os restantes 12 por cento e isto só por si indica que o funcionamento da economia assenta numa base de desigualdade». E citou exemplos.

«Já alguém consumiu o papo-seco que o padeiro produziu esta noite? Pois o mesmo não acontece com as dívidas soberanas, onde as gerações futuras já estão endividadas antes de nascerem. Se isto continuar, há o risco de a banca desaparecer», sublinhou.

Igualmente convidado a dar sua perspetiva sobre o que pode, afinal, contribuir para aumentar o capital de desenvolvimento humano, Rui Lourenço, médico e ex-presidente da Administração Regional de Saúde do Algarve, notou que, se há área em que Portugal evoluiu, foi a dos cuidados de saúde, onde a redução drástica da taxa de mortalidade infantil é disso exemplo.

Contudo, lembrou que muitos dos indicadores de desenvolvimento humano só conheceram dinâmicas positivas pós-25 de Abril, enquanto na generalidade de Europa esse processo começou no pós-guerra.

«Tal como é notório que o país evoluiu na saúde, também a crise e os indicadores económicos podem conhecer outro rumo: basta que cada um dos presentes nesta sala se inquietem e não fiquem atrás de um computador», sugeriu Rui Lourenço.

De acordo com a jornalista Elisabete Rodrigues, moderadora do debate, apesar de terem ficado algumas perguntas por responder, permaneceu «a certeza de que houve uma plateia de jovens que, durante três horas, estive disponível para perceber que a crise não é um assunto que tenha surgido de um dia para o outro».

«O facto de quase duas centenas de jovens terem mostrado disponibilidade, a uma sexta-feira, para virem ouvir falar sobre desenvolvimento humano, mostra que há vontade de transportar novas ideias para a sala de aula».

 

Discurso direto: Alunos também deixam sugestões

Carlos Teixeira / 16 anos: «Ouso falar não porque tenha experiência, mas porque sou um observador crítico. Assusta-me, enquanto cidadão, ver a falta de motivação dos jovens que me rodeiam. Custa-me a crer que não haja nenhum assunto que não agrade a nenhuma pessoa. É na luta pela descoberta de um talento nosso que pode estar a chave para mudar algo. Só ficamos atrasados porque não conseguimos desenvolver outro tipo de capacidades».

João Tavares / 16 anos: «O que nos vendem na TV não é real, até porque só aparecemos no pequeno ecrã quando matamos ou quando somos mortos. E isto terá de acabar. Os media não podem mostrar apenas o mundo dos poderosos. Temos que começar a explorar o outro lado. Muitas luzes fazem um clarão e é aí que a mudança começa».

Bruna Fernandes / 16 anos: «Ter este Cine Teatro cheio, em Tavira, mostra que não há falta de iniciativa dos jovens. Acredito que, se as pessoas não podem ter filhos devido aos constrangimentos económicos, envelhecendo a sociedade, é tempo de os mais velhos darem o seu contributo, de forma revitalizar a economia. O saber fazer das gerações mais velhas é algo que tem de ser retomado».

Jorge Guerreiro / Associação de Estudantes / 21 anos: «Independentemente do que nos digam, o mundo não acabou quando a Troika aterrou no aeroporto da Portela. Apesar de muita coisa estar mal, esta crise despertou-nos e fará com que, no futuro, não cometamos os erros do passado».

 

Escola e centro de saúde lado a lado

Além dos alunos e professores da Escola Secundária de Tavira e do Centro de Saúde de Tavira, o debate contou com a organização de Adriana Torres (Terapeuta ocupacional no Centro de Saúde de Tavira), Fernanda Santos (Professora da Escola Secundária de Tavira e coordenadora do Projeto de Educação para a Saúde) e Graciela Caldeira (Assistente técnica do ACES Sotavento). O site «Sul Informação» foi media partner do evento.

 

Nota: as fotos são cortesia de Geraldo Jesus, a quem o Sul Informação agradece.

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