Depois do mouro, chega o hidrocarboneto à costa do Algarve, e às costas de “Lagosta” e “Lagostim”!
A notícia de prospecções na costa do Algarve, tendo em vista a exploração de hidrocarbonetos, está, passe a analogia, a levantar ondas junto da indústria turística.
É-me um tanto ou quanto incompreensível esta apreensão do “impacto sobre o turismo”. Que impacto podem ter as hipotéticas explorações sobre o turismo? Não será pelo impacto visual das plataformas, já que a sua localização, a milhas da costa, salvaguarda os sensíveis olhares turísticos – quem sobrevive ao “skyline” de Quarteira, sobrevive a tudo. E nas Caraíbas, paraíso do turista, abundam plataformas.
O verdadeiro perigo prende-se com a ameaça ambiental que passa a ensombrar o litoral algarvio, associada às estruturas de exploração e transporte de hidrocarbonetos, e que pode gerar problemas bem mais graves do que a fuga de turistas.
Chamemos então o marisco pelos nomes.
Uma hecatombe ambiental da natureza da que ocorreu na plataforma Deepwater Horizon, de Abril a Julho de 2010, e assolou o Golfo do México, representaria a morte do grosso da vida litoral do Algarve, onde se concentra a maior parte da população. Dos seus ecossistemas, da sua fauna, flora, da pesca, das localidades ribeirinhas, etc..
A exploração de hidrocarbonetos é, factualmente, uma potencial Caixa de Pandora. Extrair compostos voláteis, armazenados na crosta terrestre a pressões brutais, numa lógica comercial e de lucro rápido, onde os procedimentos de segurança tendem a ser menosprezados, é sinonimo de risco. E grande.
É tudo mau? Não, claro que não. A presença de recursos naturais significa riqueza, sem dúvida.
Mas falar da riqueza proveniente de hidrocarbonetos numa região que desperdiça um manancial incalculável de energia que flui de fontes renováveis (sol, vento, marés, ondas) é comparar tremoço a lagosta… ou lagostim.
Por exemplo, o Sol entrega, no espaço de uma hora, na superfície da Terra, energia suficiente para suprir as necessidades energéticas de toda a espécie humana durante… um ano!
E pensar que as empresas responsáveis pela prospecção e eventual exploração orientam a sua acção pelos superiores interesses de Portugal, nomeadamente pela resolução da nossa factura energética é, no mínimo, pueril. Negócio é para gerar lucro, aqui ou em Marte. Ponto. E se há sector que não se inibe de o demonstrar é o das petrolíferas.
Mas, acima de tudo isso, importa lembrar que o consumo de combustíveis fósseis constitui um dos principais factores de agravamento do cenário de alterações climáticas que nos coloca, enquanto espécie, em risco, e obriga a repensar a “besta energética” que sustenta o nosso modelo de sociedade, bem como a forma da sua alimentação. Sustentar o paradigma dos combustíveis fósseis como salvação não é sequer estagnar no tempo: é retroceder.
Assim, o conhecimento científico que advém da prospecção que se inicia é bem-vindo. O planeamento e a gestão só são fiáveis se assentes em informação.
Já eventuais explorações de hidrocarbonetos terão que ser alvo de cuidada análise e ponderação, dentro de uma lógica de custo/benefício (onde o risco é peça fundamental) e de comparação com as alternativas disponíveis a partir de fontes renováveis – onde me parece que residem opções bem mais eficazes e com menor investimento, talvez cativando os mesmos investidores que agora se apresentam.
Que o negro da crise actual não se derrame sobre o nosso futuro através de decisões desesperadas.
Texto de: Gonçalo Gomes
Arquitecto Paisagista
Nota: O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico
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