Despesas pagas em dinheiro não são aceites nas candidaturas pós-incêndio

O Ministério da Agricultura justifica que a lei impede de aceitar comprovativos de pagamentos em dinheiro, mas diz estar a trabalhar para mudar as regras

Os agricultores afetados pelos incêndios de Monchique que pagaram em dinheiro materiais destinados a repor a sua capacidade produtiva estão a ver os comprovativos desta despesa recusados, nas candidaturas que fizeram à linha de apoio às vítimas do incêndio disponibilizada pelo Governo.

A situação foi denunciada ao Sul Informação por José Rodrigues, um dos agricultores afetados pelo incêndio, que viu os técnicos que estão a receber as candidaturas recusar «cerca de 200 euros» em comprovativos de despesa associados à sua candidatura, alegando que essas são as regras emanadas pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e das Pescas (IFAP).

Em causa, no caso deste lesado pelos incêndios, estava, essencialmente, material para reposição do sistema de rega, mas, garantiu, há outros agricultores que fizeram despesas mais avultadas e que pagaram em dinheiro, pois, «muitas vezes, tratam-se de pessoas idosas, que praticam agricultura de subsistência e nem sequer têm conta bancária».

O presidente da Câmara de Monchique Rui André confirmou ao Sul Informação que esta situação está a acontecer e considerou que «não faz qualquer sentido que uma pessoa que paga em dinheiro e tem um comprovativo desse pagamento, um recibo, que prova que o fez» não possa ser compensado.

«Há pessoas que fizeram pagamentos a dinheiro e que agora não vão ser ressarcidas, mas há também coisas que pensávamos que eram elegíveis e agora não são, como animais que não estavam registados e quem pratica aquela agricultura de subsistência, que também não irá receber nada. O meu receio inicial, que parece confirmar-se, é que haja muitas pessoas que fiquem de fora e sem direito a qualquer apoio», acrescentou o edil monchiquense.

«Daí termos criado um gabinete de crise, onde uma equipa técnica profissional nestas áreas ajudou todas as pessoas que quisessem fazer candidatura tiveram ajuda, para não ficarem para trás por dificuldade em preencher os papéis ou em carregar as candidaturas na plataforma online», disse, ainda, Rui André.

Contactado pelo Sul Informação, o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural admite que estes comprovativos não estão ser aceites, porque a lei a isso obriga.

«A exigência de comprovativos de pagamento decorre da aplicação do Decreto-Lei 159/2014, de 27 de O. O nº 14 do Artigo 15º (elegibilidade das despesas) estabelece que “não são elegíveis os pagamentos em numerário, exceto, no âmbito dos fundos da política de coesão, nas situações em que se revele ser este o meio de pagamento mais frequente, em função da natureza das despesas, e desde que num quantitativo unitário inferior a 250 euros”», explicou a tutela.

A linha de apoio aos agricultores afetados pelo grande incêndio de Agosto, com uma dotação de 5 milhões de euros, é financiada pelo Programa Operacional PDR 2020, que não se enquadra «na exceção admitida, os fundos de política de coesão», situação «que o atual Governo está corrigir através de uma solução legislativa que permitirá a admissão de recibos cujas faturas tenham sido pagas em dinheiro, até ao valor do montante admitido por lei».

A legislação diz que «é proibido pagar ou receber em numerário em transações de qualquer natureza que envolvam montantes iguais ou superiores a 3000 euros». Ou seja, serão aceites comprovativos de até este montante. O que não ficou claro, na resposta do Governo, é se esta alteração já irá beneficiar os agricultores de Monchique.

A verdade é que o ministro da Agricultura Capoulas Santos, numa visita feita a Monchique dias após o incêndio, instou os agricultores afetados pelo fogo a avançar, desde logo, para as despesas necessárias para repor a sua capacidade produtiva, pois estas seriam aceites nas candidaturas a apresentar.

«Todas as pessoas que tenham de comprar equipamentos e material, agora de repente, para acudir, esse investimentos são elegíveis e reembolsáveis», assegurou Capoulas Santos.

Para já, garantiu o ministério, «não há faturas recusadas». Isto porque o Governo, «a pedido da Câmara Municipal de Monchique, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Algarve e da Cooperativa dos Agricultores de Monchique», aceitou «prolongar por 30 dias o prazo de apresentação de candidaturas aos apoios disponibilizados para os agricultores que sofreram prejuízos na sequência do incêndio de Monchique, pelo que o processo de pagamento das despesas não teve ainda início».

Rui André explicou pediu o prolongamento do prazo para a apresentação de candidaturas «porque neste momento temos cerca de 400 já apresentadas, mas há ainda muita gente que quer apresentar e ainda não teve oportunidade de o fazer». E, já agora, « que nesse prolongamento sejam corrigidas estas questões» relacionadas com os pagamentos em dinheiro.

Estas 400 candidaturas resultaram de um trabalho feito por diversas entidades, nomeadamente a autarquia, ministério da Agricultura, Confagri e Crédito Agrícola e por uma empresa contratada para o efeito pela Câmara de Monchique.

A empresa em causa «é de Tavira e uma das mais experientes neste tipo de candidaturas» A Câmara está «a assumir as despesas de elaboração de candidaturas até aos 5 mil euros».

Outra questão que tem gerado muitas dúvidas é «o facto de as pessoas terem de inscrever-se nas Finanças como agricultores, que até não é um processo muito complexo, mas que, para as pessoas, causa alguma confusão, porque pensam que serão controladas. Mas não é bem assim, porque até 200 mil euros de faturação anual, não há qualquer problema», assegurou Rui André.

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