Livro vai reunir todos os textos de Tóssan, o poeta do absurdo algarvio

O Festival Literário Internacional de Querença arranca esta sexta-feira, 3 de Agosto, e Tóssan é um dos artistas em destaque

Tóssan foi ilustrador, pintor e também escritor, mas esta é a faceta menos conhecida deste artista nascido em Vila Real de Santo António há 100 anos. Ao longo da vida, escreveu poemas e crónicas «um pouco sobre tudo». Também são dele as aventuras de Eusébio Maldonado, o detetive Pararraios, publicadas no Diário de Lisboa juvenil. Reunir todos os escritos deste algarvio «maravilhoso» é o objetivo de um livro que está a ser organizado por Vasco Rosa, em parceria com a Fundação Manuel Viegas Guerreiro, de Querença. 

Na verdade, Tóssan, que vai estar em evidência no Festival Literário Internacional de Querença (FLIQ), que começa esta sexta-feira, foi António Fernando dos Santos, um vilarrealense «extremamente engraçado, bem disposto e divertido, apesar de não parecer», diz o investigador e jornalista Vasco Rosa.

Este ano, foi publicada uma coletânea dos desenhos de Tóssan, no âmbito do Festival da Ilustração de Setúbal. E tanto que este algarvio desenhou, desde capas de livros para António José Saraiva, a trabalhos para a revista da Embaixada do Brasil em Lisboa, passando por anúncios publicitários e uma das suas obras mais conhecidas: um retrato de António Aleixo, seu conterrâneo.

Neste, o poeta algarvio aparece de chapéu na cabeça, naquela que é uma das imagens mais difundidas e conhecidas do autor de “Este livro que vos deixo” que Tossán conheceu em Coimbra, quando ambos estavam internados no Sanatório, com tuberculose.

Mas, quanto aos desenhos, o trabalho está feito e compilado. Agora, o que muita gente não sabe é que Tóssan também era escritor. Vasco Rosa, estudioso do artista algarvio, está a juntar todos os escritos para que sejam reunidos em livro.

«Vamos fazer uma complicação de trabalhos dele, como crónicas, algumas inéditas. Um livro só com o que ele escreveu e, no fim, com um estudo histórico e biográfico para estar pronto até ao final do ano, com apoio da Fundação Manuel Viegas Guerreiro», explica ao Sul Informação. 

A obra com maior impacto de Tóssan foi “Cão Pêndio”, um livro em que, desenhando sempre um cão, o algarvio brinca com as palavras. Um “Cão Tacto” é representado com um cão ligado à ficha e um “Cão Certo” torna-se um animal a tocar guitarra…

«O Tóssan ainda não foi devidamente valorizado. A ideia de redescobri-lo e mostrá-lo, colocá-lo no mapa, mais uma vez, é indispensável mesmo em termos regionais. Ele foi uma pessoa muito original como desenhador e até humorista, mas, como os livros que fez não foram reeditados, é normal que se perca a memória da pessoa», lamenta Vasco Rosa.

Gabriel Guerreiro Gonçalves

Quem ainda se lembra de Tóssan é Gabriel Guerreiro Gonçalves, presidente da Fundação Manuel Viegas Guerreiro. «Quem conviveu com ele, não o esquece mais», recorda ao Sul Informação. «Conheci-o bem. Era um tipo divertido que sempre viveu a vida intensamente e esperemos que consigamos imortalizá-lo», diz.

Este ano, o FLIQ, que arranca esta sexta-feira, 3 de Agosto, tem como tema Literatura e Ilustração. «A escolha deveu-se ao Tóssan, que é um valor que nos é muito querido. Era, por exemplo, muito amigo do nosso patrono Manuel Viegas Guerreiro e amigo de outros amigos ligados à Fundação, como o poeta Aleixo. Todos eles conviveram com o Tóssan e tínhamos uma dívida para com ele que devia ser agarrada», explica Gabriel Gonçalves ao Sul Informação. 

Para demonstrar a importância do ilustrador neste FLIQ, logo no primeiro dia há a conferência “Tóssan: O Poeta do Absurdo”, às 18h30, no Auditório da Fundação. Nela vão participar Vasco Rosa, João Paulo Cotrim, escritor e editor, e Jorge Silva, art designer, responsável pelo livro que reúne as ilustrações do algarvio. A moderação será de Dália Paulo, diretora municipal da Câmara de Loulé.

Nesta conferência, Vasco Rosa vai procurar enquadrar Tossán, que também foi cenografista no Teatro Lethes de Faro, «dentro de uma perspetiva mais algarvia». Ou seja: explorar «certa tradição e influência» que este ilustrador foi beber a outros artistas algarvios de renome como, Bernardo Marques, de Silves, e Roberto Nobre, natural de São Brás de Alportel.

Quanto ao restante programa do FLIQ, o destaque vai para a atribuição da Medalha de Mérito Cultural a Gastão Cruz, poeta farense, numa cerimónia que vai contar com a presença de Luís Castro Mendes, ministro da Cultura.

Será às 15h30 de sábado, 4 de Agosto, e a atribuição é «um momento alto que dignifica a Fundação», salienta Gabriel Gonçalves. Do restante programa, também salta à vista a presença de Rayma Suprani, cartoonista perseguida na Venezuela, para a apresentação de “La Magia de Un Lapiz”, no dia 5, domingo, às 15h00.

«O programa é intenso e com grande qualidade. Esperemos que agrade às pessoas e que nos venham visitar, porque este é um festival diferente e especial para mostrar que o Algarve tem capacidade de apresentar um programa cultural que seja diferenciador», conclui o presidente da Fundação Manuel Viegas Guerreiro.

Para consultar o programa completo do FLIQ, clique aqui.

 

Ode ao Futebol, por Tóssan:

 

Rectângulo verde, meio de sombra meio de sol

Vinte e dois em cuecas jogando futebol

Correndo, saltando, ziguezagueando ao som dum apito

Um homem magrito, também em cuecas

E mais dois carecas com uma bandeira

De cá para lá, de lá para cá

Bola ao centro, bola fora.

Fora o árbitro!

E a multidão, lá do peão

Gritava, berrava, gesticulava

E a bola coitada, rolava no verde

Rolava no pé, de cabeça em cabeça

A bola não perde, um minuto sequer

Zumbindo no ar como um besoiro,

Toda redonda, toda bonita

Vestida de coiro.

O árbitro corre, o árbitro apita

O público grita

Gooooolllllooooo!

Bola nas redes

Laranjadas, pirolitos,

Asneiras, palavrões

Damas frenéticas, gordas esqueléticas

esganiçadas aos gritos.

Todos à uma, todos ao um

Ao árbitro roubam o apito

Entra a guarda, entra a polícia

Os cavalos a correr, os senhores a esconder

Uma cabeça aqui, um pé acolá

Ancas, coxas, pernas, pé,

Cabeças no chão, cabeças de cavalo,

Cavalos sem cabeça, com os pés no ar

Fez-se em montão multidão.

E uma dama excitada, que era casada

Com um marinheiro distraído,

No meio da bancada que estava à cunha,

Tirou-lhe um olho, com a própria unha!

À unha, à unha!

Ânimos ao alto!

E no fim,

perdeu-se o campeonato

 

Poema publicado no jornal ABola

 

 

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