Animais também são vítimas do incêndio, mas há equipas no terreno a resgatá-los

O Sul Informação andou uma tarde inteira nas zonas ardidas, com a equipa oficial de resgate dos animais, criada pela Câmara de Monchique, em coordenação com a Proteção Civil

Trinta gatos de várias idades, uma dezena de cães, passarinhos, dez coelhos e até uma raposa selvagem. Estes foram alguns dos animais resgatados ao longo dos últimos dias pela equipa oficial criada pela Câmara de Monchique, em estreita colaboração com a Proteção Civil, para tentar minimizar os efeitos do grande incêndio nos animais domésticos, de companhia, de criação…e até selvagens.

Mas a equipa, coordenada pela veterinária municipal Ana Silva e pelo técnico de proteção civil (voluntário) João Camacho, e que integra muitos outros médicos veterinários, outros técnicos e amigos dos animais, na sua maioria voluntários, tem andado também por todo o concelho, a visitar casa a casa, quinta a quinta, para ver os animais que foram deixados para trás, resgatá-los para o centro de acolhimento criado na Escola EB 2,3 de Monchique, quando se justifica, levá-los até junto dos donos, tratá-los, alimentá-los…ou até abatê-los e enterrá-los.

«A nossa equipa tem como missão coordenar todas as operações de resgate animal no terreno», explica a médica veterinária Ana Silva, a mesma que há dois anos criou, em Monchique, o Programa Municipal Animal Seguro.

O Sul Informação andou na quinta-feira à tarde a acompanhar a equipa, que integrava ainda o voluntário Fábio Alves, de Portimão. No Barranco das Vinhas, outros voluntários integrados na equipa tinham já identificado a presença de cabras mortas e era preciso ir lá confirmar e tratar de enterrá-las.

Em dois jipes, por estreitas estradas de terra e pedras a subir pela encosta, passando por locais onde, três dias depois de o fogo por lá ter passado, ainda havia troncos de árvores e destroços a fumegar, seguiu a equipa, acompanhada pelos técnicos da ANAFS – Associação Nacional dos Alistados das Formações Sanitárias, dois médicos veterinários (José Vieira e Maria de Fátima) e uma auxiliar (Soraia Lino). Uma das viaturas era guiada pelo senhor Armando, funcionário da Câmara, que conhece quase todo o concelho como a palma das suas mãos, «mas aqui nunca tinha vindo».

A casa daquela quinta, onde já não mora ninguém, ficou intacta, mas umas dezenas de metros mais acima, na encosta, o anexo que servia de redil para as cabras e ovelhas não teve a mesma sorte. O fogo atingiu-o em cheio e lá dentro morreram, veio depois a confirmar-se, oito animais. Os corpos já inchados e nauseabundos das cabras e ovelhas jaziam debaixo dos bocados do telhado e das paredes, que caíram com o fogo.

«Há 14 anos que estou aqui em Monchique, conheço o concelho todo, mas nem sabia que havia cabras aqui. O dono delas nunca as registou, nada! Muitas pessoas continuam a ter os animais clandestinos, o que dificulta o nosso trabalho, até em situações como esta», lamentou a veterinária municipal Ana Silva.

João Camacho olhou para o edifício em ruínas e pediu cuidado a Fábio Alves, que, de capacete, luvas e máscara, tinha entrado lá dentro, para tentar tirar paus e pedaços de parede, desimpedindo o acesso para os veterinários.

«Agora temos que os enterrar!», dizia José Vieira. Ele e os restantes dois elementos da ANAFS voltaram ao carro, para retirar duas pás, uma picareta e duas enxadas, e vestirem o fato de proteção. Naquela encosta da serra, com o sol a bater e a temperatura a subir acima dos 30 graus, decidiram tentar abrir uma vala comum, para enterrar os animais mortos, no socalco ao lado do redil. Cavaram, cavaram, mas, ao fim de 10 minutos, desistiram. A menos de um palmo de profundidade já havia pedra.

«Não sei como vamos fazer, uma máquina não chega aqui», garantia João Camacho. Lá tomou nota da situação no seu bloco. «Vamos ver se os bombeiros depois nos podem ajudar, mas é preciso enterrar estes animais, até por razões de saúde pública», comentou.

«Esta foi uma missão muito importante, mas inglória», acabou por admitir.

Quantos animais mortos já encontraram?, quis saber o Sul Informação. «Dezenas, centenas», responde o voluntário Fábio Alves, com um olhar de tristeza. «Vi canis totalmente ardidos, com os cães todos mortos lá dentro, galinhas a monte, coelhos, cabras e ovelhas…».

«Temos encontrado animais carbonizados ou autênticos milagres, de animais que estão em sítios onde ardeu tudo, tudo à volta, mas eles salvaram-se. Muitos cães de guarda presos a correntes, com tudo queimado à volta. Nesses casos, tratamos deles, alimentamo-los, se necessário levamos os animais para local seguro, encontramos quem tome conta deles, entre os voluntários», explica Ana Silva.

«Houve um sítio onde estava tudo queimado à volta, as árvores, os anexos agrícolas, os pastos, mas as vacas estavam lá sãs e salvas, parecia mesmo um milagre», acrescenta João Camacho, com emoção na voz. «Isto tem sido muito difícil, ver tantos animais mortos ou feridos, lidar com as pessoas. Olhe, ontem pensei que ia apanhar de uma senhora de 80 anos, que estava desesperada», conta João, limpando as lágrimas dos olhos. «Até é esquisito ver um homem como eu, aqui vestido como um operacional, a chorar por causa disto, não é?», interroga.

«Dizemos a todos os que estão a colaborar connosco: é preciso muito cuidado, ir apenas a lugares seguros. E também que as pessoas estão muito fragilizadas, não podem entrar pelos seus terrenos sem autorização, há que dar-lhes força e carinho. Nós não nos preocupamos só com os animais, também temos que pensar nas pessoas», salienta a veterinária municipal.

João Camacho e Ana Silva andam, desde a primeira noite, quase sem dormir, a calcorrear o concelho. «Estas botas estão a fazer-me os pés em papa!», lamenta-se João, apontando para o calçado grosso, mas seguro. «Mas temos andado tanto por esta serra, em sítios onde ainda há coisas a arder, perigosos. Não é qualquer um que pode ir aos sítios onde temos andado!», salienta.

«A Direção de Serviços de Alimentação e Veterinária delegou em nós as competências para coordenar e proceder ao resgate animal», explica a veterinária municipal Ana Silva.

E foi preciso impedir a entrada, no perímetro do fogo, de alguns voluntários. «As pessoas têm a melhor das intenções, mas apareceu-me aí gente de chinelos e calções ou que não conhecia minimamente o terreno. Não podíamos deixar essas pessoas entrar na zona, onde ainda havia reacendimentos, alguns graves, zonas a arder. Se o tivéssemos permitido, ainda tínhamos de andar a salvar essas pessoas no meio de toda a confusão», acrescentou João Camacho.

Uma hora mais tarde, a equipa desceu a serra, para ir até ao posto de apoio criado por voluntários no Porto de Lagos. Depois de alguma confusão inicial, o centro Animal Rescue Monchique (que tem página na internet), coordenado pela voluntária Cátia Águas e instalado num terreno do seu pai, está agora a trabalhar em coordenação com a equipa oficial.

Lá chegado, João Camacho faz questão de esclarecer:: «quem proibiu que os voluntários subissem a serra, sem qualquer integração oficial, fui eu, não acusem mais ninguém! Fui eu! E foi por razões de segurança. Neste momento, ainda não é 100% seguro andar na serra. Todo o voluntário é bem vindo, toda a ajuda é bem vinda! Mas a vossa segurança é minha responsabilidade!».

Na tenda do posto do Porto de Lagos, Cátia Águas tem uma lista, escrita à mão, com os nomes e contactos de voluntários, que se oferecem para ajudar. Está tudo bem ordenado: os que se oferecem para acolher animais, que tipo de animais (não é igual acolher um gato ou um cavalo), os que podem colaborar na alimentação, nos transportes ou em mil e uma outras tarefas.

Na tenda, há caixas com as doações que têm vindo a ser feitas, tudo bem organizado, com a devida etiqueta: «soro fisiológico», «compressas», «vaselina», «toalhas», «mantas», «cremes», «algodão», «toalhitas». Há ainda sacos de ração para os diversos tipos de animais, desde cães e gatos até vacas e cavalos, garrafões e garrafas de água. Voltando-se para João e Ana, Cátia Águas diz: «tudo o que temos aqui é para vocês».

«Foi fantástico ver as pessoas a chegarem aqui, carregadas de coisas para doarem, depois dos nossos apelos», salienta Cátia. «Conseguimos mobilizar aqui uma coisa tão boa».

Dessas doações, a equipa oficial enche duas caixas com soro fisiológico e outros medicamentos, para levar para o centro de acolhimento, onde funciona um hospital de campanha veterinário, onde há sobretudo cães e gatos a precisar de tratamento.

João Camacho pede: «se me arranjarem mais dois voluntários para cada turno, para ajudarem nas buscas, será muito bom». «Temos aqui a lista das pessoas disponíveis, vou já tratar disso», responde Cátia Águas.

Além dos animais perdidos, feridos ou mortos, há ainda que cuidar de organizar a alimentação dos que continuam nas explorações agrícolas, mas não têm nada para comer. «Em muitos locais, o pasto ardeu, a palha e o feno arderam. Temos que encontrar uma solução para isso», explica Ana Silva.

Há carregamentos de palha e feno a caminho de Monchique, mas é preciso encontrar um local seguro para a armazenar. Mais uma dor de cabeça para a veterinária municipal, até porque esse local tem que ser aprovado pela Proteção Civil.

Outra das tarefas é encontrar local para armazenar os sacos de alimentos e todo o material doado pelas pessoas. «Toda a ajuda é bem vinda, todas as doações são bem vindas. Mas pedimos às pessoas que nos querem ajudar, que têm alimentos e outros produtos para nos dar, que os guardem para já, porque não temos ainda um lugar para guardar tudo, em condições. Podem informar-nos e, logo que haja um lugar para armazenamento, nós entraremos em contacto».

De regresso a Monchique, o Sul Informação visita a clínica veterinária que acolhe 30 gatos, resgatados. Um deles é o Juninho, que se queimou nas patas e queimou os bigodes. «Quando o recolhemos nem lhe podíamos tocar, mas agora está um doce», comenta Ana Silva, fazendo uma festa na barriga do felino.

Os cães estão numa sala da Escola EB 2,3, porque são bichos que «stressam menos». «Mas nenhum animal devia ser sujeito a isto…», suspira a veterinária, que anda por todo o lado com uma cadelinha, a «Ellie», presa ao seu cinto, por uma trela.

A terminar, uma boa notícia: a raposinha recolhida por voluntários, ferida, na serra, que recebeu os primeiros socorros no hospital de campanha veterinário montado na escola de Monchique, já foi entregue ao Centro de Recuperação do RIAS, onde está agora a melhorar das mazelas causadas pelo fogo.

 

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

 

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