Estudantes canadiados ajudam a “desenterrar” a história de Cacela Velha

As escavações arqueológicas regressaram a Cacela Velha, no concelho de Vila Real de Santo António, há cerca de três semanas. […]

As escavações arqueológicas regressaram a Cacela Velha, no concelho de Vila Real de Santo António, há cerca de três semanas. A mais recente campanha neste sítio arqueológico junta investigadores algarvios, da Universidade do Algarve e da Direção Regional de Cultura, mas também conta com uma ajuda extra, vinda do outro lado do Oceano Atlântico, mais precisamente do Canadá.

Cerca de duas dezenas de alunos da Simon Fraser University estão desde o início de Junho no Algarve, para participar num campo-escola de arqueologia, integrado no projeto “Muçulmanos e Cristãos em Cacela Medieval: território e identidades em mudança”, que permitirá que, pelo menos nos próximos quatro anos, cientistas portugueses e estrangeiros possam estar no terreno, a aprofundar o conhecimento sobre o passado de Cacela Velha.

Os jovens estudantes canadianos já estão com as mãos na massa e a dar o seu contributo para o decorrer das escavações, que o Sul Informação tem acompanhado através de crónicas escritas por Cristina Tété Garcia e Maria João Valente, co-coordenadoras da campanha [siga o link para ler a primeira, a segunda e a terceira «Crónica de uma Escavação Arqueológica»].

Antes de ir para o terreno, os jovens estudantes de arqueologia tiveram de aprender o máximo possível sobre Cacela e os vestígios do período islâmico e medieval que ali existem, os alvos desta campanha. Para isso, contaram com a ajuda do português Hugo Cardoso, seu professor e o coordenador da componente canadiana do campo-escola.

 

Hugo Cardoso não teve de se esforçar muito para convencer os seus alunos a aderir a esta aventura em solo luso.

«O campo-escola gerou muito interesse e uma das principais razões para isso é o facto dos alunos de arqueologia no Canadá terem poucas oportunidades de trabalhar num campo deste género. Este é um projeto que envolve uma escavação num cemitério medieval, com restos humanos, que é um aspeto a que estes alunos, por norma, não são expostos. Isto tem a ver com razões culturais, éticas e coloniais», explicou ao Sul Informação o professor da Simon Fraser University.

Isto leva a que os jovens canadianos optem «por ganhar experiência na Europa ou na América do Sul». «Esta escola de campo acaba por agregar, também, uma componente cultural, que é a de explorar o património histórico e cultural do Algarve, que é aliciante para os alunos canadianos», acrescentou.

Esta vontade de conhecer outras realidades foi a principal razão por que Sarah, que está a fazer uma licenciatura em arqueologia na Simon Fraser, decidiu aderir ao campo escola. «Parte da minha motivação teve a ver com a viagem em si, pois nunca tinha estado em Portugal. Por outro lado, esta é uma escavação bioarqueológica e antropológica, que é aquilo que eu adoro fazer», explicou a estudante canadiana.

«A primeira semana foi um género de um curso rápido, do qual gostei. Porque, obviamente, é muito diferente do que existe no Canadá, mas também dos períodos mais populares, para os que não estão ligados à área, como o romano. O período islâmico e medieval é um pouco menos conhecido, mas gosto da ideia de que seremos nós a descobrir por nós próprios e que o nosso trabalho vai promover o conhecimento sobre essa era», acrescentou.

Também Ellyi, que está a tirar o doutoramento, frequentou o mesmo curso rápido, apesar de, no seu caso, muita da informação não ser novidade. É que esta não é a primeira vez que está em Portugal, longe disso.

«Esta é a minha quarta vez em Portugal. Mas tem sido bastante diferente, porque das outras estive na zona do Tejo, em Santarém. Só tinha visitado o Algarve uma vez, em férias. É bom estar por cá na região mais tempo e poder desfrutar. Das outras vezes estive a fazer a minha própria investigação, mas é bom estar novamente numa sala de aula, apesar de ser diferente. Estou entusiasmada por ir para o terreno e penso que todos nós estamos», resumiu Ellyi.

A parte de formação em sala não é a mesma coisa do que pôr as mãos na massa, mas nem por isso deixou de ser «muito interessante», na visão de Ellyi. «Tivemos várias aulas onde nos ensinaram sobre o período islâmico e medieval. Eu já conheço bem este período, pois é do que trata a minha investigação, mas, para os meus colegas, foi muito importante. Também tivemos uma aula muito boa sobre cerâmica, para perceber que tipo de peças podemos vir a encontrar», concluiu.

«A primeira semana foi a segunda fase de uma cadeira que eles fizeram de introdução à escola de campo. Fiz uma introdução com questões ligadas à história de Portugal e do Algarve, com aspetos práticos sobre como se faz a escavação de restos humanos num cemitério. Noutra fase, ainda no campus de Gambelas da Universidade do Algarve, tivemos aqui diversos especialistas a falar sobre a sua área, para percebermos a realidade histórica, arqueológica e cultural  de Cacela Velha», enquadrou Hugo Cardoso.

Nas últimas semanas, além do trabalho de campo, os alunos canadianos têm, igualmente, aproveitado para conhecer a região algarvia e outros pontos de interesse cultural. «Vamos fazer visitas de dia inteiro e passar em Faro (Milreu), Silves, Lagos, Tavira, Mértola, Alcoutim  e Vila Real de Santo António».

Escavação de um esqueleto Cacela

Apesar de estar a viver e a trabalhar no Canadá «há pouco mais do que cinco anos», Hugo Cardoso nasceu e cresceu em Portugal. «A minha formação universitária inicial foi feita cá e, depois, fiz um doutoramento no Canadá, entre 2001 e 2005», contou ao Sul Informação.

O professor e investigador ainda regressou a Portugal para «procurar uma carreira académica ligada à arqueologia ou às ciências forenses», mas isso revelou-se «difícil» e acabou por voltar a terras canadianas para trabalhar na Simon Fraser University.

Entretanto, Hugo criou «uma amizade com a Maria João Valente», numa altura em que a investigadora da Universidade do Algarve estava a ministrar um curso de guias no Centro Cultural de Belém.

«Eu fui guia dessa exposição, na altura ainda era um miúdo. Mais tarde contactei-a, porque estava interessado em voltar a trabalhar a Portugal, em arqueologia. Foi aí que ela me falou do projeto de Cacela e eu vi uma oportunidade de conjugar o meu interesse no período islâmico com a possibilidade de criar um campo-escola e de trazer alunos canadianos, meios físicos e técnicos para ajudar à escavação», contou.

Hugo Cardoso esteve no Algarve em 2017, para estar com Maria João Valente e com Cristina Garcia e idealizar o projeto de campo-escola agora em curso. «Acho que as coisas estão a correr muito bem, temos estado a trabalhar muito bem. Este projeto parece-me uma oportunidade excelente, tanto para os alunos aprenderem, como para o Algarve, enquanto região, poder aproveitar para disseminar e proteger o património que tem».

Em breve, os jovens canadianos regressam ao seu país, mas poderão ter mais oportunidades de voltar, nos próximos anos, já que esta componente de campo-escola é um dos pontos de honra da campanha arqueológica que a Direção Regional de Cultura do Algarve, a Universidade do Algarve e a Câmara de VRSA estão a promover em Cacela.

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