Em Junho de 1874, “primeiro ministro” Fontes Pereira de Melo visitou Alentejo e Algarve

É comum, nos nossos dias, a visita de dirigentes políticos ao Algarve, seja no cumprimento de funções governativas, em campanhas […]

É comum, nos nossos dias, a visita de dirigentes políticos ao Algarve, seja no cumprimento de funções governativas, em campanhas eleitorais ou mesmo durante as suas férias. Todavia, nem sempre assim foi. Até à chegada do comboio a Faro, a 1 de Julho de 1889, vir até ao Algarve era uma jornada assaz difícil, como aliás já aqui lembrámos.

Basta notar que, entre as visitas dos reis D. Sebastião e D. Carlos, passaram 324 anos, ou seja, mais de três séculos sem que as sucessivas gerações de algarvios avistassem as reais pessoas.

Ultrapassadas as Lutas Liberais e instituída definitivamente a Monarquia Constitucional em 1834, seriam necessários mais 40 anos para que um presidente do conselho de ministros, como então se designava o primeiro ministro, visitasse a província sulina.

Na verdade, a instabilidade governativa só terminou com a Regeneração, em 1851. A partir de então, tentaram os sucessivos governos recuperar o atraso de Portugal, relativamente à maioria dos países da Europa, com destaque para os presididos por Fontes Pereira de Melo, um dos principais políticos portugueses da segunda metade do século XIX.

Enérgico e empreendedor, promoveu uma política de obras públicas que ficaria conhecida por “Fontismo”. Chefe do Partido Regenerador, abriu vias de comunicação, com a construção de estradas, do caminhos de ferro e a instalação do telégrafo, promovendo não só o progresso nas comunicações, como medida de fomento económico, como ocupando os desempregados.

Ora, o primeiro chefe de governo a visitar oficialmente o Algarve terá sido, justamente, Fontes Pereira de Melo, entre 24 e 30 de Junho de 1874, ele que, na época, sobraçava também a pasta da Guerra. Não que alguns dos seus antecessores não conhecessem a região, principalmente os militares, que por cá andaram na captura de Remexido e no extermínio da sua Guerrilha, e que posteriormente abraçaram a política, como o Marquês de Sá da Bandeira ou o Duque da Terceira.

O periódico lacobrigense “Gazeta do Algarve” não só descreveu a visita ministerial, como elencou o seu objetivo de uma forma perfeita: o “sr. presidente de ministros veio ao Algarve, no dizer dos seus amigos, com o fim de conhecer esta província, de lhe estudar as suas aptidões e necessidades, e na opinião dos seus adversários, com o intuito de se popularisar e adquirir adhesões para o seu partido”.

E acrescentava: “esteja a rasão de qualquer dos lados, ou esteja mesmo em ambos (…) o Algarve tem hoje direito a esperar da sua iniciativa e posição official importantes melhoramentos”.

Embora a finalidade fosse visitar os quartéis militares das duas províncias (no fim de Maio/início de Junho já os tinha vistoriado em Évora e Elvas), o certo é que estavam agendadas eleições para Julho seguinte, pelo que o ato eleitoral não seria de todo alheio à sua visita ao sul.

Até porque foi escolhida a via terrestre (na vinda), para chegar ao Algarve, em detrimento da marítima, então a mais rápida e cómoda (um dia). Assim, foi utilizado o caminho de ferro até Beja, depois a estrada para Mértola, descida do rio Guadiana de barco, e entrada na região por Vila Real de Santo António.

O caminho de ferro havia chegado ao Baixo Alentejo a 15 de Fevereiro de 1864, contudo, para o Algarve, a construção encontrava-se suspensa desde 1866. Ainda assim, já estava aberto à exploração o troço até Casével (Castro Verde) desde Dezembro de 1870.

Percorramos então o trajeto de um dos maiores estadistas de Portugal, neste primeiro capítulo, por terras alentejanas.

A viagem propriamente dita iniciou-se no dia 20 de Junho, quando, às 8h00 da manhã, o ministro e demais comitiva tomaram, no Terreiro do Paço em Lisboa, o barco para o Barreiro. Atravessado o Tejo numa hora, silvou o comboio para Beja às 9h05, naquele já longínquo sábado de 1874.

Com uma breve paragem em Casa Branca, onde se juntaram à comitiva alguns comandantes militares do Alentejo, o comboio chegou a Beja às 12h30. Na estação, aguardavam tão ilustre autoridade o visconde da Boavista, governador civil, Dr. Boavida, governador do bispado, Assis Andrade, presidente de Câmara, professores, párocos, funcionários públicos, personalidades da cidade e muito povo.

A comitiva dirigiu-se depois para o Paço Episcopal, onde Fontes Pereira de Melo descansou. Junto ao campo da Oliva, o Regimento de Infantaria 17, formado em linha, prestou-lhe continência.

Nessa tarde, o presidente do ministério visitou o quartel do Regimento, cuja fachada se encontrava decorada. O estado do edifício, não obstante carecer de obras em algumas casernas, era razoável, segundo o “Diário Illustrado”.

À noite, decorreu um jantar em casa do governador civil, juntamente com as autoridades e personalidades de Beja.

Nessa tarde, foi ainda concedido um bodo a 200 pobres, constando de 1 pão, carne, arroz e 100 réis. A distribuição ficou a cargo do ministro e governador do bispado.

Na manhã seguinte, o chefe de governo participou, às 11h00, na missa do Regimento, à qual assistiram autoridades e muito povo, após o que inaugurou a Biblioteca Pública de Beja, promovida pelo governador do bispado, Dr. Boavida.

De acordo com o “Diário Illustrado”, o chefe de governo proferiu um “eloquente discurso”, alusivo aos benefícios da instrução e educação moral dos povos.

Na cerimónia, discursaram também o presidente da Câmara, Dr. Assis Andrade, o deputado Conselheiro Perdigão, o par do reino Vaz Preto e o escritor Pinheiro Chagas.

Coube também a Fontes Pereira de Melo o encerramento da sessão, onde, empregando os dotes de oratória que o caraterizavam, historiou as diversas fases por que o país tinha passado, o grande desenvolvimento material, bem como os benefícios que se estavam a colher da manutenção da ordem, lembrando que tal não era o resultado de um grupo político, mas de todos os homens públicos e dos diferentes partidos políticos portugueses.

Evocou ainda o elevado sentimento do amor pátrio, que disse “ser professado com enthusiasmo pelos habitantes do Alemtejo, os quaes por estas aspirações dignas e nobres, como pelos esforços que empregam para acompanhar o progresso no seu desenvolvimento material e moral, eram dignos da maior consideração.” Seguiu-se um Te Deum na capela do Paço, e depois a visita ao convento de freiras.

Às 16h00, houve um jantar oferecido ao Regimento 17 pelo governador civil, a que assistiram o ministro e outras entidades. Três horas depois, teve lugar, no Paço, o jantar ministerial e, às 22h00, soirée ofertada pela municipalidade.

Ao baile, que decorreu em “salas brilhantemente adornadas”, compareceram mais de 60 senhoras, “distinctas pelas suas extrema amabilidade e magníficos toilettes que trajavam”, prolongando-se até às 5h00 da manhã.

No dia 22 de Junho, a comitiva deixou a capital do Baixo Alentejo, pelas 14h30, dirigindo-se por estrada para Mértola, onde chegaram ao anoitecer.

À sua espera, encontravam-se duas filarmónicas, autoridades do concelho e muito povo. Também ali esperavam o séquito governamental o comandante da esquadrilha do Algarve, o capitão do porto de Vila Real, diretor da alfândega, entre outros.

Naquela vila, pernoitaram, encaminhando-se na manhã seguinte para o rio, onde tomaram às 11h00 o barco para o Pomarão, com o objetivo de visitarem a Mina de São Domingos. Recorde-se que esta constituía já um importantíssimo centro mineiro, cuja lavra se iniciara em 1854.

No Pomarão, era a comitiva aguardada pelos empregados superiores da mina, D. Carlos e Júlio Mascarenhas que encaminharam o chefe de governo e demais entidades para a linha ferroviária da empresa.

Segundo o “Diário de Notícias”, o comboio era constituído pela locomotiva “Lisboa” e três vagões, com 30 cadeiras, uma das quais especial, branca e dourada, destinada a Fontes Pereira de Melo.

A chegada a São Domingos deu-se pelas 14h30, sendo esperados pelo Sr. Júlio Bernardino da Silva, guardas da mina, que formavam alas para que os hóspedes passassem pelo centro, operários, prior da freguesia de Corte do Pinto e capelão da mina.

Foram então encaminhados para uma casa, que ostentava à entrada um arco triunfal, com a inscrição “Bem Vindo”, onde se hospedaram. Depois de um breve descanso, iniciou-se pelas 17h00 o périplo ao couto mineiro (mina, igreja, armazéns, hospital e oficinas).

Ao fim da tarde, pelas 19h00, teve lugar o jantar que se prolongou até às 0h00. Durante o repasto, abrilhantado por uma banda composta por nove empregados da mina, houve diversos discursos e brindes a suas majestades, à Constituição e ao visconde de S. Domingos.

Nessa noite, a aldeia iluminou-se, com luminárias na igreja, no palacete, que servia de escritório, e na casa onde se havia hospedado a comitiva. Subiram também ao ar muitas girândolas de foguetes.

Na manhã seguinte, dia 24, pelas 11h00 e após o almoço, regressaram os ilustres visitantes ao Pomarão, no mesmo comboio da véspera.

Naquela aldeia, separaram-se do séquito as autoridades do distrito de Beja, seguindo Fontes Pereira de Melo e os restantes elementos, de barco, para Vila Real de Santo António.

 

(Continua)

 

Nota: As imagens utilizadas são meramente ilustrativas e correspondem a postais ilustrados.
Nas transcrições, manteve-se a ortografia da época.

 

 

Aurélio Nuno Cabrita

Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional, bem como colaborador habitual do Sul Informação

 

 

 

 

 

 

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