Depois de quatro meses a entrelaçar, projeto TASA ganha duas novas artesãs

Foram quatro meses a aprender a arte dos entrelaçados com artesãos do Algarve, mas também com mestres vindos de fora, […]

Foram quatro meses a aprender a arte dos entrelaçados com artesãos do Algarve, mas também com mestres vindos de fora, incluindo o andaluz António Rodriguez, «o Cristiano Ronaldo da palma». Agora, Cláudia Guerreiro e Vanessa Flórido foram contratadas pelo TASA – Técnicas Ancestrais, Soluções Atuais e passaram a pertencer à equipa deste programa, que visa recuperar as artes tradicionais do Algarve.

As duas jovens artesãs foram formandas do curso de entrelaçados do Programa “Artesãos do Século XXI”, que decorreu entre Fevereiro e Maio. Ao todo, participaram nesta ação de formação seis pessoas, que aprenderam diretamente com aqueles que se dedicam há décadas ao manuseio de materiais como a cana e a palma, entre outros, e à arte da empreita.

Esta iniciativa «visou responder de forma direta à necessidade de transmitir conhecimentos nas artes dos entrelaçados a uma nova geração de artesãos», segundo a Proactivetur, empresa responsável pela gestão do TASA, programa que foi lançado em 2010 pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve.

Segundo os atuais dinamizadores do projeto, a formação surgiu «numa altura crítica, em que as artes tradicionais do Algarve estão na contagem decrescente para a extinção e em que o mercado desperta para a produção artesanal de alto valor cultural, diferenciadora e inserida numa lógica de sustentabilidade do ponto de vista social, cultural e económico».

Foi, de resto, por reconhecerem que há potencial nas artes tradicionais e um futuro para quem as pratique que Vanessa Flórido e Cláudia Guerreiro abraçaram o desafio lançado pela Proactivetur. E, apesar de terem histórias de vida bem distintas e experiências diferentes, ambas se destacaram durante o curso e foram contratadas pelos responsáveis pelo projeto TASA.

Vanessa Flórido cresceu na cidade de Tavira e pouco contacto teve, na sua infância e juventude, com o mundo rural e as artes tradicionais. «Sou citadina, nunca tive contacto regular com o campo, enquanto jovem. Os meus avós já viviam em Tavira, onde cresci. Mas sempre tive este chamamento para o interior e para as questões ligadas à natureza. Sempre quis viver no campo, algo que consegui agora. Estou muito contente (risos)», disse a jovem artesão ao Sul Informação.

Foi por iniciativa própria que teve o primeiro contacto com as artes manuais. «Nunca tinha tido experiência com entrelaçados. Em dada altura da minha vida, experimentei fazer cestaria em jornal. Fazíamos uns tubinhos com papel de jornal e usávamos a técnica do vime. Na altura, fiquei fascinada com a quantidade de coisas que se podiam fazer», contou.

«Também já tinha tido experiência com olaria e gostei muito de fazer origami, que, apesar de não ter a ver com o nosso artesanato, também é uma manualidade. Mas com matérias vegetais, nunca tinha trabalhado antes», acrescentou.

Já Cláudia Guerreiro, que cresceu em Almancil, teve mais oportunidades de contactar com as artes tradicionais, ao crescer. «Candidatei-me a este curso porque sempre me identifiquei com este tipo de artes. Tudo o que seja artesanato é algo que me diz muito. Os meus avós, que são da zona de Alcoutim e do Alentejo, já faziam artesanato», contou ao Sul Informação.

E, apesar de nunca ter experimentado entrelaçados, já tinha tido experiência «na área do crochet e do macramé e outro tipo de trabalhos».

As duas artesãs «estão já a colaborar no desenvolvimento de protótipos que irão introduzir mais-valias para a inovação nos entrelaçados tradicionais, como é o caso da cestaria em cana e da empreita, e também no alinhamento destas artes com os valores da sustentabilidade», revelou a Proactivetur.

Nas próximas semanas, vão dinamizar em conjunto workshops nas lojas do TASA no centro de Loulé e no Hotel Anantara, em Vilamoura. Nestas experiências criativas, os participantes são desafiados «a criar o seu próprio objeto para levar e recordar», usando materiais como a cana, palma e outras plantas nativas do Algarve.

Ou seja, as duas jovens artesãs vão começar, desde já, a aplicar as técnicas que aprenderam no curso, não só com artesãos do Algarve, mas também com convidados vindos de fora. Um dos pontos altos da formação foi o módulo orientado por António Rodriguez, especialista em palma, respeitosamente apelidado de «Cristiano Ronaldo» pelo diretor da Proactivetur João Ministro, mas que «prefere que lhe chamem Messi (risos)».

O Sul Informação assistiu a uma das aulas dadas pelo artesão espanhol e falou com António Rodriguez, que deu algumas luzes sobre a forma como consegue viver exclusivamente da sua arte.

«Creio que os artesãos têm de evoluir, adquirir novas técnicas e fazer coisas novas. Se fizerem um trabalho de melhor qualidade, podem vender a peça a um preço mais elevado. É como ir comprar comida a uma loja. Tens o presunto normal e o presunto pata negra. E este último vale mais porque tem mais qualidade. E as pessoas reconhecem isso e que essa diferença se paga», considerou.

No caso do artesanato, para que as pessoas comecem a perceber a diferença entre as peças que são criadas com maior cuidado e aquelas de menor qualidade «é preciso educá-las e desde novas. Temos de levar as crianças ao campo, para ver o que se passa por lá, terem contacto com o processo de criação, de modo a que percebam quão árduo é este trabalho».

António Rodriguez acredita que, se as pessoas conhecerem aquela que é a realidade dos artesãos «estarão dispostas a pagar mais».

A vida de quem se dedica a cem por cento a um oficio tradicional não é fácil. António Rodriguez confessa que é «um nómada», pois, além de produzir as peças, também se dedica «à venda e a dar formação». Por ano, vai «a cinco ou seis feiras especializadas», em Espanha.

O contributo deste experiente artesão foi bem acolhido pelos formandos. «Foi, sem dúvida, uma inspiração para nós. Ele cresceu a fazer e a ver fazer objetos em palma. Mais tarde, dedicou-se a fundo a esta atividade, pois teve um problema de saúde. Ele tem muito brio e dedica muitas horas para melhorar os seus produtos», enquadrou Vanessa Flórido.

A mensagem que o mestre andaluz transmitiu aos seus alunos algarvios é que «não vale a pena fazer as coisas às três pazadas, para vender aos ingleses por tuta e meia. Ele gosta muito do que faz e passou-nos essa paixão. Estou muito grata ao TASA por nos ter posto em contacto com esta pessoa», disse Vanessa.

«Ele passou por algumas fases difíceis, a nível financeiro, mas tomou a decisão de se dedicar à sua arte por paixão. Porque se é para te sentires desconetado num emprego qualquer, mais vale fazer aquilo que gostas, mesmo se tiveres de batalhar mais um pouco», acrescentou Cláudia Guerreiro.

Agora, ambas as artesãs já olham para a frente. «Penso que esta atividade tem futuro, mas não da forma como era feita antigamente, em que se faziam produtos em série, de qualidade mediana, para fazer algum dinheiro à pressa. Dessa forma não é sustentável, em termos financeiros. Hoje já podemos fazer a coisa de outra forma. Para além de sermos artesãos, temos de ser polivalentes. Temos de fazer workshops, de nos importar com a história das pessoas que estão envolvidas, com a origem dos materiais, com a sustentabilidade em torno da nossa atividade», considerou Vanessa Flórido.

Para a jovem artesã, «é importante transmitir esta informação a quem compra os produtos, pois isso é que dá valor à peça. Penso que as pessoas já começam a ter uma consciência de consumo diferente e o projeto TASA vai ao encontro disso, tendo em conta que é ético com quem trabalha e em relação aos materiais que utiliza, que são daqui e colhidos de forma sustentável».

Cláudia Guerreiro faz suas as palavras da colega de curso (e, agora, de profissão). «É desafiante pensar no futuro, mas acredito que ele existe. Penso que passará muito pelos pontos que a Vanessa realçou, a parte ecológica e o interesse que está a gerar. Optar por alternativas de consumo e envolver aqui a nossa identidade cultural, que é o que estamos a tentar preservar», disse.

Certo é que, depois de meses de trabalho intenso, ambas sentem que valeu a pena o esforço. «Superou as minhas expetativas, pelo contacto que tivemos com todos estes artesãos. Eles passam tudo de forma muito genuína, o que faz com que o formato não seja tanto o de uma formação, mas um convívio, que foi a forma como eles aprenderam», resumiu Cláudia Guerreiro.

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