Os cães que ladram enquanto o petróleo passa

Ontem foi um dia de vergonha. De vexame real, mesmo que não presidencial. De nojo. Ou então de esclarecimento cabal […]

Ontem foi um dia de vergonha. De vexame real, mesmo que não presidencial. De nojo.

Ou então de esclarecimento cabal acerca das regras da nossa “democracia” e do olhar do Governo, dos partidos que o suportam e da própria Assembleia da República sobre o povo que supostamente representa.

Ontem foi o dia em que à Agência Portuguesa do Ambiente, apesar da fantochada que foi o processo de consulta pública do processo de apreciação prévia e decisão de sujeição a Avaliação de Impacte Ambiental do projecto “Sondagem de Pesquisa Santola 1X”, palpitou que um furo para prospecção de hidrocarbonetos ao largo da Costa Vicentina, concretamente em frente a Aljezur, não carece de avaliação de impacte ambiental.

Porquê?

O que é que isso interessa?

A discussão em torno da prospecção e exploração dos hidrocarbonetos não é técnica, nem legal. Nunca foi. Não é sequer ideológica, pois a apetência por combustíveis fósseis transitou do anterior para este Governo, contagiando até os seus partidos-muleta, mesmo que de quadrantes classicamente associados à defesa dos valores ambientais e da alteração do paradigma energético que tem vindo a desequilibrar o sistema ecológico à escala planetária.

Por isso este foi, desde o início, um desígnio deste Governo: viabilizar a exploração de hidrocarbonetos em Portugal.
Contra tudo, contra nós no Algarve, especificamente.

No entanto, fausseté oblige, e seguem-se os números de contorcionismo, como aqueles que rapidamente vieram condenar mas, pronto, já que a coisa está feita, constitua-se uma “comichão”, que é panaceia para todos os males, para fazer de conta que se acompanha e para poder, de quando em vez, emitir uns comunicados muito indignados e perfeitamente inconsequentes.

Deitar abaixo o processo é que não!

Há também espaço para um popularucho discurso de diabolização da Agência Portuguesa do Ambiente, fazendo de conta que esta age à revelia da sua tutela ministerial. Questiona-se até a utilidade e relevância desta entidade.

Que diremos então nós, cidadãos comuns, acerca dessa e de todas as outras entidades? Dos processos ditos de participação democrática? Já agora, dos órgãos de soberania?

Como não podia deixar de ser, reforçam-se as suspeitas já anteriormente levantadas, relativamente ao domínio dos interesses económicos das empresas petrolíferas sobre o Estado, sobre os partidos, sobre o Governo, sobre a Assembleia.

E as pessoas indignam-se contra tal possibilidade.

Desconheço, mas confesso que, pessoalmente e desta vez, é a única que me anima.

E anima-me tanto mais, quanto mais opípara a imagino, numa opulência e ostentação capaz de fazer empalidecer as histórias mais mirabolantes da corte do Rei Sol.

Porque me chateia a ideia de ser vendido por pouco.

Bem-vindos ao “Triunfo dos Porcos”.

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista, presidente da Secção Regional do Algarve da Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP)
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

 

 

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