«Em Portugal formamos bons profissionais, mas não lhes proporcionamos oportunidades»

«Formamos bons profissionais, mas infelizmente não lhes proporcionamos oportunidades para aplicar o conhecimento. O resultado? Grandes cientistas portugueses estão no […]

«Formamos bons profissionais, mas infelizmente não lhes proporcionamos oportunidades para aplicar o conhecimento. O resultado? Grandes cientistas portugueses estão no estrangeiro a contribuir para o desenvolvimento tecnológico e económico do país que os recebe. Inclusivamente, em muitos casos a formação profissional destes investigadores foi financiada pelo governo português». As palavras são de Catarina Silva, bióloga que faz investigação na Universidade James Cook, na Austrália, aqui entrevistada.

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Catarina Silva – Sou bióloga e especializei-me em biologia evolutiva, nas áreas de genética de populações e genética quantitativa. Atualmente trabalho como investigadora na Universidade James Cook, na Austrália, e de uma forma geral tento entender como o ambiente influencia a distribuição e adaptação dos animais.
Para isso, uso uma variedade de técnicas de genética e ecologia.
Parte do meu trabalho envolve investigação fundamental para tentar responder questões relacionadas com a teoria da evolução.
Por exemplo, como se formam as espécies? Ou como é que as populações se adaptam a determinados ambientes (mudanças genéticas ou plasticidade fenotípica)?
A outra parte do meu trabalho envolve investigação aplicada às pescas, aquacultura e conservação. Por exemplo, detetar se populações estão a trocar genes entre si; determinar qual a população de origem dos indivíduos; ou determinar populações mais resistentes a doenças ou alterações climáticas.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

CS – Uma das coisas que mais me entusiasma no meu trabalho é a versatilidade da minha área de especialização, que me permite aplicar técnicas da genética a vários organismos para responder a diversas questões.
Por exemplo, qual é o mecanismo molecular que permite que alguns animais sejam resistentes a doenças ou a temperaturas elevadas e outros não?
Ou como é que num determinado ambiente onde as populações estão conectadas pode haver tantas espécies diferentes entre si?
O que também me fascina na minha área de trabalho é o rápido e constante avanço das tecnologias de sequenciamento. É cada vez mais fácil usar informação genética em diversas áreas e as possíveis aplicações são muito abrangentes.

Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

CS – O meu interesse pela investigação começou durante a licenciatura em Biologia na Universidade de Aveiro. No trabalho de investigação, a experiência noutras instituições e o contacto com profissionais que usam métodos de trabalho diferentes traz um valor acrescentado para a formação profissional.
Este foi o principal aspeto que me motivou a planear um período no estrangeiro ainda enquanto estudante de licenciatura.
Outro fator que me motivou a sair de Portugal foi a falta de oportunidades e incentivo a jovens investigadores.
Acho que cada país onde estudei ou trabalhei tem a sua particularidade inesperada. Saí de Portugal em 2008, para fazer um estágio de seis meses em Espanha, onde encontrei um grande espírito de equipa.
A qualidade da componente prática na educação no Brasil foi o que mais me surpreendeu durante o meu mestrado.
O meu doutoramento na Nova Zelândia foi o resultado de uma parceria entre a universidade (Victoria University of Wellington) e o setor industrial (Ministry for Primary Industries) e fiquei surpreendida com o quão comum isto é na Nova Zelândia.
O mais inesperado que encontrei na Finlândia foi a interdisciplinaridade na academia, em particular a integração da matemática na biologia.
E finalmente, aqui na Austrália, o que mais me surpreendeu foi a autonomia e o incentivo que me deram desde o primeiro dia de trabalho, para explorar as minhas próprias ideias.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

Em toda a história de Portugal, acredito que nunca tivemos tantos e tão bons cientistas portugueses como temos hoje em dia.
Isto é o resultado de um investimento na educação que mudou drasticamente a situação do país.
Formamos bons profissionais, mas infelizmente não lhes proporcionamos oportunidades para aplicar o conhecimento.
O resultado? Grandes cientistas portugueses estão no estrangeiro a contribuir para o desenvolvimento tecnológico e económico do país que os recebe.
Inclusivamente, em muitos casos a formação profissional destes investigadores foi financiada pelo governo português.
A ciência em Portugal sofre com um financiamento imprevisível, definido a curto prazo, e com a falta de incentivo pelos setores público e privado.
Além disso, a colaboração entre o setor industrial e as universidades ainda é incomum.
A Austrália e a Nova Zelândia, por exemplo, incentivam ao máximo a aplicação comercial da investigação financiada pelo governo e uma grande proporção das bolsas de doutoramento são o resultado de colaboração com o setor industrial.

Que ferramentas do Global Portuguese Scientists (GPS) lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

Acho que o GPS é uma ferramenta muito útil para auxiliar colaborações entre cientistas portugueses de diversas áreas.
Além disso, tem um grande potencial como plataforma central no debate sobre o panorama científico português e como facilitador de novas parcerias.
O GPS tem membros espalhados por todos os continentes, a viver e trabalhar em realidades muito diferentes de Portugal.
Apesar de alguns de nós estarmos fora do país, as nossas experiências e opiniões podem trazer diferentes perspetivas para o debate.

 

Consulte o perfil de Catarina Silva no GPS – Global Portuguese Scientists.
GPS é um projeto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

 

Autor: GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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