Algarve é «das regiões onde há mais risco de incêndios» no próximo Verão

O Algarve é «das regiões do país onde há mais risco de incêndios» no próximo Verão, revelou ontem o secretário […]

O Algarve é «das regiões do país onde há mais risco de incêndios» no próximo Verão, revelou ontem o secretário de Estado da Florestas e Desenvolvimento Rural, em Monchique.

É que, salientou Miguel Freitas, a região «não ardeu no ano passado», o que, pelo que se sabe sobre os incêndios rurais e florestais no nosso país, aumenta o risco de arder agora. Daí que o Algarve esteja a ser, a par de outras regiões onde o risco também é grande, «foco de um trabalho muito atento».

O secretário de Estado visitou ontem o concelho de Monchique, acompanhando um dos três peritos espanhóis que estão em Portugal a analisar os incêndios rurais e florestais, ao abrigo do Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia, e participou num workshop, com elementos operacionais da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), dos corpos de bombeiros, da GNR e do seu Grupo de Intervenção Proteção e Socorro (GIPS), do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), presidentes de Junta de Freguesia do concelho, técnicos municipais e produtores florestais. Presente esteve também Tiago Oliveira, presidente da nova Estrutura de Missão para a Gestão Integrada de Fogos Rurais.

Em declarações aos jornalistas, o membro do Governo revelou que os municípios do Algarve candidataram a realização de «300 quilómetros de faixas de contenção de combustível em mês e meio», tendo sido mesmo «a região que mais se candidatou».

Só Monchique, tinha já revelado o seu presidente da Câmara, candidatou metade desse valor, 150 quilómetros, 80 dos quais terão de estar prontos até ao final de Junho.

A juntar a estas medidas preventivas de emergência, Miguel Freitas sublinhou que Portugal tem «um dispositivo de combate a incêndios que é experiente, bem comandado, mas o risco e o perigo existem», pelo que o Governo mantém o «nível de preocupação». Daí, explicou, a necessidade de «trazer peritos para dialogar com os técnicos».

«Não conseguimos, de um ano para o outro, mudar tudo, mas conseguimos fazer o mais urgente, para sinalizar junto das pessoas que existe risco com a floresta que temos», tinha já dito o secretário de Estado, no início da sessão em Monchique.

O perito espanhol na serra de Monchique, com o autarca Rui André e especialistas

Rui André, presidente da Câmara de Monchique, uma das autarquias que, desde há anos, procura pôr no terreno uma política ativa de prevenção e que defende a passagem de mais competências na área florestal para os municípios, sublinhou, por seu lado, que «o Governo tem o mérito de ter conseguido pôr na ordem do dia um tema que, para nós, é central».

«Dependemos da floresta, para todas as outras atividades económicas, nomeadamente o Turismo», acrescentou o autarca, na reunião que tinha por objetivo sensibilizar para a importância do trabalho conjunto de prevenção, de forma a minimizar o risco de grandes incêndios na serra de Monchique.

Apesar da aposta de Monchique nas medidas de prevenção imediatas – é o concelho do Algarve que candidatou mais quilómetros de faixas de contenção -, Rui André defendeu a necessidade de «avançar com medidas estruturais de ordenamento do território».

«Os incêndios devastadores de 2003, na serra de Monchique, foram uma oportunidade perdida. Pensávamos que iria acontecer uma mudança, uma alteração do ordenamento, mas tudo ficou na mesma», recordou. Em 2016, «arderam quase 2000 hectares dos concelhos de Monchique e Portimão, mas, dois anos depois, ainda as pessoas estão à espera dos apoios prometidos».

A própria Câmara Municipal de Monchique, na sequência deste mais recente incêndio, «fez uma candidatura, mas teve cortes de 87%», enquanto «as pessoas que se candidataram para alterar do eucalipto para o medronheiro viram as suas candidaturas todas reprovadas». «Se não é nestas ocasiões que se aproveita para alterar as coisas, quando é que isso acontece?», interrogou o edil monchiquense.

Por isso, sublinhou Rui André, está é «uma janela de oportunidade para adotar medidas estruturais para o futuro da nossa floresta».

O autarca defendeu que é preciso «não ter regras feitas com régua e esquadro, iguais em toda a parte, mas adaptadas a cada território».

Rui André, que tinha andado a acompanhar grande parte da visita que o perito espanhol Juan Pedro Garcia Alonso fez, durante dois dias, à Serra de Monchique e ao vizinho concelho de Ourique, admitiu que as faixas de contenção que estão agora a avançar poderão não ter grandes efeitos, como, aliás, o perito haveria de sublinhar depois. «No concelho de Monchique, o perigo, mesmo com todos estes quilómetros de faixas feitos, não será assim tão diferente, porque há projeções de fogo a grandes distâncias. Se calhar, temos é que ver as coisas a outra escala, temos de estudar melhor as estratégia da progressão do fogo, temos de alterar muito a estrutura da nossa floresta, envolvendo os privados», frisou o presidente da Câmara.

Juan Pedro Garcia Alonso, o perito espanhol

A presença do perito espanhol em Monchique deixou visivelmente incomodado Vaz Pinto, Comandante Distrital das Operações de Socorro, como aliás aconteceu no resto do país, com os restantes responsáveis pela ANPC.

Mas Juan Pedro Garcia fez questão de sublinhar que não vinha «dizer nada que não conheçam já», nem vinha «dizer em espanhol o que já sabeis em português». E, de facto, praticamente não se referiu à questão do combate às chamas, aquela em que Vaz Pinto e os bombeiros são especialistas, mas sim à prevenção e ao ordenamento, competências que, em Portugal, nada têm a ver com a ANPC, até porque estão sob a alçada de um Ministério diferente, o da Agricultura.

E Rui André, presidente da Câmara farto de assistir à destruição do seu concelho pelas chamas, disse: «se tantas vezes dizemos que o fogo não tem fronteiras, também as soluções para o debelar não têm língua, nem bandeira. É do conhecimento e do trabalho conjunto e cooperação entre todos que se espera os melhores resultados».

Partindo da sua experiência em Espanha, onde Juan é responsável, numa determinada área e ao mesmo tempo, pela prevenção e pelo combate aos incêndios, o perito espanhol veio partilhar os resultados da sua avaliação no terreno.

E quais as suas conclusões? Para já que, «à escala da paisagem, o território não está preparado para o grande incêndio florestal», sendo «uma paisagem não resiliente, não adaptada». «O sobreiro é tremendamente resiliente ao fogo, primeiro porque é uma espécie de cá, depois porque tem a cortiça, que o protege do fogo. Mas esta e outras espécies daqui estão a desaparecer. E está a avançar a acácia, a esteva, espécies oportunistas que depois se tornam um problema».

Outro problema identificado pelo perito espanhol é a presença de muitas casas pelo meio da floresta, o que aumenta o perigo, bem como «a continuidade da superfície florestal», com quilómetros e quilómetros da mesma espécie, sobretudo de eucaliptos.

Ora, sublinhou, para a floresta estar ordenada de forma mais resistente ao fogo, era preciso que estivesse ordenada «em mosaicos», alternando espécies e usos do solo. Mas em Monchique, como na generalidade do país – e Juan Pedro Garcia Alonso esteve também nos Parques Naturais de Sintra-Cascais e de São Mamede (Portalegre) -, o que se vê a perder de vista é a tal «continuidade da superfície florestal».

E o perito espanhol não se mostrou nada convencido com a eficácia das faixas de contenção combustível, que estão agora a ser implementadas no terreno. Já o autarca Rui André tinha exprimido a mesma dúvida. «Se há faixas, é porque há continuidade e isso não impede a progressão do fogo», frisou Juan.

O perito identificou também «uma planificação preventiva baseada numa rede primária de faixas, que não tem sido avaliada, nem desenhada estrategicamente, em função do comportamento do fogo». «As redes de faixas dão continuidade à superfície florestal disponível para o fogo», insistiu. O que é preciso, defendeu, é criar um sistema de mosaicos, que negue pasto para as chamas.

Sublinhando que «um técnico não é um legislador, temos apenas de mostrar e de avaliar a realidade», Juan sublinhou que «antes as pessoas trabalhavam no campo, tinham animais, faziam pastorícia, aproveitavam de outra forma os recursos da floresta. Hoje, os novos residentes, com as suas autocaravanas ou casas de luxo no meio das árvores, não fazem nada disso e não têm consciência dos perigos do fogo». Por isso, também defendeu a necessidade de «planos de autoproteção» e de se avançar para uma situação de «responsabilidade compartilhada».

Concluiu ainda que é urgente «uma planificação de defesa integral, de todo o território, de todos os usos e todos os riscos», que use «metodologia conhecida de estudo do território», que «implemente índices de diagnóstico e simulação», que «avalie os resultados obtidos, que são sempre dinâmicos», para «não ir atrás do fogo».

Por último, frisou Juan Pedro Garcia Alonso, é preciso ter a consciência de que «o fogo sempre estará cá!» e a «única forma de combater isso é tornar a paisagem resiliente». Só que essa mudança, não se cansou de sublinhar, não passa apenas por medidas conjunturais e de emergência, como a criação da rede de faixas, mas por alterações profundas da estrutura da floresta.

«Não se pode mentir aos políticos e dizer: isto não se podia prever. Sim, pode prever-se, mas faltam estudos. E às vezes não se gosta do resultados dos estudos», disse ainda.

«Nunca vi uma paisagem tão pouco resiliente ao fogo, tão vulnerável, como a que vi aqui em Portugal», concluiu o perito enviado ao nosso país no âmbito do Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia.

O Comandante Vaz Pinto fez questão de sublinhar que a tarefa de mudar a floresta portuguesa em geral e a de Monchique em particular, «não se consegue fazer de um dia para o outro. Isto leva no mínimo dez anos».

Perante as questões que foram sendo apontadas pelo perito espanhol, Vaz Pinto disse: «nós temos consciência das nossas vulnerabilidades», sabendo, por exemplo, que «cada ano que arde menos fica mais área disponível para arder no ano seguinte», daí a preocupação com o Algarve.

Mas Vaz Pinto também admitiu que «a nossa missão é muito mais dificultada com estes espaços desordenados. A missão de combate ficaria mais facilitada se o espaço florestal e rural estivesse mais ordenado». E o próprio Comandante Operacional Distrital fez questão de salientar a divisão que, em Portugal, há entre prevenção, a cargo do Ministério da Agricultura e, em parte, também do do Ambiente, através do ICNF, e combate, a cargo do Ministério da Administração Interna.

«Não é por falta de instrumentos legais que as coisas não foram feitas, é mais por falta de vontade», disse ainda.

Esclarecendo que, no fundo, estavam ambos a dizer coisas muito semelhantes, Juan Pedro Garcia Alonso concluiu: «uma sociedade com a nossa não pode ficar de braços cruzados à espera que tudo se resolva». Até porque «dentro de 10 anos, os fogos são diferentes». «E temos de nos preparar agora», concluiu Vaz Pinto.

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