Crónicas do Sudoeste Peninsular: Europa, 4 de março de 2018

No próximo dia 4 de março, volta o nervosismo à boca de cena europeia. Depois de o “problema francês” ter […]

No próximo dia 4 de março, volta o nervosismo à boca de cena europeia. Depois de o “problema francês” ter sido, aparentemente, resolvido com a vitória do Movimento em Marcha de Emmanuel Macron, no próximo domingo, tudo parece recomeçar com a confusão que está instalada nas eleições gerais italianas e o referendo interno no SPD alemão, que visa validar a grande coligação governativa entre a CDU de Angela Merkel e o SPD de Martin Schultz.

Vejamos algumas incidências destes dois eventos:

“Fascismo nunca mais, racismo nunca mais”
A oito dias das eleições italianas, gritou-se nas ruas de várias cidades italianas “Fascismo nunca mais, racismo nunca mais”, em resposta ao crime de 3 de fevereiro, quando um jovem fascista italiano disparou contra seis africanos. A manifestação reuniu cem mil pessoas na praça do povo, em Roma, enquanto movimentos de extrema direita marchavam por várias cidades por todo o país.

O sistema político-partidário italiano está completamente estilhaçado. Em sondagem recente, o Movimento 5 Estrelas (M5S), de Luigi di Maio, atingiu 29% das intenções de voto, o partido democrático de Matteo Renzi, antigo primeiro-ministro, 22,8%, a Força Itália de Silvio Berlusconi 16,2%, a Liga Norte de Matteo Salvini 12,1%, o partido Livre e Igual de Pietro Grasso 7,3%, o movimento Irmãos de Itália de Giorgia Meloni 5% e a Alternativa Popular de Beatrice Lorenzin 1,2%.

Para lá destes partidos, há outros movimentos neofascistas mais pequenos, que fazem da Itália de 2018 uma democracia cada vez mais iliberal.

De resto, no quadro do novo sistema eleitoral, recentemente revisto, nenhum partido conseguirá mais do que 40% dos votos, o que significa que será necessário negociar uma coligação para formar governo.

Matteo Salvini, da Liga Norte, é um exemplo eloquente deste crescente movimento nacionalista e populista. Em vez de gritar contra a capital Roma, passou a berrar contra Bruxelas e a sua política de imigração, prometendo que cada imigrante ilegal será deportado em 15 minutos, isto num cenário em que um terço do eleitorado poderá decidir o seu voto em função da imigração.

No mesmo sentido, é contra as mesquitas do país, que promete encerrar se receber o voto dos italianos para governar.

Recorde-se que tudo isto acontece num país com graves problemas económicos, onde a dívida pública atinge 135% do PIB e onde continua por resolver um sério problema de consolidação bancária.

Ou seja, a vaga populista cresce em Itália à boleia da instabilidade governativa e das ambiguidades da política europeia.

Esta circunstância política significa, muito claramente, que a Itália perderá influência e contará pouco para as próximas reformas que são necessárias no plano da União Europeia.

A GROKO é uma boa notícia?
GROKO significa grande coligação. Passaram cinco meses sobre as últimas eleições e a Alemanha ainda está sem governo. Depois do fracasso da “coligação Jamaica”, uma espécie de geringonça à maneira alemã, tudo leva a crer que se repetirá a solução governativa dos últimos 12 anos.

Para que tal aconteça é necessário que os militantes do SPD aprovem no dia 4 de março em referendo interno essa coligação.

Quais são, então, as hipóteses em presença?

Em primeiro lugar, o referendo interno confirma a proposta de coligação entre a CDU e o SPD e teremos um governo maioritário ao centro, embora, como é sobejamente visível, tenhamos problemas sérios de liderança interna tanto na CDU como no SPD.

Aliás, os últimos episódios revelam que o tempo político dos dois lideres está a esgotar-se rapidamente e ninguém se surpreenderia com a realização de eleições antecipadas.

Com efeito, a chanceler Merkel não terá vida fácil, desde logo por causa das negociações do Brexit, em seguida a discussão sobre o próximo orçamento plurianual da União Europeia, depois o debate em redor da agenda europeia de Macron, por fim, as eleições europeias de 2019 e a renovação das presidências do BCE e da Comissão Europeia.

Em segundo lugar, o referendo interno não aprova a coligação e os partidos políticos entendem marcar uma nova data para eleições gerais.

O ano europeu de 2018 ficará definitivamente posto em causa, o diretório franco-alemão limitado às tarefas de gestão e as grandes decisões sobre a política europeia em compasso de espera enquanto se aguarda pelas eleições de 2019 para o Parlamento Europeu.

Em terceiro lugar, o referendo interno não aprova a coligação, mas, ainda assim, a CDU/CSU decide formar um governo minoritário com base no apoio parlamentar possível dos partidos pró-europeus (os liberais, os verdes e os sociais-democratas); porém, nada garante que esse apoio seja duradouro e que, nesse contexto, os principais dossiers europeus sejam resolvidos.

Em todas estas hipóteses está em causa o confronto entre uma democracia liberal, que preserva o essencial da sua herança europeia, e uma democracia iliberal que coloca em perigo essa herança e o futuro do continente europeu.

O futuro próximo da democracia europeia
As eleições italianas e o referendo interno no SPD, para lá da sua relevância no plano doméstico, são mais dois sinais reveladores do nervosismo político que se vive no seio da grande família europeia.

Falamos de uma vaga nacionalista e populista, mas, também, de regionalismos radicais, de uma erosão dos ideais liberais, da falta de confiança em instituições europeias não-maioritárias, da crise do modelo social europeu e do desemprego jovem em consequência do impacto da revolução digital nos mercados de trabalho.

A democracia europeia, tal como a conhecemos, está em risco. O “risco iliberal” que, agora, se aproxima, também, dos países fundadores do projeto europeu, depois de alastrar no leste europeu e em muitos países nórdicos.

A fragilidade de uma coligação ao centro na Alemanha não é uma boa notícia para a política europeia. Lembramos aqui o que se tem passado com o colapso dos partidos do centro esquerda europeu e perguntamos o que poderá acontecer ao partido social-democrata alemão se amanhã for punido eleitoralmente e ultrapassado pela AfD (Alternativa pela Alemanha), tal como hoje já acontece com os quatro países de Visegrado e com quase todos os países nórdicos?

Imagine-se, por exemplo, que um governo de coligação ao centro liderado pela Senhora Merkel delibera aprovar, no quadro do diretório europeu e da agenda europeia do Presidente Macron, um aumento das transferências orçamentais europeias para financiar a política de segurança e defesa e a política de migrações, e isto mesmo no quadro de uma conjuntura marcada por baixo crescimento económico.

Como reagirão a opinião pública e os eleitores alemães em próximas eleições, que podem ser já as próximas eleições europeias no primeiro semestre de 2019?

Este é, de facto, um momento muito importante para a democracia europeia. Com 15% a menos no orçamento europeu devido à saída do Reino Unido e com novas políticas europeias no horizonte, o debate sobre novos recursos próprios está na ordem do dia.

A hora da verdade está cada vez mais próxima: “mais Europa ou menos Europa”?

Seja qual for a sua orientação política, convenhamos, porém, que coligações governativas fragilizadas não ajudam muito. Esperemos que, tal como em França, sejam tudo réplicas sem consequências de maior para o futuro da democracia europeia. Aguardemos, pois, pelo próximo domingo, dia 4 de março de 2018.

 

Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas

 

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