Galopim de Carvalho revela qual a sua «verdadeira relação com os dinossáurios»

Quando, há dias, anunciei a abertura do Dino Parque, na Lourinhã, tive 780 “gostos”, 928 partilhas e dezenas de comentários […]

Quando, há dias, anunciei a abertura do Dino Parque, na Lourinhã, tive 780 “gostos”, 928 partilhas e dezenas de comentários no facebook, com parabéns, felicitações, palavras de estímulo e outras de agradecimento.

Ora, na realidade, eu não meti um dedo nesta obra, verdadeiro mérito dos lourinhanenses, que só hoje irei ver a convite dos seus reais promotores. Gostava de acreditar que participei no lançamento da semente que lhe deu corpo quando, há já não sei quantos anos, a convite do saudoso amigo Horácio Mateus, participei numa reunião, creio que na Câmara Municipal, com ele em representação de GEAL (Grupo de Etnologia e Arqueologia da Lourinhã), o então presidente da Autarquia, o ministro da Ciência e da Tecnologia, professor Mariano Gago, e a Dra. Catarina Vaz Pinto, em representação da Quaternaire Portugal SA.

Mas eu sei qual a origem deste sentimento geral que me coloca, digamos com humildade, no centro do mundo dos dinossáurios que, para as crianças das escolas (por onde sempre andei e continuo falando para alunos e professores) fez de mim o “pai dos dinossáurios” e hoje, com o passar dos anos (três décadas), o “avô” dos mesmos bichos.

Tudo começou em 1986, quando dois finalistas da Licenciatura em Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa, Carlos Coke, hoje professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e Paulo Branquinho, de quem perdi o rasto, meus ex-alunos, descobriram um conjunto de cerca de duas centenas de pegadas de dinossáurios do Cretácico (92 a 96 milhões de anos) no fundo de uma pedreira abandonada e, na altura, a ser usada como vazadouro de entulhos e lixeira clandestina, em Pego Longo (concelho de Sintra) na vizinhança imediata de Carenque (concelho da Amadora).

Ameaçada de destruição pela construção de uma autoestrada (CREL), empenhei-me, ao limite das minhas capacidades e entusiasmo, como profissional e como cidadão, na sua defesa, apoiado na força institucional do Museu Nacional de História Natural que, então, dirigia. Foi uma luta de cerca de três anos (1990-!993), árdua, por vezes dura, contra a insensibilidade dos que decidem.

Escrevi e dei entrevistas a todos os jornais. As rádios deram-me voz e a televisão, imagem, e tive a simpatia e a cooperação de todos os jornalistas que comigo se envolveram nesta luta.

Fui às escolas, vezes sem conta, de norte a sul do país, e tive de aprender o muito que não sabia sobre dinossáurios. Escrevi um livrinho de divulgação, “Dinossáurios”, edição da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, Colecção Natura, 1998, fui coautor de outro, “ A Vida e Morte dos Dinossáurios”, Gradiva, 1991, e escrevi um outro, ainda, “Dinossáurios e a Batalha de Carenque”, Editorial Notícias, 1994.

Na sequência de uma petição pública, e das conversas que consegui ter com deputados de todos os Partidos, o Parlamento, no dia 11 de Fevereiro de 1993, tomava posição unânime na defesa da Jazida de Carenque. A ata desta sessão foi-me enviada, pessoalmente, acompanhada de uma carta manuscrita pelo próprio presidente, o professor Barbosa de Melo, congratulando-se com a unanimidade conseguida.

Aprendi a circular nos corredores do poder, falei com ministros, secretários de estado, autarcas, presidentes e diretores de empresas, passíveis de se interessarem neste processo e tive o apoio e a simpatia do Presidente Mário Soares.

Trouxe, de Londres, ao MNHN, em finais de 1992, a primeira e grande exposição de Dinossáurios Robots com número de visitantes até então e nunca mais alcançado – trezentos e quarenta e seis mil, seiscentos e noventa e quatro (346 694) visitantes, em apenas onze semanas.

Aproveitando a feliz oportunidade da realização do “1º Simpósio Internacional e Primeiro Congresso Mundial sobre Preservação e Conservação de Coleções de História Natural”, em Madrid (10-15 de Maio de 1992), fui ali com uma representação do MNHN, apresentar as nossas dificuldades e pedir o apoio da comunidade científica internacional ali presente.

Tudo isto e muito mais contribuiu para que se fizessem os dois túneis da CREL que passam por baixo da jazida com pegadas de dinossáurios de Carenque.

Em 1994, João Carvalho e seus companheiros da Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia de Torres Novas descobriram um conjunto ainda maior e mais espetacular, com trilhos mais longos e centenas de pegadas de grandes herbívoros do Jurássico, com cerca de 175 milhões de anos, na Pedreira do Galinha, na Serra d’Aire, perto de Fátima.

Voltei a percorrer idêntica caminhada, mas desta vez, menos difícil, rapidamente vencedora e, uma vez mais, sem dar por isso, tornei-me figura pública neste domínio da Paleontologia, sem ser paleontólogo, a ponto de, muitas vezes, ser apresentado, simpaticamente e por ignorância, como o “grande” e, às vezes, o “maior especialista português dos dinossáurios”, o que é falso e sempre me embaraça e me leva a ter de explicar a minha verdadeira relação com este domínio da ciência.

Consegui financiamentos para desenvolver projetos de investigação, trazer a Portugal, especialistas na matéria e enviar estagiários para o estrangeiro, a fim de trabalharem e aprenderem com quem sabia.

A enorme apetência de miúdos e graúdos por tudo o que se relacione com estes animais do passado fez com que o MNHN, comigo na direção, trouxesse a Portugal uma dezena de grandes e atrativas exposições de dinossáurios e, assim, uma vez mais o meu nome circulou nos media.

Tal esta mediatização que me caiu em cima que, corria o ano de 1994, na Alemanha, nos arredores de Hanover, de visita ao famoso Dinosaurier-Freilichtmuseum, de Munchehagen, quando um canal de televisão de Munique, julgando estar eu relacionado com a então importante descoberta, na Lourinhã, de ovos de um dinossáurio terópode com embriões por eclodir, quis entrevistar-me. Tive de lhes explicar que essa descoberta se devia, não a mim, mas ao casal Isabel e Horácio Mateus.

 

Autor: A.M. Galopim de Carvalho
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

Comentários

pub