Em 1863, o Algarve já era campeão da produção de citrinos, mas Silves não estava em destaque

A laranja está, por estes dias, em destaque em Silves, na 2ª mostra daquele fruto emblemático do Algarve. Aquela cidade […]

A laranja está, por estes dias, em destaque em Silves, na 2ª mostra daquele fruto emblemático do Algarve. Aquela cidade barlaventina assume-se, na atualidade, como o maior produtor de laranja da região, mas nem sempre assim foi.

Em junho de 1863, o governador civil de Faro Albino Freire Figueiredo solicitou a cada concelho do distrito informações relativas à colheita de laranjas e limões naquele ano, isto é, quantidades produzidas (discriminadas por consumo interno e exportação), preço e observações.

Instruções que nos permitem, hoje, conhecer um pouco da realidade de então, não sem alguns constrangimentos, desde logo o modo de quantificação da produção. Se nos nossos dias quantidade é sinónimo de toneladas (massa), nesse tempo era o milheiro (mil unidades) a unidade de medida utilizada.

Assim, segundo os dados então recolhidos, nesse inquérito de há 155 anos, no contexto regional, foram colhidos 9769,4 milheiros de laranja, sendo o maior produtor o concelho de Faro, com 3754 milheiros, 38,4% do total, depois Olhão, com 1791 milheiros (18,3%), Monchique 1200 milheiros (12,3%) e Loulé 1110 milheiros (11,3%).

Seguia-se Tavira, com 610 milheiros (6,2%), Castro Marim 386 milheiros (3,9%), Silves 318 milheiros (3,2%), Vila Real de Santo António 260 milheiros (2,6%) e Aljezur 180,4 milheiros (1,8%).

Por sua vez, e por ordem decrescente, sucediam-se os concelhos de Albufeira, Alcoutim, Portimão e Lagos, todos abaixo dos 100 milheiros (produção inferior a 1%), enquanto Vila do Bispo não tinha qualquer produção.

O concelho de Silves, que em 1705 já cultivava citrinos nas margens do Arade, era assim o sétimo maior produtor de laranja no Algarve, com Faro e Olhão na dianteira.

A estes quantitativos não seriam alheias quer a planura da campina de Faro, quer a presença fácil de água, extraída pelas noras mouriscas, dois fatores primordiais para a cultura da laranjeira. Monchique e as suas inúmeras nascentes permitiam também o seu cultivo, tal como em Castro Marim, junto ao Guadiana.

Quanto ao destino do fruto, cerca de 52% (5078 milheiros) eram comercializados para o estrangeiro (os países não foram referidos), apesar de só sete concelhos exportarem.

O maior era Loulé, com aproximadamente 84% da produção (923 milheiros), seguia-se Olhão 69% (1243 milheiros), Silves 65% (206 milheiros), Vila Real 56% (146 milheiros), Monchique 50%, Tavira 49% (300 milheiros) e Faro com 44% (1654 milheiros). De Aljezur, apenas chegou o valor produzido na totalidade (com a particularidade de vir discriminado aos centos), sendo que, nos concelhos de Albufeira, Alcoutim, Portimão e Lagos, a laranja destinava-se apenas a consumo interno.

Há 155 anos, era Faro e não Silves, o maior produtor regional de citrinos

Relativamente ao preço médio por milheiro, variava entre 1$200 réis e 5$000 réis, praticado em Olhão e Lagos, respetivamente.

Em Faro e Tavira, o preço era igual, 2$000 réis o milheiro, tal como em Loulé e Alcoutim, com 1$600 réis. Em Monchique cifrava-se em 3$500 réis, Silves 2$500 réis e em Vila Nova de Portimão, só para mencionar mais um exemplo, era de 2$400 réis.

Os valores praticados nem sempre refletiam a lei da oferta e da procura, nem a proximidade geográfica dos concelhos…

No que concerne ao limão, a produção regional foi de 779,1 milheiros, um quantitativo muito aquém da colheita da laranja. A primazia cabia, mais uma vez, a Faro, com 357 milheiros (46 %), seguindo-se Monchique com 150 milheiros (19%), Olhão 109 milheiros (14%) e Tavira 78 milheiros (10%).

Por sua vez Silves colhia 47 milheiros (6%), Loulé 16 milheiros(2%) e Castro Marim 10 milheiros (1%). Com uma produção inferior a 1% evidenciavam-se os concelhos de Vila Real 5 mil, Albufeira 4 mil, Lagos 2 mil e Aljezur 1,1 mil. Sendo que Portimão, Vila do Bispo e Alcoutim não tinham qualquer colheita.

Ao contrário das laranjas, os limões destinavam-se maioritariamente ao consumo interno, em cerca de 55%. Somente Faro, com 227 mil, Monchique 75 mil e Tavira com 50 mil, expediam limões para o exterior.

Em termos de preço médio, o valor mais baixo por milheiro era de 1$500 réis praticado em Olhão, sendo que o mais alto ocorria em Vila Real e Lagos 4$000 réis. Em Faro, Monchique e Tavira o preço era de 2$000 réis, enquanto em Silves, Castro Marim e Albufeira era de 3$000, 3$800 e 3$360 réis, respetivamente. Por fim em Loulé cifrava-se em 1$920 réis.

Nos anos seguintes, o cultivo de limoeiros estendeu-se a todos os concelhos. Por exemplo, em 1872, somente em Vila do Bispo continuava a não existir produção, nos restantes a colheita de limões era uma realidade.

No Algarve, produziram-se então 1 447 milheiros, o dobro da colheita de 1863. Também a laranjeira progrediu, tendo-se colhido 13 581 milheiros de laranjas em 1872.

Apesar deste rápido crescimento, o cultivo de citrinos conheceria alguma regressão nas décadas seguintes. Em 1915, Mário Cunha Fortes lamentava-se que os laranjais, “outrora florescentíssimos e que constituíram uma das boas riquezas do Algarve”, viessem a decair nos últimos 30 anos, apresentando, então, uma produção limitadíssima.

Uma praga (gomose) havia quase dizimado as árvores e as exportações, que chegaram a atingir 500 contos de réis, foram, em 1914, de pouco mais de 3 contos.

Pomar de citrinos atual, na zona de Benaciate (Silves)

É em meados do século XX, após a inauguração, a 28 de maio de 1956, da barragem do Arade, juntamente com o perímetro de rega de Silves, Lagoa e Portimão, com uma área de 1900 hectares, que os pomares de citrinos conhecem enorme crescimento nestes concelhos.

Por outro lado, na década seguinte, o advento dos furos artesianos veio tornar possível o seu cultivo em áreas, até então, exclusivamente de sequeiro, a que se vieram juntar novos aproveitamentos hidroagrícolas na região, como Odiáxere, Sotavento, etc.

Todavia, se há 155 anos era possível conhecer a produção de citrinos em cada concelho, obviamente muito estimada, acrescentamos nós, em 2018, tal informação não existe. A Direção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve não dispõe desses elementos, apesar de referir que as maiores produções ocorrem nos concelhos de Silves e Tavira. Já o INE apenas disponibiliza a quantidade de citrinos do distrito, não tendo esses dados desagregados por concelho.

Assim, em 2016, segundo os dados do INE, a região produziu 252 797 toneladas de laranjas e 7 872 toneladas de limões.

De modo a estabelecer um mais fácil paralelo com os números de 1863, se considerarmos a massa média de uma laranja em 185 gramas, o Algarve terá produzido 1 366 470 milheiros de laranjas em 2016.

Já dos limões, considerando uma massa média de 60 gramas, terão sido colhidos no distrito 131 200 milheiros daquele fruto.

Tendo como base esta suposta conversão, o Algarve produz atualmente 140 vezes mais laranja e 168 vezes mais limão do que colhia em 1863. No contexto nacional, o Algarve produziu, em 2016, cerca de 86% da laranja e 51% dos limões colhidos em Portugal.

Citrinos de elevada qualidade que hoje, como no passado, elevam o nome da região no país e além fronteiras.

 

Agradecimentos: Instituto Nacional de Estatística – Serviço de Comunicação

 

 

Aurélio Nuno Cabrita

Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional, bem como colaborador habitual do Sul Informação

Comentários

pub