«Área da conservação da natureza em Portugal não olha para o comportamento humano»

Diogo Veríssimo é investigador visitante na Johns Hopkins University, nos Estados Unidos, na área da conservação da natureza. Esta entrevista […]

Diogo Veríssimo é investigador visitante na Johns Hopkins University, nos Estados Unidos, na área da conservação da natureza. Esta entrevista foi realizada no âmbito do GPS – Global Portuguese Scientists, um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.

GPS – Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?
Diogo Veríssimo – Trabalho na área da conservação da natureza, mas, ao contrário do que muitos possam pensar, não trabalho com animais ou plantas; trabalho com pessoas. Isto porque todas as grandes ameaças à natureza têm a sua origem no comportamento humano, nas centenas de escolhas aparentemente insignificantes que cada um de nós faz todos os dias.
O meu trabalho foca-se no uso das ciências sociais como a psicologia, sociologia e o marketing, para desenhar programas e campanhas, com o objetivo de mudar as escolhas que diferentes populações humanas fazem no que toca ao uso de recursos naturais.
De momento, estou particularmente focado no tráfico de espécies selvagens, uma ameaça que afeta um numero cada vez maior de animais e plantas.
Estou envolvido em múltiplos projetos em várias partes do mundo, desde a conservação de tartarugas marinhas em São Tomé e Príncipe, à redução do consumo de escamas de pangolim na China ou a redução do consumo de bílis de urso para fins medicinais no Cambodja. Para mais detalhes podem visitar o meu website.

GPS – Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
DV – O meu trabalho permite visitar não só algumas das paisagens naturais mais espetaculares do mundo, como também contactar com uma enorme diversidade de culturas.
Desde o Brasil ao Nepal e da Indonésia a Moçambique, já trabalhei em largas dezenas de países, com culturas e pessoas muito diferentes de mim.
Não há dúvida que esta oportunidade de alargar a minha perspetiva sobre como se vive noutros locais do mundo enriqueceu a minha personalidade e minha maneira de ver o mundo.
Este é um tipo de trabalho onde invariavelmente se juntam muitas histórias para contar e eu tenho trabalhado para que estas histórias sejam contadas fora dos círculos da ciência.
Primeiro através do livro “Biografias: vidas de quem estuda a vida”, uma compilação das melhores histórias de campo de 18 biólogos portugueses, agora disponível gratuitamente online.
O meu último projeto neste campo é o projeto “Lost & Found” (em português, Perdidos e Achados), que conta histórias dos animais e plantas que foram redescobertos depois de já terem sido considerados extintos.
Esta é uma plataforma onde capturo algumas das histórias mais inspiradoras do campo da conservação da natureza, um tema onde o mais comum é ouvirmos falar da destruição do mundo natural.

GPS – Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?
DV – Ir para fora de Portugal foi para mim uma necessidade, uma vez que não podia, em Portugal, seguir o rumo académico que pretendia.
No nosso país, a área da conservação da natureza é vista como algo apenas ligado ao estudo de animais e plantas, não havendo uma grande tradição de olhar para o comportamento humano como parte do problema.
Tive, por isso, de me mudar para o Reino Unido em 2006, e, desde esse tempo, não voltei a viver em Portugal, contando desde então também com passagens pelos Estados Unidos e Costa Rica.
O mais inesperado que encontrei, tanto no Reino Unido, como nos Estados Unidos, foi uma maior proximidade entre os investigadores, os professores e os alunos, que veio contrariar a forte hierarquia que tinha sentido nas universidades portuguesas. Isto serviu de rampa de lançamento para a minha carreira, porque me deu confiança para interagir com cientistas de uma fase mais avançada da carreira e assim perceber que eu também era capaz de fazer ciência.

GPS – Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
DV – Temos cientistas de enorme qualidade espalhados por todo o mundo, incluindo nas melhores universidades e institutos. Isto prova o potencial da nossa comunidade científica para produzir ciência de topo.
Este cenário contrasta um pouco, na minha opinião, com o panorama científico em Portugal, em que, mesmo tendo em conta os grandes avanços feitos nas últimas décadas, ainda há bastantes desafios.
Por exemplo, muitos dos investigadores em Portugal fizeram toda a sua educação na mesma instituição onde atualmente trabalham. Este ciclo não favorece o aparecimento de novas ideias e formas de pensar.
Esta é uma situação rara nos Estados Unidos ou Reino Unido, onde o sistema científico é mais meritocrático. Sem uma verdadeira circulação de ideias e formas de pensar, torna-se difícil fazer ciência inovadora.

GPS – Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes e porquê?
DV – Acho que é uma plataforma essencial no contexto da internacionalização do cientista português. No seguimento do grande trabalho que é feito há já algum tempo por associações de investigadores ao nível nacional (como a PARSUK no Reino Unido, ou a PAPS nos Estados Unidos), impunha-se já uma plataforma global que pudesse facilitar o contacto entre todos os portugueses que fazem ciência dentro e fora de Portugal.
Esta iniciativa faz particularmente sentido para aqueles que, como eu, já passaram por diferentes países, pois permite-me manter contacto com a comunidade científica portuguesa, mesmo em caso de mudança de local de trabalho, país ou mesmo continente.

 

Consulte o perfil de Diogo Veríssimo no GPS – Global Portuguese Scientists.
GPS é um projeto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

Autor: GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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