Obra plástica de Günter Grass ao encontro dos amigos portugueses no Museu de Portimão

Manuel Martins Barranha foi jardineiro de Günter Grass, o escritor e artista plástico alemão que foi Prémio Nobel da Literatura […]

Manuel Martins Barranha foi jardineiro de Günter Grass, o escritor e artista plástico alemão que foi Prémio Nobel da Literatura em 1999, na sua casa de Vale das Eiras, próximo da Mexilhoeira Grande, no interior rural do concelho de Portimão. «Plantei muitas das árvores que ainda lá estão. E foi o meu pai que ofereceu ao senhor Grass aquele coelho que ali está», disse, apontando para a aguarela em tons avermelhados que mostra um coelho morto, esfolado e esventrado, pronto para ir para a panela.

Esta aguarela é uma das muitas obras que, até 4 de Março, pode ser vista no Museu de Portimão, intitulada «Encontros».

Na inauguração da mostra, na tarde do feriado de 8 de Dezembro, Claudia Hahn-Raabe, do Goethe-Institut Portugal, salientou a «circunstância muito feliz que trouxe esta exposição para Portimão». Desde já, o facto de Günter Grass ter encontrado naquele recanto do Algarve o seu refúgio da vida bem mais agitada na Alemanha.

Hilke Ohsoling, diretora do Museu da Fundação Günter e Ute Grass, em Lübeck, salientou que «Encontros foi o nome que demos a esta exposição e creio que foi um lema de vida» do artista. Neste caso, um encontro «feito a pensar especialmente em Portugal e na sua estreia em Portimão». Porque a mostra, que se mantém no Museu de Portimão até 4 de Março, deverá ser depois levada para outros locais em Portugal.

A ideia de trazer para Portimão esta exposição, por ocasião dos 90 anos do nascimento do artista alemão (nascido em 1927 e falecido em 2015), partiu de um portimonense: o professor Damião Sequeira, que foi o grande amigo português de Grass. «O Damião sonhou e levou esse sonho ao meu gabinete, desafiando-me para termos aqui este encontro com Günter Grass», recordou Isilda Gomes, a presidente da Câmara portimonense, na abertura.

Damião Sequeira, o amigo de Günter Grass em Portimão, de quem partiu a ideia da exposição

Damião Sequeira, antigo professor de Alemão e residente vários anos naquele país, começou por dizer: «ao meu amigo Günter, eu tenho uma dívida de gratidão que, mesmo com esta exposição, não ficará totalmente paga».

«Conheci-o por mero acaso e, de repente, depois de uma curta conversa, estava convidado para a festa do seu aniversário. Mas que grande surpresa! Günter Grass? Para mim, uma personalidade. Pelo que conhecia dos livros da imprensa polémica, um tanto enigmático, controverso, mordaz, reservado e distante, eu tinha mesmo um certo preconceito de ele ser arrogante», recordou o seu amigo.

Mas depressa, acrescentou, os «preconceitos desapareceram», já que o artista era «jovial, simples, sincero, quase infantil».

Como era Günter em pessoa? «Despido da sua fama, era a verdadeira pessoa humana. Gostava da natureza, de Portugal depois do 25 de Abril, do Algarve e das suas gentes», contou ainda o professor Damião. «Comprava de preferência os produtos da terra, no mercado dos agricultores, o medronho, no produtor clandestino, o pão caseiro, o leite das cabras ao pastor seu vizinho, os cogumelos que apanhava nos montes e tão bem sabia cozinhar».

A casa onde Günter viveu, na freguesia da Mexilhoeira Grande, foi desenhada por ele e pela sua mulher, Ute. «Pôs-lhe o nome de Casa Rosmano, pois naquele lugar crescia selvagem também o rosmaninho», recordou também Damião Sequeira.

É que o Prémio Nobel «desprezava os relvados tratados e preferia, à volta da casa, uma floresta de catos, piteiras e matagal de estevas, rosmaninho e alguns pinheiros mansos. Adorava pinhões, que ele próprio retirava das pinhas».

Manuel Martins Barranha, o antigo jardineiro de Günter Grass

É todo este universo algarvio do artista alemão que pode ser apreciado na exposição «Encontros», no Museu de Portimão. Nas paredes, estão aguarelas de peixes, uns inteiros, à espera da grelha, outros já só espinhas e outros ainda, numa alusão surrealista, a voar pelos céus. Mas há também aguarelas de paisagens, árvores seculares e retorcidas, coelhos quase a entrar na panela. Ou os mesmos motivos algarvios desenhados a verdadeira sépia, ou antes, a tinta de choco, que o próprio Günter Grass preparava, a partir dos que comprava na praça. Ou gravuras e esculturas, alguns escritos, páginas que dedicou a este Algarve que tanto adorava. E conchas, pedras da praia, penas, molas da roupa, que Grass encontrava e incorporava nas obras.

Nascido a 18 de Outubro de 1927, na atual Polónia, Günter Grass desenvolveu uma relação muito rica e diversificada com Portugal, nos anos 80 e em concreto com a freguesia da Mexilhoeira Grande, lugar que escolheu para lhe servir de retiro e inspiração.

Foi no isolamento do país à beira mar plantado que o artista encontrou, na sua casa algarvia, a paz muitas vezes perdida na Alemanha. Aqui, conseguiu trabalhar intensamente em novos textos, imagens ou esculturas ou simplesmente “não fazer nada” e desfrutar do sol, do campo e das especialidades culinárias de Portugal.

Marie Huber (ao centro), ladeada por José Gameiro e Cristina Palma

A mais longa e visível ligação de Grass ao Algarve deu-se através do Centro Cultural de São Lourenço, em Almancil, onde apresentou livros e expôs por diversas vezes. Marie Huber, uma das fundadoras desse Centro Cultural hoje fechado, esteve presente no Museu de Portimão, na abertura desta nova mostra.

Com dezenas de exposições realizadas no Algarve, Günter Grass enriqueceu ativamente a vida cultural portuguesa e manteve com o escritor português, José Saramago, galardoado um ano antes com o Prémio Nobel de Literatura, uma amizade duradoura.

No final da sua vida, Grass lamentava não poder viajar para Portugal por motivos de saúde, escrevendo no seu último livro, “Vonne Endlichkait”, «Ah, meu Portugal perdido, como sinto falta da tua costa sudoeste».

O seu amigo Damião Sequeira recordou a visita que lhe fez, na Alemanha, quinze dias antes de Grass morrer, em Abril de 2015. «Quando o visitei em Behlenburg, já em convalescença, depois de regressado a casa, saído da clínica, nunca pensei que o iria perder duas semanas depois. Perguntou-me se lhe tinha levado medronho. Certamente!».

A exposição «Encontros» é um projeto do Goethe-Institut Portugal e da Fundação Günter e Ute Grass, em colaboração com o Günter Grass Haus, o Museu e o Município de Portimão, e conta ainda com o apoio da Embaixada da República Federal da Alemanha, da Associação São Bartolomeu dos Alemães, em Lisboa, e da Niepoort.

A exposição pode ser visitada no Museu de Portimão até 4 de Março, às terças-feiras, das 14h30 às 18h00, e de quarta-feira a domingo, das 10h00 às 18h00.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação

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