Homenagem ao arquiteto paisagista Fernando Santos Pessoa foi «manhã particularmente feliz para a Universidade do Algarve»

«É uma manhã particularmente feliz para a Universidade do Algarve», começou por dizer António Branco, reitor da UAlg, na abertura […]

«É uma manhã particularmente feliz para a Universidade do Algarve», começou por dizer António Branco, reitor da UAlg, na abertura da homenagem ao arquiteto paisagista Fernando Santos Pessoa, que teve lugar no sábado passado, no Auditório Verde do Campus de Gambelas. Estava dado o tom de uma sessão que o próprio homenageado, avesso a honrarias, considerou como «excessiva».

Mas a verdade é que a sala estava cheia de amigos, familiares, antigos colegas e alunos, companheiros de longa data de muitas das lutas nas quais Fernando Pessoa não hesitou em envolver-se, em nome do ordenamento do território, da conservação da natureza e da paisagem e, sobretudo, da intervenção cívica.

O pretexto para esta homenagem, denominada «Toda a Paisagem é Cultural», foi o lançamento de um livro, mais um, da autoria de Fernando Pessoa. Editado pela Argumentum, o livro «Intervir na Paisagem» foi também apresentado na sessão.

O reitor António Branco sublinhou que a ocasião não podia ter sido mais bem escolhida, já que também estão a ser assinalados os 20 anos do curso de Arquitetura Paisagista da UAlg, de que Fernando Santos Pessoa foi um dos principais criadores.

O reitor salientou que o arquiteto paisagista trouxe ao curso e à própria universidade «a consciência poética da paisagem, que devemos também ter em relação à vida e ao planeta».

O homenageado, que disse não ter sido «professor, mas apenas dado aulas», primeiro na Universidade de Évora, depois na do Algarve, manteve a sua atividade docente na UAlg durante dez anos, tendo «marcado a prata da casa» e criado «realmente a identidade do nosso curso», como fez questão de afirmar António Branco.

«Temos de agradecer este enorme legado, esperando nós estar à altura dele», concluiu o reitor.

O arquiteto paisagista João Reis Gomes, antigo colega de curso de Fernando Santos Pessoa, recordou-o precisamente como «um colega de cariz singular», «a quem a nossa profissão muito deve». E sublinhou o facto de ele ser «despretencioso».

Como traço da sua forma de estar no mundo, sublinhou a «atividade de escrita quase frenética» que o homenageado tem mantido ao longo dos tempos e que se prolonga mesmo agora, que acaba de fazer 80 anos. «Há livros seus à espera do prelo».

Jorge Cancela, presidente da Associação Portuguesa de Arquitetos Paisagistas (APAP), e seu aluno em Évora, depois de recordar que este seu professor foi «uma personagem que nos marcou», salientou também a importância do seu trabalho de escrita e de reflexão. «Deve ser dos arquitetos paisagistas que mais tem produzido matéria escrita», criando um «vasto corpo filosófico e teórico».

Mas Jorge Cancela fez ainda questão de recordar a «semente» que Fernando Santos Pessoa deixou, quando foi o criador e primeiro presidente, em 1976, do então Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico, ou quando foi um dos pais da RAN e da REN.

Por todas essas razões, concluiu, o homenageado «é, do ponto de vista ético e profissional, uma luz a seguir».

Seguiu-se Gonçalo Duarte Gomes, presidente da secção regional da APAP, e aluno da «primeiríssima e irrepetível fornada» do curso de Arquitetura Paisagista da UAlg. Com o seu habitual senso de humor, recordou que o seu antigo professor tem «uma vantagem competitiva» em relação ao seu homónimo, o poeta: «é tão complexo e multifacetado como o outro, mas sem precisar de heterónimos».

«Foram tantas as pessoas que dele foram alunas e tantas ainda mais variadas as que com ele aprenderam», frisou Gonçalo Gomes, num discurso emocionado, em que se confessou «seu aprendiz, seu discípulo, colega e, acima de tudo, grato amigo».

Sobre a sua faceta de professor, o antigo aluno recordou que Fernando Pessoa promovia «um batismo paisagístico, agarrava em nós e mergulhava-nos no conhecimento», com o seu «discurso de paixão».

«Fiquei vinculado a uma curiosidade perene sobre o mundo que ainda hoje consigo manter», garantiu. Mas Gonçalo Gomes também trabalhou com o seu mestre: «a trabalhar no seu ateliê, aprendi muita técnica, absorvi muito conhecimento, mas sobretudo obtive ética e deontologia», salientou Gonçalo Gomes, agradecendo a «paciência para com os titubeantes passos de um aprendiz».

Sublinhando que Fernando Santos Pessoa «sempre esteve preocupado com a presença do humano na paisagem», o seu antigo aluno elogiou a sua «resistência e a determinação com que continua a intervir na vida e na causa pública».

Recordando um episódio passado no ateliê do seu mestre, quando arrumava uns papeis e descobriu lá pelo meio, guardada numa caixa esquecida, uma medalha que tinha sido atribuída a Fernando Pessoa e que o próprio já nem se lembrava muito bem onde e porquê, Gonçalo Gomes terminou dizendo: «o professor Fernando Pessoa não procura protagonismo, não procura favores, nem se põe em bicos dos pés».

Depois de ter ouvido todas estas recordações e evocações sentado na plateia, entre a família e amigos, foi a vez de Fernando Santos Pessoa, o homenageado, se dirigir ao palco, para falar. E começou por confessar-se «embaraçado» com tudo aquilo.

Tendo como base o seu próprio trabalho, reunido em livros e artigos de jornais e revistas, Fernando Pessoa lamentou que «os arquitetos paisagistas, em Portugal, não escrevam mais, porque a teorização da profissão é fundamental».

«A arquitetura paisagista tem sido muito importante para Portugal, porque foi ela quem trouxe para o nosso país a visão global do território», acrescentou. «Foi com a arquitetura paisagista que se introduziram as equipas disciplinares, que passaram a ter, além de arquitetos e engenheiros, também agrónomo, sociólogo, geógrafo, historiador e arqueólogo».

Fazendo a ponte entre os problemas antigos (nesse mesmo dia cumpriam-se 50 anos sobre as inundações catastróficas da Grande Lisboa, que mataram centenas de pessoas, e onde, pela primeira vez, o arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro-Telles falou dos problemas causados pela ocupação dos leitos de cheias) e os problemas atuais, Fernando Santos Pessoa disse que «o ciclo da água e o ciclo do fogo é tudo consequência da falta de ordenamento do território».

E, com a sua habitual frontalidade, acusou: é o resultado dos «lugares de chefia dados a quem tem um cartão de certo partido e não a quem tem competência. Depois, temos décadas e décadas de desordenamento», que desembocam na tragédia dos fogos deste ano.

A culminar a cerimónia, foi oferecido ao homenageado um exemplar de Quercus canariensis ou Carvalho-de-Monchique, uma árvore da flora algarvia seriamente ameaçada pelos incêndios que têm devastado aquela serra. Mas este exemplar, explicou Jorge Cancela, foi produzido por um viveirista nacional a partir de um dos grandes carvalhos descobertos durante as caminhadas de Fernando Santos Pessoa e dos seus discípulos na Serra de Monchique.

Faltava apenas a apresentação oficial do livro «Intervir na Paisagem», que reúne textos escritos pelo autor nos últimos anos e publicados em jornais ou apresentados em conferências e palestras. Filipe Jorge, o editor da Argumentum, disse que o livro é «um manifesto, a ponta do iceberg de uma enorme obra».

«A construção das paisagens é tão antiga quanto o homem neolítico e a criação dos jardins terá antecedido a própria agricultura», escreve Fernando Santos Pessoa na introdução deste seu livro, recheado de conceitos e ideias em volta das quais propõe inúmeras reflexões, através de uma escrita sábia e desafiante.

A obra contém 33 textos escritos em períodos diferentes e organizados em cinco áreas temáticas: Ecologia e Ambiente; Paisagem e Arquitectura Paisagista; Ambiente e Qualidade de Vida; Cultura e Ambiente; e Política, que se sucedem num crescente que suscita curiosidade.

É um conjunto muito rico e diversificado que aborda questões centrais no âmbito do Ambiente, da Ecologia, da Paisagem, e das políticas ambientais, matérias tratadas de uma forma simples e esclarecedora.

O autor partilha a sua sabedoria, adquirida numa vasta atividade profissional, propondo argumentos que convidam a sociedade civil a desenvolver a sua consciência cívica e a vontade de participação de todos vós.

«Num momento em que o País se confronta com a discussão da Paisagem, este livro revela-se extremamente oportuno, abordando questões do maior interesse público», salientou o editor.

 

Fotos: Filipe da Palma

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