Raio-X dos Concelhos: Viver em São Brás é «excelente», mas faltam emprego e atividades económicas

Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista, presidente da Associação Al-Portel e reside no concelho de São Brás de Alportel, que considera […]

Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista, presidente da Associação Al-Portel e reside no concelho de São Brás de Alportel, que considera estar «perto de tudo, mas ainda assim longe das grandes confusões, mantendo uma maravilhosa pacatez».

Mas nem tudo é «excelente» num concelho que Gonçalo Gomes diz ter como principais problemas «a falta de emprego e de atividades económicas que fixem pessoas, sem ser numa lógica de dormitório, e abram perspetivas de um futuro aqui».

Partindo dos dados fornecidos pela Pordata e resumidos na infografia que publicamos acima, o Sul Informação pediu ao arquiteto paisagista e dirigente associativo que fizesse um retrato do concelho de São Brás de Alportel, onde reside.

Gonçalo Gomes diz que, na última década, a nível demográfico e empresarial, não houve «mudanças significativas», mas «houve sem dúvida alterações importantes».

A nível demográfico, Gonçalo Gomes faz «uma leitura cruzada entre os dados da Pordata e os dos Censos 2011. Nos resultados desses Censos, foi verificado um crescimento de cerca de 6% na população residente no concelho, relativamente a 2001. De 2011 até 2017, não houve praticamente qualquer alteração, exceto uma ligeiríssima redução, na casa de 1%, tendo a pirâmide demográfica mantido a sua estrutura, em linha com os valores regionais e nacionais».

Segundo Gonçalo Gomes, «isto revela-nos que, fora do período do boom imobiliário, não tem havido uma capacidade de cativar novos residentes. Este facto é curioso se pensarmos no que tem sido a evolução de uma das principais vantagens de São Brás relativamente aos concelhos limítrofes, que é o preço de construção por metro quadrado, mais barato».

Gonçalo Gomes

Para o presidente da Al-Portel, «a esta questão não é seguramente alheia a outra, da dinâmica empresarial, que é frágil, sendo a falta de emprego uma realidade do concelho. Daí que uma parte muito significativa da população residente empregada, arrisco dizer cerca de 50%, trabalha noutros concelhos, ao que se soma uma taxa de desemprego real que flutua entre os 8 a 12%, sendo esta taxa fortemente influenciada, como de resto em todo o Algarve, pela época alta do turismo».

Em termos económicos, «as atividades do concelho estão quase exclusivamente concentradas no setor terciário e, dentro deste, maioritariamente no comércio a retalho, estruturado em pequenas lojas. O setor secundário já desempenhou um papel importante, principalmente através da indústria corticeira, da indústria de extração e transformação de pedra e da construção civil. No entanto, quer por força da concorrência de grandes grupos económicos na primeira, quer pelo quase total encerramento da segunda, ou da crise na terceira, hoje está também em acentuada regressão».

Já o setor primário «não tem qualquer expressão, vivendo praticamente da carolice e resistência dos mais velhos e do sobreiral, e o setor terciário-superior, ou quaternário, não marca sequer presença».

Gonçalo Gomes considera que «isto origina uma oferta laboral maioritariamente desqualificada, com remunerações baixas e baixo valor acrescentado, completamente vulnerável a externalidades, ou seja, a circunstâncias cujo controlo escapa completamente aos afetados».

Por norma, acrescenta o arquiteto paisagista, «quando as autarquias são o principal empregador de um concelho, como é o caso, tal não abona grandemente a favor das dinâmicas económicas e até sociais e culturais».

Ao nível das redes de infraestruturas básicas, «servem a quase totalidade da população, principalmente ao nível do abastecimento de água. O saneamento através de sistemas de drenagem e estações de tratamento de águas residuais cobre cerca de 75% da população, mas considerando o erro clássico de ordenamento territorial que foi a proliferação da dispersão de edificação, acaba por ser um número aceitável».

Em termos de acessibilidades, Gonçalo Gomes diz que o concelho está «bem servido» e no que diz respeito aos serviços e equipamentos públicos, «à exceção da saúde, prestam respostas altamente eficientes».

Vista aérea de São Brás de Alportel

Na cultura, «tem havido também um forte investimento, pese embora tenha passado mais por festividades e eventos pontuais, e não propriamente por uma estratégia cultural para o concelho. De qualquer forma, S. Brás conta entre os seus espaços culturais com o Museu do Trajo, já uma referência, a Calçadinha Romana e centro interpretativo associado, e possui ainda grande potencial arqueológico e literário por explorar, este último através de figuras como Estanco Louro, a ínclita geração da família Passos ou figuras multifacetadas como Roberto Nobre».

Os dados da Pordata, que podem ser consultados na infografia desenvolvida pelo Sul Informação, «no geral, não introduzem nenhuma grande surpresa. Acabam por dar uma expressão numérica e mais detalhada a uma leitura que é possível fazer através da vivência e análise quotidiana do concelho».

Para Gonçalo Gomes, viver em São Brás de Alportel «é excelente. Costumo dizer que é a terra do “Small is beautiful” do Ernst Schumacher, ou uma espécie de “Cinema Paraíso” revisitado». O concelho «preserva ainda um traço identitário que já vai rareando, e que é precioso: o da proximidade. Não digo de afetos, porque essa expressão tem sido abusada à exaustão. Mas a vida nesta comunidade é envolvente, é acolhedora, ainda há o hábito de cumprimentar estranhos e “parentes” com o mesmo calor. E isto é tremendamente valioso».

Em relação a problemas, Gonçalo Gomes, além da falta de emprego e de atividades económicas, destaca «uma questão que é transversal a toda a região, e que passa pelos cuidados de saúde». Para o dirigente da Al-Portel, num «polo interior como São Brás de Alportel, num quadro de envelhecimento generalizado da população, é inaceitável que, por algo mais que um simples arranhão, as pessoas se vejam arrastadas para o Hospital de Faro, por subdimensionamento dos equipamentos locais».

Também a situação do Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Sul é «igualmente grave». Para Gonçalo Gomes este é «um equipamento fundamental do ponto de vista da saúde e também da economia local, nas instalações do antigo sanatório Vasconcelos Porto, que tarda em libertar-se de uma novela aparentemente interminável, apesar dos sucessivos esforços e promessas que têm vindo a público».

Outra questão realçada é a da distribuição geográfica da população que «está tremendamente desequilibrada. A Serra, que cobre aproximadamente dois terços do concelho, não chega a albergar 5% da população, o que traduz um tremendo despovoamento e desumanização da paisagem, cuja marca e caráter é precisamente a presença e intervenção humana».

Em relação à edificação, Gonçalo Gomes diz que «além da edificação dispersa, cujo ónus ao nível dos custos de construção e manutenção de redes de infraestruturas é tremendo», há um «sobredimensionamento da edificação. Entre 2001 e 2011, o parque imobiliário de São Brás registou um aumento na casa dos 10 a 20%. Entretanto, cerca de 10% de todos os edifícios existentes estão vagos. Ou seja, na pior das hipóteses, temos tantas casas vazias quantas as que construímos na última década, década e meia».

No Centro Histórico, «profundamente despovoado, esta questão ganha renovada importância», considera Gonçalo Gomes.

Em termos associativos, «São Brás de Alportel possui um tecido associativo rico, cuja atividade é intensa. Existem numerosas associações, cobrindo diversas áreas de interesse, desde a música ao desporto, onde, pela mão da X Dream Blasius, têm sido realizados eventos de nível nacional, com grande sucesso, passando pela solidariedade social ou pela intervenção cívica na defesa do ambiente e do património cultural, pela Al-Portel».

Esta dinâmica associativa tem tido, para o dirigente associativo, «um grande reconhecimento por parte das entidades oficiais, concretamente por parte da autarquia, que desde há anos tem um plano de apoio ao associativismo, no qual procura abranger todas as associações concelhias. De resto, este plano tem sido acompanhado por um envolvimento profundo das associações na promoção da animação cultural do concelho e nos diversos momentos comunitários que marcam o calendário anual».

 

NOTA: O Sul Informação está a publicar uma série de 16 artigos denominada «Raio-X dos Concelhos», dedicados a cada um dos 16 municípios algarvios.
As infografias, desenvolvidas pelo nosso jornalista multimédia Nuno Costa, usam dados estatísticos da Pordata.
As pessoas escolhidas para comentar os dados em cada um dos concelhos não estão, tanto quanto possível, ligadas a partidos políticos e residem, têm negócios, trabalham ou nasceram nos municípios em causa.

 

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