Raio-X dos Concelhos: «Grave desertificação» de Alcoutim pode ser combatida com aposta no turismo

Os dados revelados pela Pordata sobre Alcoutim não surpreendem Carlos Brito, mas, confessa o escritor e antigo deputado à Assembleia […]


Os dados revelados pela Pordata sobre Alcoutim não surpreendem Carlos Brito, mas, confessa o escritor e antigo deputado à Assembleia da República, choca-o sempre relembrar os números que dizem respeito à população, que tem vindo a diminuir e a envelhecer neste concelho do interior.

«Na minha juventude (anos 1950), o concelho tinha 10.500 habitantes. A diferença entre este e o número atual representa bem a medida do profundo despovoamento e da grave desertificação de Alcoutim», considerou.

Partindo dos dados fornecidos pela Pordata e resumidos na infografia que publicamos acima, o Sul Informação pediu a Carlos Brito que fizesse um retrato de Alcoutim, onde nasceu e reside.

Nos seus 81 anos de vida, que viveu intensamente e que foi marcada pelo ativismo político – é ex-militante do PCP,  esteve na clandestinidade, foi deputado da Assembleia Constituinte, em 1975, e esteve no Parlamento desde 1976 até ao final da década de 80 – Carlos Brito nunca perdeu a ligação com Alcoutim.

Até porque, na sua visão, viver neste concelho é um privilégio.

«Viver em Alcoutim tem o encanto de se estar rodeado de uma paisagem de rara beleza, com o rio, os barcos, a vila espanhola de Sanlúcar, num ambiente de paz, silêncio e sossego próprios das zonas de baixa densidade populacional, onde há grande margem para o desenvolvimento de atividades lúdicas ou criativas, quer no domínio material – agricultura, pesca, artesanato – quer no domínio espiritual – literário ou artístico», defendeu.

Como acontece em muitos casos, a maior virtude está ligada ao grande defeito. Isto porque «este encanto tem o reverso das pequenas povoações, onde faltam muitas coisas que só se encontram nos centros maiores, a mais de 30 quilómetros de distância».

Entre aquilo que não se encontra em Alcoutim, contam-se «aspetos da vida corrente, espetáculos e cuidados de saúde mais complexos».

E se, em algumas áreas, «pode haver melhorias, como tem vindo a acontecer, nos últimos tempos», noutras será mais complicado alterar a situação, tendo em conta que fazem parte «da própria condição das pequenas povoações».

Em Alcoutim, «não é de esperar que existam centros comerciais, supermercados, espetáculos regulares de música ou de teatro». Carlos Brito não deixa, no entanto, de «louvar os esforços desenvolvidos pelo município e os seus vários departamentos, como a Bibllioteca Casa dos Condes», na promoção de eventos.

Uma das áreas em que poderia haver melhorias, acrescentou, é no «comércio local, quer a partir dos estabelecimentos existentes, quer no mercado semanal».

«Há que sublinhar que, em matéria de serviços públicos, o concelho, sofrendo embora o abandono de todo o interior, não é dos piores, se comparado com outros, incluindo nos domínios da educação, da saúde e, especialmente, dos idosos, com os três lares que existem», acredita.

O grande problema de Alcoutim, defendeu Carlos Brito, está relacionado com «a falta de investimento em atividades produtivas que dinamizem a economia de forma sustentável, criem postos de trabalho e ajudem a recuperar e a fixar população».

«Este é um daqueles casos em que o investimento público tem que ir à frente e abrir as portas ao investimento privado. Por isso, continuo a defender a construção da ponte internacional Alcoutim-Sanlúcar e a conclusão do IC27 até Beja, como passos pioneiros de um futuro desenvolvimento», afirmou.

Potencial, nomeadamente no setor turístico, não falta a Alcoutim, «pela sua beleza e situação geográfica». Esta é, de resto, uma área em que o concelho «felizmente, se tem vindo a afirmar nos últimos anos e, muito especialmente, este ano».

Além da reabertura do Hotel de Alcoutim, o ano de 2017 foi marcado pela «abertura e funcionamento de restaurantes de boa qualidade, quer na vila, quer dispersos pelo concelho». Também há que de ter em conta «as reservas de caça, especialmente as turísticas, e a melhoria da ligação por barco com a Espanha».

«Nestes casos, estão a ser concretizadas as potencialidades abertas pelo IC27, pela praia fluvial de Alcoutim e pela Via Algarviana. O slide que garante a travessia do Guadiana pelo ar, desde o Castelo de Sanlúcar até às hortas da Ribeira do Cadavais, bem como a atual oferta de diferentes modos de diversão lúdica, como kart-cross, kaiaks e passeios no rio, também ajudam à dinamização do turismo».

É, de resto, no setor turístico que se nota uma maior dinâmica empresarial, com o nascimento de novas empresas. «No domínio das fotovoltaicas, outra grande esperança do concelho, continua em funcionamento, sem grandes alterações, o parque de Martim Longo», havendo ainda a possibilidade de nascer perto de Vaqueiros «um dos maiores parques fotovoltaicos do mundo», lembrou Carlos Brito.

Quanto à dinâmica associativa, «já foi muito promissora no concelho», mas, «atualmente, está em grande declínio».

«A razão principal são as orientações que passaram a comandar os fundos comunitários, onde as áreas prioritárias passaram a ser a pública e a privada, com sacrifício da associativa. Mas acho que esta faz muita falta», rematou.

Carlos Brito mostra que observou com atenção os dados da Pordata revelados sobre este concelho, que até contém uma curiosa discrepância: o número de eleitores é superior ao da população.

Na visão de Carlos Brito, o erro poderá estar mais do lado da população, pois os 2645 eleitores parecem-lhe um valor correto, tendo em conta que, em 2013, «a abstenção aqui foi apenas de 24 por cento».

«Estas anomalias provêm muitas vezes das condições em que são feitos os censos populacionais, mas não alteram em nada de substancial a imagem do despovoamento do concelho, como acontece em todo o interior», concluiu.

 

NOTA: O Sul Informação está a publicar uma série de 16 artigos denominada «Raio-X dos Concelhos», dedicados a cada um dos 16 municípios algarvios.
As infografias, desenvolvidas pelo nosso jornalista multimédia Nuno Costa, usam dados estatísticos da Pordata.
As pessoas escolhidas para comentar os dados em cada um dos concelhos não estão, tanto quanto possível, ligadas a partidos políticos e residem, têm negócios, trabalham ou nasceram nos municípios em causa.

 

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