Mistérios do Castelo de Alferce desvendados em campanha arqueológica

Quem, dos leitores, conhece o Castelo de Alferce, ponha o dedo no ar! Serão poucos a fazê-lo, porque a pequena […]

Quem, dos leitores, conhece o Castelo de Alferce, ponha o dedo no ar! Serão poucos a fazê-lo, porque a pequena fortificação, classificada como Sítio de Interesse Público em 2013, é das mais desconhecidas do Algarve.

Para inverter essa situação, Fábio Capela, o jovem arqueólogo da Câmara Municipal de Monchique, acompanhado por mais cinco outros colegas, dedicou-se, ao longo de cerca de duas semanas, a fazer escavações no local para «avaliar o potencial de duas áreas que nunca antes» tinham sido alvo de estudo.

O Castelo de Alferce é um povoado com origem na Idade do Bronze, ou talvez mais antigo, do Calcolítico (3º e 2º milénio antes de Cristo, ou seja, entre 5000 e 4000 anos atrás), que terá foi depois ocupado na época islâmica, entre os séculos X-XI (período emiral), talvez funcionando como hisn (pequeno povoado fortificado), provavelmente de apoio ao Castelo de Silves.

O que resta da fortificação, situada num cerro com uma vista imensa sobre a Picota, a bacia hidrográfica da Ribeira de Odelouca, as vias entre Silves e Monchique, e o litoral, são troços das muralhas, a base de torreões e uma antiga cisterna.

Mas não se espere grande monumentalidade, porque a pedra aparelhada que os antigos usaram para construir as muralhas foi sendo, ao longo dos séculos, levada pela população para as suas próprias construções.

E hoje, só o trabalho regular da Câmara de Monchique, da Junta de Freguesia de Alferce e dos proprietários dos terrenos onde se situa o sítio arqueológico vai permitindo que a vegetação não volte a cobrir de novo as pedras milenares.

O Senhor Helder e o Senhor Diamantino, a conversar com o arqueólogo Fábio Capela

Os terrenos onde se situa o Castelo de Alferce e a vasta zona de 2,5 hectares à sua volta, classificada como área envolvente de proteção do monumento, são de propriedade privada. E se há donos que não se interessam pelas escavações arqueológicas, outros, como os senhores Diamantino e Helder, seguem com interesse o trabalho dos investigadores. O Senhor Diamantino, apesar da sua idade já avançada, até se dedicou, de máquina roçadora na mão, a desbravar a plataforma interior do castelo, libertando-a de silvas e de outras plantas.

Para poderem fazer o seu trabalho, os arqueólogos abriram sondagens em duas áreas: uma no segundo recinto de muralhas, para verificar qual a extensão e como estão implantadas no terreno.

Outra sondagem foi aberta numa plataforma exterior a estas muralhas, onde há vestígios mais antigos, pré-históricos, provavelmente do Calcolítico ou da Idade do Bronze.

Ainda recentemente, nessa zona, durante uma ação aberta à população, uma das pessoas que participou na iniciativa encontrou, no solo, «uma pedra com uns furinhos». Uma primeira avaliação adianta que se trata de um «ídolo»,  de formato «retangular-trapezoidal». Um vestígio que, segundo o arqueólogo Fábio Capela, pode ser atribuído à Idade do Cobre (ou Calcolítico), o que faz «recuar a ocupação deste sítio em cerca de mil anos».

Desta vez, os arqueólogos não tiveram tanta sorte e o que recolheram no sítio pré-histórico foi sobretudo muitos fragmentos de cerâmica mais grosseira (própria daquela época), bem como «muito seixo do rio, trazido para cá».

Fábio capela, Rui André e João Pedro Bernardes

João Pedro Bernardes, arqueólogo e professor da Universidade do Algarve, que visitou os trabalhos arqueológicos no mesmo dia do Sul Informação, salientou a importância de «conhecer o que há antes da ocupação islâmica» deste local na Serra de Monchique. Segundo as fontes, «trata-se de um sítio arqueológico islâmico, mas há uma ocupação anterior, muito anterior. Esta plataforma poderia ser a ocupação do castro pré-histórico», disse.

O arqueólogo da UAlg sublinhou a importância de continuar a investigar esta zona do arqueossítio, recordando que «no Algarve, o que se conhece da Idade do Bronze é muito pouco. De povoados, como aqui parece ter existido, há muito pouca informação».

Mais acima, na sondagem junto às muralhas, surgiram também muitos fragmentos de cerâmica de pastas mais bem trabalhadas, uma asa, fragmentos de uma lucerna islâmica de pasta cerâmica mais fina e mais clara, o fundo de uma vasilha cerâmica, partido, mas com vários pedaços presentes. E um fragmento de vidro, provavelmente de algum pequeno recipiente.

São pedaços da vida quotidiana de há mais de mil anos, de um «início do período islâmico que é muito pouco conhecido no Algarve», explicou ainda João Pedro Bernardes. «A ocupação almorávida e almoada que se seguiu acabou por apagar o registo dessas épocas islâmicas anteriores». Mas esses vestígios perduram aqui, no pequeno Castelo de Alferce.

Mas, da intervenção, surgiu também uma primeira surpresa: é que, em vez de ter a forma de um quadrado, o recinto amuralhado tem forma pentagonal…além disso, ligado a este recinto em forma de pentágono, poderá haver outro, com formato idêntico, mas com a disposição oposta, como de se uma imagem em espelho se tratasse.

João Pedro Bernardes aventou que se trata de uma fortificação com «influências orientais», devido à sua forma pentagonal.

O mais entusiasmado com esta descoberta era o presidente da Câmara de Monchique, que acompanhou os trabalhos de perto. Formado em Artes, com uma pós gradução em História e Património, Rui André seguiu com muita atenção as explicações de João Pedro Bernardes e manifestou a esperança de futuras campanhas arqueológicas poderem pôr a descoberto mais páginas da história do Castelo de Alferce.

Planta pentagonal do recinto amuralhado do Castelo de Alferce e pormenor da zona escavada

É que, manifestando-se um «apaixonado pelo património», de tal forma que foi por sua iniciativa que a Câmara de Monchique contratou um arqueólogo, Rui André pretende que esta curta campanha sirva para «avaliar agora para preparar o projeto para o próximo ano».

O objetivo, disse o autarca ao Sul Informação, é «no futuro consolidar as estruturas e valorizar, até turisticamente» o pequeno Castelo de Alferce. Trata-se de um «sítio classificado e que, depois de devidamente estudado, passará a ser visita obrigatória», até pela importância que esta fortificação tinha «no contexto regional, na sua relação com Silves e com o Ribat da Arrifana».

Rui André recorda que a autarquia fez um «acordo com os proprietários», que «permitem que se faça a intervenção arqueológica» nos seus terrenos. «Há uns mais interessados que outros. Mas aqui o Senhor Diamantino está muito interessado em que isto seja valorizado, já me disse isso várias vezes. E ele é o dono do cerro onde o castelo se ergue».

O autarca de Monchique admite que a área classificada, de forma preventiva, em 2014, com um total de 2,5 hectares, «é muito grande». «Com o estudo em curso, há áreas que poderão vir a ser desafetadas», acrescentou.

A futura valorização deste arqueossítio que nem os algarvios conhecem, além da Câmara de Monchique e da Junta de Freguesia de Alferce, terá ainda a parceria da Direção Regional de Cultura e da Universidade do Algarve, aliás, já envolvidas no processo.

Uma das primeiras medidas que Rui André pretende tomar é a colocação de «um painel informativo para ajudar os visitantes a compreender melhor este sítio». Mas os seus planos passam por outros investimentos: «além do estudo, que ainda poderá desvendar muita coisa, convém que, ao mesmo tempo, haja um processo de consolidação, para que, quem aqui vem visitar, consiga perceber as muralhas e depois imaginar como isto era há mil anos».

 

Fragmentos de cerâmica islâmica

E, de acordo com um protocolo que a Câmara assinou em Fevereiro do ano passado com a Universidade do Algarve, será ainda criado um Centro Interpretativo na aldeia de Alferce, de onde partirão percursos de visita àquele sítio arqueológico.

«Alferce é uma freguesia que ainda não tem grandes atrativos para os turistas, mas a valorização deste seu património será um fator de maior atratividade e pode constituir também mais uma valorização, quer do ponto de vista turístico, quer económico e social», explicou o presidente da Câmara.

Enquanto estes projetos de valorização do sítio arqueológico não avançam para o terreno, o grupo de jovens arqueólogos – e um geógrafo – atarefou-se a retirar a terra, com mil cuidados, dos quadrados com dois metros de lado das duas sondagens. Mesmo com o sol a apertar, a sua rotina, durante quase duas semanas, foi escavar de manhã, entre as 8h00 e a hora do almoço, para à tarde se dedicarem, no armazém que lhes serviu de apoio, à limpeza e inventário dos materiais exumados.

A equipa contou com a participação da arqueóloga Andreia Campoa, que usou os seus dias de folga para ajudar um amigo, o Fábio Capela: «é um prazer vir ajudar um amigo», disse. A equipa integrou ainda o Ricardo Rato, que até é geógrafo da Câmara de Monchique, mas se ofereceu para trabalhar no duro nas escavações, bem como a Ana Santos, o Humberto e a Patrícia.

O último dia, 26 de Agosto, foi aberto à população e houve visitas guiadas e muitas explicações sobre os mistérios do Castelo de Alferce. Agora, resta esperar que a investigação prossiga e o projeto de valorização do arqueossítio saia do papel.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação

 

 

Nota 1: corrigida no dia 5 de Setembro, às 22h10, alterando as referências ao «ídolo» encontrado.

Nota 2: A equipa foi coordenada pelo arqueólogo Fábio Capela, quer no terreno, quer em gabinete, quer no que respeita à burocracia para a realização da intervenção.

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