Alojamento Local e escassez de imóveis para arrendamento

É por todos notório o aumento do número de turistas que nos visitam. De Norte a Sul do país, muitos […]

É por todos notório o aumento do número de turistas que nos visitam. De Norte a Sul do país, muitos concordarão que há de facto um grande aumento de visitantes.

Dirão, em tom de justificação, que Portugal está na moda! Também está. Outros dirão que a insegurança de outros destinos levou à subida meteórica da procura pelo nosso país, conhecido pela segurança, pelas gentes pacíficas e por tudo o resto que já fazia de nós um destino apetecível, desde a gastronomia ao Sol durante quase todo o ano.

Também não é menos verdade que, há mais de 10 anos, a Organização Mundial do Turismo previu que Portugal teria o fluxo de turistas duplicado até 2020, sendo que a cidade do Porto já em 2017 viu ultrapassar as metas que lhes estavam previstas para acontecer em 2020, superando os 7 milhões de dormidas.

A par desta procura, vimos surgir um novo produto turístico, o Alojamento Local. Não se consegue descortinar ao certo se a criação do enquadramento legal que permitiu o surgimento desta atividade se deu como medida para combater a evasão fiscal que dava pelo nome de “camas paralelas”, criando toda uma nova receita aos cofres do Estado.

Ou se a criação desta nova vertente semi-hoteleira foi um presente envenenado do Estado à hotelaria, como resposta aos seus anseios para combate às camas paralelas e à dispersão do seu mercado, facto esse que supostamente significaria o fim das camas paralelas, mas que pelo contrário se veio a revelar num novo contribuinte, o prestador de serviços de alojamento mobilado para turistas.

Ou ainda, se foi um produto visionário surgido da necessidade de dar resposta às previsões anunciadas em 2007 pela OMT (WTO) para 2020, na premissa que dificilmente haveria capacidade de resposta para o acréscimo da procura e para a construção dessa resposta em tão pouco período de tempo.

A par desta transformação, o mercado do arrendamento habitacional tem assistido a uma maior liberalização dos valores das rendas antigas, permitindo indexá-las aos rendimentos dos inquilinos, o que, em muitos casos, permitiu o aumento dos rendimentos dos senhorios, mas que ainda assim fica aquém dos valores praticados no mercado de arrendamento livre, fixando sucessivos adiamentos transitórios que impedem a implementação de um mercado de arrendamento livre e auto regulado.

Assim, o enquadramento legal que possibilita ser empresário do turismo via Alojamento Local, aliado à explosão da procura turística pelo nosso país, bem como o maior valor pago por este alojamento, confrontado com um mercado de arrendamento ainda condicionado por congelamentos, rendas baixas e por períodos de transição sucessivamente protelados, além disso prejudicado por uma justiça lenta, dispendiosa e pouco eficaz, leva a que muitos optem por destinar os seus imóveis ao Alojamento Local em detrimento do arrendamento urbano, criando problemas territoriais, sociais e culturais que importa analisar.

Desde logo, porque a escassez de imóveis destinados ao mercado de arrendamento conduz ao aumento do valor das rendas, valor esse incomportável para muitas famílias, que se vêm forçadas a migrar para a periferia das cidades, cujos centros perdem as suas gentes e com isso parte da sua identidade.

Além do que tal implica em termos do aumento da quantidade de pessoas em trânsito nas deslocações diárias casa-trabalho, numa infraestrutura viária e de transportes públicos já de si sobrecarregada, não dimensionada a esta nova realidade.

Temos, por isso, cidadãos que supostamente pagam menos pelo arrendamento na periferia, mas que, por outro lado, também gastam mais em transporte e em alimentação, deslocados, condições que fazem supor cidadãos mais infelizes.

A isto, juntam-se cidades cujos centros estão cada vez mais esvaziados de conteúdo, monofuncionalizados, convertidos em produto turístico numa espécie de “Disneyficação” dos centros urbanos.

Nada disto é novo noutros lugares. Todos os lugares alvo de uma forte pressão turística sentem os mesmos efeitos, mais cedo ou mais tarde. E está também a acontecer em várias cidades de Norte a Sul do nosso país.

A par desta evolução, em vez de enfrentarmos esta realidade com seriedade, vemos a criação de medidas avulsas que querem colocar nas mãos dos particulares, via condomínios, o juízo quanto à permissão ou à proibição do exercício desta atividade, como se uma resposta baseada em critérios arbitrários e subjetivos pudesse ter um significado substancial na resolução dos problemas atrás identificados e com os quais as cidades atualmente se deparam.

Por um lado, não vemos o Estado assumir a sua função de apoio aos mais carenciados, libertando os senhorios de funcionar como a sua muleta social, passando a inscrever no Orçamento de Estado uma verba específica destinada a apoiar as rendas dos que desse apoio necessitem.

Não vemos a definição de quotas, também para o alojamento local (AL) mediante a especificidade de cada cidade, que crie condições para o são equilíbrio entre a oferta de AL e a oferta de imóveis para arrendamento.

E nesse sentido devia haver também uma discriminação positiva para o Alojamento Local rural, nas quotas e na fiscalidade, para a criação de condições que fomentem o desenvolvimento do interior.

O tempo e o custo para a resolução de problemas pela via judicial relativamente ao arrendamento habitacional continua a ser muito elevado, não motivando o investimento nesta atividade.

O aligeirar destes processos permitiria não só incutir uma maior confiança nos senhorios, bem como atribuir uma maior consciencialização para a responsabilidade do inquilino, no que ao cuidado e manutenção do imóvel alheio diz respeito.

Não se conhecem medidas regulamentares que obriguem a que cada novo edifício construído contemple uma percentagem de fogos para habitação a custos controlados ou para um arrendamento a valor justo, mesmo que cofinanciado pelo Estado. Não só para os novos edifícios, mas também para novos loteamentos ou para edifícios encerrados detidos por bancos.

Continua a notar-se a inexistência de uma política nacional de habitação a custos controlados, porém dignos, que podia utilizar parte da receita fiscal do turismo para financiamento dessa área.

Quanto a este aspeto importa referir o importante que é ter este tipo de iniciativas dispersamente integradas nos núcleos urbanos, evitando a criação de bairros periféricos que já provaram nada ser benéficos para a integração das pessoas na sociedade, nem para a saudável diversidade que deve existir nas cidades, na valorização do respeito mútuo entre as pessoas.

Em resumo, mais do que abrir a porta a medidas avulsas, que resultem numa desresponsabilização do Estado, delegando essa responsabilidade no juízo sempre subjetivo e muitas vezes irracional dos condóminos e condomínios, seria fundamental encarar toda a problemática da oferta de alojamento local e arrendamento habitacional de forma abrangente.

Nesse sentido, também as Câmaras Municipais deviam ser chamadas a encontrar as quotas ideais para os seus concelhos, em permanente avaliação e revisto anualmente.

Tudo isto para encontrar um equilíbrio onde todos saiam a ganhar, habitantes, senhorios, prestadores de serviços ou turistas, na criação de cidades mais dinâmicas, convidativas e justas, para todos.

 

Autor: Miguel Caetano
Arquiteto
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