Arte do latoeiro renasceu no Algarve com curso em São Bartolomeu de Messines

Tudo começou em 2014, quando António da Silva Nascimento, conhecido como Raul, o último latoeiro de São Bartolomeu de Messines, […]

Tudo começou em 2014, quando António da Silva Nascimento, conhecido como Raul, o último latoeiro de São Bartolomeu de Messines, faleceu, mas deixou instruções ao seu filho Carlos Branco, para «doar o espólio à Câmara ou então, se esta não quisesse, vender tudo para ferro-velho».

Felizmente, o filho Carlos contactou com a Junta de Freguesia de Messines e com a Câmara de Silves, e o espólio – ferramentas, moldes e mesmo algumas peças – do “Senhor Raul” acabou por ser preservado, estando para breve a criação de um novo espaço para o acolher no Museu do Traje e das Tradições.

Foi a partir deste espólio que o TASA – Técnicas Ancestrais, Soluções Atuais, à procura de novas artes e novas peças para juntar ao seu portefólio, se lembrou de promover o projeto «A Arte do Latoeiro», que passou pela formação de cinco pessoas neste ofício já desaparecido em todo o Algarve.

O curso durou de Março até finais de Julho e teve lugar num espaço em Messines, cedido pela Junta de Freguesia local, onde dois mestres latoeiros – António Mestre, de Luzianes (Odemira), e o jovem Rui Santos, de Vila Real de Trás-os-Montes – ensinaram o ofício a cinco aprendizes: David Fernandes, João Cabrita, Miguel Cabrita, Pedro Barbosa e Túlio Martins. A eles, juntou-se Henrique Ralheta, designer de produto, que, a partir das técnicas e formas tradicionais da latoaria, desenhou peças contemporâneas, que possam agradar aos compradores atuais.

Na semana passada, numa quarta-feira ao fim da tarde, em Silves, aproveitando o último Mercado Fora d’Horas, foram apresentados os resultados deste primeiro curso. E a conclusão é que a Arte do Latoeiro, afinal, não morreu, está viva e tem pernas para andar!

Numa emotiva sessão na Junta de Freguesia de Silves, foi estreado o documentário (que pode ser visto abaixo) da autoria de Jorge Graça, que inclui imagens por ele filmadas com o mestre António “Raul” Nascimento, quando este ainda trabalhava na sua oficina em São Bartolomeu de Messines. Mas o grosso do documentário retrata as várias fases da formação dos cinco aprendizes, com os dois mestres, e o envolvimento do designer de produto, na conceção de novas peças.

«Aquilo que o meu cérebro idealiza e deseja, as mãos têm de fazer», comentava, em voz off, um dos aprendizes no documentário.

Mais tarde, já no Mercado de Silves, foram apresentadas as peças que resultaram dos meses de formação: almotolias, funis, baldes, com formas tradicionais, mas também jarras e candeeiros com formas mais contemporâneas, desenhados por Henrique Ralheta e moldados pelos cinco aprendizes.

Miguel Cabrita, que é carpinteiro e marceneiro no resort de luxo Vila Vita, foi um dos aprendizes. Revelou que não pensa fazer da latoaria um modo de vida, mas sugeriu que seja criado, «pela Junta de Freguesia ou pela Câmara, um espaço em Messines, para que nós e outras pessoas que se dedicam a outras artes, a outras ocupações, nos possamos encontrar ali e trabalhar». «Seria uma espécie de ateliê comunitário, como um moderno coworking?», perguntou Ana Silva, representante do Programa Tradições, da EDP, que é um dos apoiantes financeiros do projeto «A Arte do Latoeiro».

«Não quero fazer da latoaria profissão. Mas gostei muito de aprender, porque eu gosto de trabalhar com as mãos, com os materiais», explicaria depois Miguel Cabrita, em declarações ao Sul Informação.

Túlio Martins, de 26 anos, estudante de mestrado em Engenharia do Ambiente, foi o mais jovem dos aprendizes. Apesar de não saber ainda muito bem o que vai fazer no futuro, Túlio confessou ao nosso jornal ter ficado com o bichinho da latoaria: «tenho ido todos os sábados até à oficina, para trabalhar lá».

O também jovem David Gonçalves, com formação em Design de Comunicação e Multimédia, vive na Serra de Monchique, com os dois filhos, onde se dedica à agricultura biológica e a uma vida alternativa ao corre-corre da sociedade atual. Nascido na Venezuela, cresceu depois na Madeira, de onde a sua família é originária, estudou Design em Coimbra, mas acabou por vir parar a Monchique.

A formação em latoaria fê-lo «muito feliz», confessa, e agora pretende «arranjar maneira de continuar a praticar o que aprendi, até para ir aperfeiçoando». Como para o David é difícil vir de Monchique para Messines, a sua ideia é «arranjar algumas ferramentas básicas para treinar». Mas não gostaria de perder o contacto «com os meus colegas, que já são amigos».

João Carlos Correia, presidente da Junta de Freguesia de São Bartolomeu de Messines, que foi grande apoiante do primeiro curso de latoeiro, faz votos para que «esta arte perdure». E até abriu as portas para a criação de «uma lojinha, um ateliê», onde os novos artífices possam continuar a praticar o seu ofício e a vender as peças que forem produzindo.

Para isso, o presidente da Junta espera contar com o apoio da Câmara Municipal de Silves.

A presidente da autarquia Rosa Palma, por seu lado, sublinhou que, «graças a esta parceria entre entidades públicas e privadas, conseguimos recuperar uma arte tradicional que se tinha perdido». Agora, há que dar novos passos para que os cinco artífices acabadinhos de formar possam continuar a exercer e a trabalhar.

Luísa Conduto Luís, vereadora da Cultura de Silves, disse ao Sul Informação que a autarquia está «muito feliz pelo facto de o espólio do Senhor Raul poder ganhar vida, ensinando outros».

«Para mim, pessoalmente, é uma grande alegria saber que aquela bancada que era do Senhor Raul agora permite a outros aprender este ofício, que tinha desaparecido de todo o Algarve com a morte do nosso último latoeiro», acrescentou a autarca. «Espero bem que os artesãos que saem daqui formados deem agora continuidade ao trabalho».

Para já, em relação ao espólio do Senhor Raul, a oficina de restauro do Museu de Silves «fez a desinfestação e o tratamento necessário, às ferramentas e às peças doadas». Falta agora, acrescentou a vereadora, «arranjar um espaço no Museu do Traje e das Tradições de Messines para lá expor todo este legado».

João Ministro, diretor da empresa Proactivetour que, após protocolo com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, gere o projeto TASA, sublinhou que «a ambição é dar valor a estes ofícios que estão a passar uma fase muito complicada. Isto é algo que está a acontecer no mundo inteiro, por isso temos de dar apoio a estas artes e colocá-las junto dos mercados que as podem apreciar e valorizar».

«Os aprendizes de latoaria esforçaram-se imenso para que este projeto tivesse sucesso», assim como os dois mestres, um que veio de Luzianes (Odemira) e outro que veio de Vila Real, no Norte do país.

«Muito em breve vamos publicar um pequeno apanhado da realidade destas Artes e Ofícios no Algarve, uma espécie de Livro Vermelho das Artes e Ofícios, e o cenário não é animador», acrescentou ainda João Ministro.

Ana Pina, do programa Tradições da EDP, por seu lado, recordou: «recebemos várias candidaturas, mas a do TASA foi das mais consensuais entre os membros do júri, não só por se destinar a preservar uma tradição, como também por passá-la às novas gerações e com isso inovar».

Como forma de transmitir este antigo ofício às novas gerações, na quarta-feira da semana passada, o programa do Mercado Fora d’Horas até incluiu um workshop aberto à participação da comunidade e visitantes, que tiveram, assim, «oportunidade para pegar nas ferramentas do latoeiro e fazer um balde em miniatura», para levar consigo, como recordação.

Mas, nesse dia, o alvo de todas as atenções foram as novas peças que saíram da imaginação do designer Henrique Ralheta, após muitas conversas com aprendizes e mestres, e das mãos dos recém formados latoeiros. Numa banca de peixe do Mercado de Silves, transformada momentaneamente em local de exposições, havia jarras e candeeiros diferentes e muitos dos visitantes queriam saber onde e quando se poderia comprar uma daquelas peças.

Henrique Ralheta, o designer de produto, já tinha explicado que o seu objetivo foi «encontrar novas aplicações para as tecnologias ancestrais». É que, se ninguém precisa já de um candelabro em folha de chapa ou de um balde para tirar água do poço, um candeeiro para a sala ou o quarto, com linhas contemporâneas, pode fazer aquela diferença.

Alexandra Gonçalves, diretora regional de Cultura, também presente na sessão de apresentação dos resultados do projeto e na exposição, concluiu: «se queremos a revitalização das artes tradicionais, é fundamental que aconteça este novo saber, com o design aplicado à tradição».

E depois de tudo isto, qual será o futuro? Graça Palma, técnica do projeto TASA, revelou que a intenção é «apoiar a instalação, a atividade e a formação de mais latoeiros». Mas, para isso, é preciso novos apoios financeiros e não só.

O futuro também terá de passar por voltar a tornar a latoaria uma arte rentável. Por isso, João Ministro, da Proactivetour, faz questão de sublinhar que «tornar isto economicamente viável é fundamental. Esse é também o fundamento do projeto TASA».

Como salientou Alexandra Gonçalves: «o projeto não acabou aqui. Aqui começou!»

O projeto «A Arte do Latoeiro» é promovido pela equipa da Proactivetur (gestora do Projeto TASA), com o apoio da Câmara de Silves e da Junta de Freguesia de São Bartolomeu de Messines (parceiros da iniciativa), contando ainda com o apoio financeiro do programa Tradições, da EDP.

Veja aqui o documentário sobre este primeiro curso e o projeto «A Arte do Latoeiro»:

 

 

Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação

 

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