Quem não quer ser Trump, não lhe veste a pele

Materializando uma intenção há muito manifestada, Trump retirou os Estados Unidos da América do Acordo de Paris, celebrado na 21ª […]

Materializando uma intenção há muito manifestada, Trump retirou os Estados Unidos da América do Acordo de Paris, celebrado na 21ª sessão (COP21) da Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, realizada no final de 2015 na capital francesa.

E de repente, o Mundo entrou em tumulto e desespero. Disparatadamente.

O acordo de Paris não é a salvação por decreto. Tem imensos defeitos, o maior deles o depender da boa vontade. Já aqui o disse, afirmando que Paris tinha parido um rato. É ainda assim, o melhor que temos.

É mais sobre fé do que outra coisa qualquer. Fé uns nos outros, provavelmente num dos momentos mais difíceis dos últimos tempos para tal acontecer.

É também então sobre outra coisa: esperança. Esperança de que, confrontados com questões civilizacionais fracturantes, nos consigamos entender, para lá das diferenças, e escolher o rumo certo nesta encruzilhada, mais humana do que ambiental.

Se algo como as atitudes deste homem pequenino abalar essa fé, é porque nunca existiu verdadeiramente.

O segredo da resposta às alterações climáticas é local, apesar do carácter global do problema. Isso ficou demonstrado, nos próprios EUA, durante o reinado de outro grande intelectual, George W. Bush, também ele obedientemente negacionista – ou alguém acredita que tais figuras tenham capacidade de processamento suficiente para formar uma opinião responsável?

Papagueiam o que certos interesses ordenaram, sendo utilizados como títeres, a troca de afagos no ego e espectaculares brinquedos, como uma das maiores potências mundiais.

Nessa altura, vários Estados e cidades resistiram, assumindo eles próprios as rédeas do seu destino, estabelecendo as suas próprias agendas, e tomando medidas para se adaptarem e melhorarem, afirmando claramente um princípio largamente propalado: a mudança começa em nós, não nos outros.

Aconteceu antes, e está já a acontecer novamente. Imediatamente após o anúncio da decisão de Trump, os estados de Nova Iorque, Califórnia e Washington anunciaram a formação de uma coligação para combate às alterações climáticas, apresentando metas assentes nos objectivos do Acordo de Paris.

Além do mais, é escusado demonizar o Trump e depois fazer de conta que, por exemplo em Portugal, não temos um governo apostado na exploração de hidrocarbonetos, perpetuando o modelo que nos trouxe ao problema. A tal ponto que se dá ao trabalho de nos ir vender como gado apático a tal indústria, nessa mesma Nova Iorque, através de uma ministra a balbuciar alarvidades num inglês patético, numa mentira descarada. Se era para envergonhar o País, pela forma e conteúdo, que o fizesse em português.

Quem não quer ser Trump, não lhe veste a pele.

É portanto um sublime golpe, quase justiça poética, o facto da melhor frase sobre o assunto vir do Presidente da República de França, Emmanuel Macron, e utilizando uma expressão de Trump: “Make our planet great again”.

E é só isso que temos que fazer. Com os EUA ou sem eles.

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista, presidente da Secção Regional do Algarve da Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP)
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

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