Secção Museológica Ferroviária de Lagos está fechada e abandonada há anos

Hoje assinala-se o Dia Internacional dos Museus, criado há 40 anos, por proposta do Conselho Internacional dos Museus (ICOM, organismo […]

Hoje assinala-se o Dia Internacional dos Museus, criado há 40 anos, por proposta do Conselho Internacional dos Museus (ICOM, organismo da UNESCO). No Algarve, há muitos museus a comemorar esta data. Na região existe, porém, um espaço em que este tema deveria envergonhar várias entidades – a antiga Secção Museológica da CP em Lagos, que está há anos fechada, abandonada e em degradação.

Instalado na antiga cocheira (garagem de locomotivas e carruagens) da Estação terminal de Lagos, o núcleo museológico encontra-se encerrado «temporariamente» há cerca de uma década.

Em 2007, chegou a estar aberto ao público dois dias por mês, para depois ser abandonado. Apesar do interesse manifestado, por diversas vezes, pela Câmara Municipal de Lagos, na sua gestão, tal hipótese nunca foi aceite pelas autoridades que o tutelam.

Dez anos depois, o estado em que se encontra é vergonhoso, com o edifício perdido por entre canaviais, habitado pelos pássaros, como o chilrear proveniente do seu interior denuncia, enquanto as altas vidraças fazem as delícias dos petizes, na pedrada ao alvo, e as portas são a tela perfeita para os adolescentes grafitarem.

 

Este é um cenário difícil de imaginar quando, em 17 de Agosto de 2001, foi apresentado em Lagos, com pompa e circunstância, o projeto “Estações com Vida”, que previa uma “verdadeira revolução” para a área circundante daquela gare, como noticiava o jornal “Barlavento” na sua edição de 23 desse mês.

Com uma estimativa de três milhões de contos, a intervenção antevia a remodelação do lay-out das linhas, o reordenamento viário do espaço envolvente, a criação de um interface rodo-ferroviário, bem como a construção de um novo edifício de passageiros. Essas obras avançaram, de facto.

Mas a REFER também anunciou então que o velho edifício da estação seria “recuperado numa perspetiva de utilização sócio-cultural”, enquanto nos terrenos libertos pela remodelação das linhas seria construída uma unidade hoteleira, “cuja marca principal consistirá no enquadramento do núcleo museológico ferroviário existente na atual cocheira de máquinas”, noticiava o “Barlavento”.

Estava ainda previsto um “edifício multifuncional, vocacionado essencialmente para o setor habitacional”, bem como a construção de um Centro de Ciência Viva nos terrenos confinantes com a Marina e a Docapesca.

Mais de década e meia depois, a prometida valorização não passou de uma vã promessa. Se o levantamento dos carris e a construção do novo terminal de passageiros foi célere, está ainda na memória de muitos a aquisição de bilhetes na antiga estação e a correria para apanhar o comboio na nova, cujo edifício apenas se concluiu em Agosto de 2006.

 

A antiga estação, entaipada, coberta de grafitis, com vidros partidos e a escorrer humidade

O velho edifício, inaugurado com a chegada do primeiro comboio a Lagos em 30 de Julho de 1922, e considerado na época um dos mais belos e luxuosos do país, foi então encerrado, entrando num lento e perverso processo de degradação, que ainda hoje o acompanha, embora amiúde se tenha noticiado, e mais do que uma vez, a sua venda a particulares. Atualmente, ostenta várias placas de uma imobiliária, anunciando a sua venda.

Na verdade, o edifício já havia sido menosprezado aquando a construção da marina, que, ao invés de o integrar no seu enquadramento paisagístico, o ocultou criminosamente da cidade e dos lacobrigenses, que tanto lutaram para que a ferrovia fosse uma realidade em Lagos.

Dos vários edifícios comerciais e habitacionais anunciados em 2001, nada se concretizou, e, no espaço que deviam ocupar, crescem ervas e arbustos.

Quanto à Secção Museológica, ficou duplamente lesada, porque não só foi votada ao abandono, como a placa giratória adjacente foi amputada à rede de caminho de ferro, a razão de ser da sua existência, de tal forma que não é hoje possível colocar sobre os carris as velhas locomotivas e carruagens que ali estarão guardadas.

Em 2009, de acordo com a obra “Os Comboios em Portugal”, de José Ribeiro da Silva e Manuel Ribeiro, aquela secção armazenava uma carruagem da direção dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste, datada de 1912, um salão pagador de 1929 e duas locomotivas a vapor fabricadas em Inglaterra, em 1889 e 1890, alguns quadriciclos e uma dresine, bem como diversas ferramentas e utensílios.

Com a criação da Fundação Museu Nacional Ferroviário Armando Ginestal Machado, em 2005, ficou a secção de Lagos sob a sua tutela, encontrando-se a autarquia lacobrigense entre as entidades equiparadas a fundadores daquela instituição.

Mas tal não evitou que o pequeno museu permaneça, ano após ano, encerrado e votado ao esquecimento na singular cocheira, construída na década de 1920, a única do género em Portugal.

Quanto ao espaço, é também ele exclusivo a sul do Tejo (a secção de Estremoz foi desmantelada), e embora se localize numa região turística, que recebeu em 2016 cerca de 6,8 milhões de turistas, as autoridades ainda não “conseguiram” diligenciar a sua abertura ao público.

 

Na verdade, a velha cocheira poderia albergar um comboio histórico a vapor que voltasse a percorrer a linha férrea, por exemplo de Lagos até Portimão, um percurso de beleza indescritível, que faria as delícias dos milhões de turistas que nos visitam e constituiria mais um símbolo inequívoco do Algarve turístico, assim o desejasse a CP – Comboios de Portugal, Infraestruturas de Portugal, Região de Turismo do Algarve, autarquias e demais entidades regionais.

Mas, se estas autoridades locais, regionais e nacionais não se conseguem unir para a abertura e valorização de um espaço, só por si singular, que poderia ser complementado com uma breve história das acessibilidades à região, mais difícil seria ainda ousar colocar uma locomotiva a vapor nos carris, e, como se não bastasse, no Algarve. Num país/região de potencialidades onde tudo se dificulta e enriça, esta é só mais uma oportunidade perdida.

Este ano, o Dia Internacional dos Museus tem como mote «Museus e histórias controversas: dizendo o indizível nos museus». Quanto ao Núcleo Museológico Ferroviário, só mesmo uma contestada e indizível história pode justificar a inércia e incapacidade a que as entidades o votaram e votam diariamente e assim legitimar o estado vexatório em que se encontra.

Não podia, pois, a temática deste ano do Dia Internacional dos Museus encaixar melhor neste desventurado exemplo. Resta-nos, todavia, o direito à indignação!

 

Texto e fotos de Aurélio Nuno Cabrita, engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional, colaborador habitual do Sul Informação

 

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