Orçamento Participativo Portugal pode ser «inovação democrática e reforço da participação cidadã»

“Se queres ir depressa vai sozinho. Se queres ir longe vai acompanhado”. O provérbio africano revela-se apropriado para falar da […]

Se queres ir depressa vai sozinho. Se queres ir longe vai acompanhado”. O provérbio africano revela-se apropriado para falar da conceção e gestão de políticas públicas, sobretudo em países onde a tradição centralista do Estado habitua a pensar o desenvolvimento com uma visão de cima para baixo, crente de que as soluções residem nas instituições e nunca na sociedade.

Em Portugal, inverter a tendência é possível apenas se começarmos a imaginar Estado e Sociedade como parceiros e se reconhecermos à segunda a capacidade de pensar o bem-comum, propiciando-lhe a oportunidade de se constituir como coprodutora de políticas públicas.

O Orçamento Participativo Portugal (OPP) nasceu neste quadro. A cautela usada pelo Governo em lançar esta experiência-piloto em escala nacional (por agora única no planeta) tem determinado críticas veementes, nomeadamente acerca do montante alocado à decisão dos cidadãos (3 milhões) e das 4 áreas definidas para o efeito (agricultura, cultura, ciência e educação de adultos).

Para quem, como nós, trabalha há muitos anos em apoiar inovações participativas em diferentes cantos do planeta, é sabido que tendem a ter inícios tímidos e o tempo de consolidação ronda na casa de 3-4 anos. Assim, em vez de nos determos apenas nas naturais limitações do OPP, esta fase exploratória merece realçar as potencialidades que esse possui e o seu caráter contracíclico.

Na segunda etapa do OPP, que acontece neste trimestre, o Governo – contando com o apoio de parcerias locais – definiu mais de 60 Encontros em todo o país, para que os interessados possam debater e formalizar ideias e projetos a financiar. Esta dinâmica de Encontros não foi definida para anunciar medidas políticas ou convencer sobre os benefícios do Programa do Governo, mas para idealizar e discutir propostas que serão depois votadas pelos próprios cidadãos.

Esta descentralização direta para o cidadão, baseada na confiança e sem filtros institucionais, configura – embora numa escala circunscrita – uma mudança de paradigma na forma de entender o Estado, a Sociedade e as políticas públicas. Porque faz o Estado atuar como “instituição aprendente” face à criatividade dos seus habitantes.

De facto, o OPP entendeu que se instalaria num país com uma rede diversificada de orçamentos participativos (118 hoje) promovidos pelas autarquias, que deveria respeitar e complementar.

O facto de só serem aceites propostas para os níveis regional e nacional é uma evidência da vontade de desafiar os cidadãos a pensarem para além da sua freguesia e do seu município, olhando para as necessidades e oportunidades que unem territórios mais vastos.

Assim, o OPP revela que a subsidariedade é mais do que integração de funções complementares, sendo também a capacidade do Estado de aprender com as autarquias. O diálogo com o poder local e a sociedade civil resultou desde logo indispensável, quer para que os Encontros se encham de vida e ideias, quer porque os projetos vencedores, mesmo que imateriais, terão que ser territorializados em contextos concretos, necessitando de parcerias de implementação.

A qualidade dos debates e das propostas é igualmente relevante no OPP, para evitar que emerjam ideias banais e populistas. Ela deve contrariar “a democracia do sofá”, baseada na participação remota e individual através da Internet, que inclusive se chega a constituir como único canal de participação em alguns orçamentos participativos locais.

O OPP privilegia os espaços de diálogo, escuta e aprendizagem entre iguais, deixando o uso das tecnologias apenas para a fase da votação dos projetos finalistas.

Não obstante as inúmeras potencialidades, o OPP tem amplas margens para crescer. Por exemplo, a metodologia dos Encontros Participativos pode vir a ser uniformizada, reforçando as dimensões de debate e deliberação, para que esses não se convertam em espaços de simples enumeração de ideias.

Na fase de avaliação técnica da viabilidade das propostas, seriam desejáveis formas de gestão menos centralizadas, que envolvam outras entidades da Administração Pública mais próximas e conhecedoras das realidades de implementação dos projetos.

Articular administrações públicas de diferentes escalas num processo comum de aprendizagem sobre a participação pode trazer muitos benefícios na reconstrução da relação entre política e cidadãos. Pode também mostrar que é possível para o Estado ultrapassar posturas de “decisionismo e autoritarismo democrático”, que não são apenas estilos de poder, mas antes uma “rotina cognitiva” de quem não consegue pensar formas diferentes de tomar as decisões, governando com o cidadãos e não apenas para eles.

Espera-se que, com o OPP, o Estado Português inicie um caminho “sem retorno”, de inovação democrática e reforço da participação cidadã. Entre ir depressa e ir longe, o país vai intendendo que a segunda opção é mais sustentável e eficaz para desenhar o futuro.

 

Autores: Giovanni Allegretti (investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra) e Nelson Dias (diretor da Associação In Loco com sede no Algarve)

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