Há muita Química para aprender nas notas de Euro

Há algo que frequentemente nos passa pelas mãos e, muitas vezes, mais fugazmente do que gostaríamos: as notas de euro. […]

Há algo que frequentemente nos passa pelas mãos e, muitas vezes, mais fugazmente do que gostaríamos: as notas de euro. Mas estas notas, além do seu valor pecuniário, permitem ganhar conhecimento: há muita química para aprender e ela está nas suas mãos todos os dias.

Falemos primeiro do papel. O papel usado para fazer as notas tem de ser particularmente resistente, já que elas vão ser contadas em máquinas, manuseadas, dobradas, esticadas, arrumadas na carteira, tiradas dos bolsos,… milhares de vezes durante a sua vida útil.

O papel é feito de celulose, um polímero que é um constituinte estrutural das paredes celulares das plantas.

O papel de uso comum – obtido a partir da celulose de diversas árvores – não é suficientemente resistente ao uso. O papel das notas de euro é também 100% celulose, mas na forma de fibras de algodão – as mesmas fibras usadas para fabricar os tecidos de algodão – que conferem às notas de euro não só a resistência, mas também o toque muito característico.

Se o papel é especial, a tinta não o é menos! A química das tintas de impressão das notas é muito exigente: além de serem altamente estáveis – ninguém quer ficar com os dedos sujos de tinta depois de pegar numa nota – têm também características que permitam a impressão de elementos de segurança nas notas: a impressão microscópica, a impressão em relevo e a impressão bicolor, que faz com que a cor mude com o ângulo de visão.

Um dos elementos de segurança das notas de euro em que a química é…brilhante, é o efeito de fotoluminescência: sob luz ultravioleta, certos detalhes impressos ganham cor e brilham com luz vermelha, verde e azul.

A fotoluminescência é um fenómeno bem conhecido da química: algumas substâncias têm a capacidade de absorver radiação luminosa e emiti-la de volta. Os ponteiros de relógio que brilham no escuro são um exemplo de fotoluminescência de longa duração. E quem gosta de séries policiais, certamente já viu os investigadores detetarem manchas de sangue usando um composto luminescente chamado luminol.

Pois este efeito nas notas de euro é devido a um elemento químico chamado…európio!

O európio é um metal cujos iões absorvem luz ultravioleta e a emitem na zona do vermelho, verde ou azul, conforme os átomos a que estão ligados.

Temos de concordar que é um elemento químico muito apropriado para usar nas notas de euro!

 

Európio, um lantanídeo

A ciência há muito que é utilizada para cuidar da riqueza de uma nação. Provavelmente, o mais famoso cientista que teve a seu cargo esse papel foi Isaac Newton que, em 1690, foi nomeado Governador da Casa da Moeda de Inglaterra.

Newton teve como missão uniformizar e padronizar toda a moeda utilizada no reino de Sua Majestade, tendo sido inclemente para com os falsificadores.

Atualmente, as moedas são consideradas pouco valiosas para serem falsificadas. No entanto, hoje, como há 300 anos, a ciência é fundamental para garantir a qualidade e a segurança do dinheiro das nações de todo o mundo, incluindo as notas de euro.

Não é necessário ser cientista para perceber se uma nota é falsa. Sentir o toque do papel e a impressão em relevo, observar as marcas de água e inclinar uma nota para identificar os elementos que aparecem e mudam de cor, são técnicas muito úteis nesta ciência.

No entanto, um dos principais elementos de segurança do nosso dinheiro – o európio – apenas se identifica na presença de radiação ultravioleta.

O európio é um elemento natural pertencente à família dos lantanídeos (também designados por “terras-raras”) da tabela periódica.

Os lantanídeos caracterizam-se por apresentarem uma estrutura eletrónica que lhes confere propriedades únicas para aplicações muito diversas. A maior parte das aplicações dos lantanídeos baseia-se no facto destes elementos apresentarem propriedades luminescentes – são eles os responsáveis pelas cores primárias que vemos na televisão e nos ecrãs dos computadores.

A luminescência pode ser definida como sendo a emissão de luz a baixas temperaturas, por oposição à incandescência que corresponde à emissão de luz a altas temperaturas.

Quando a emissão de luz resulta da absorção de radiação, como acontece com o európio, este fenómeno adquire o nome de fotoluminescência.

No entanto, na origem da luminescência podem também estar outros fatores, como por exemplo a eletricidade (eletroluminescência) ou reações químicas (quimioluminescência).

Por exemplo, da reação de oxidação do luminol resulta a emissão de luz, sendo que alguns compostos presentes na hemoglobina do sangue aceleram esta reação e, por isso, este composto é muito utilizado para revelar vestígios de sangue.

Um outro exemplo muito conhecido de luminescência é a bioluminescência, a qual resulta de reações químicas que ocorrem em determinados organismos vivos, como acontece com os pirilampos.

Regressando à fluorescência das notas de euro, o európio, quando sujeito à radiação ultravioleta, absorve energia que provoca um salto temporário dos seus eletrões para um estado de maior energia (eletrões “desarrumados” ou estado excitado) e, quando os eletrões regressam ao seu estado normal, libertam energia sob a forma de radiação visível.

Por isso vemos as cores vermelhas, verde e azul quando as notas de euro são sujeitas a lâmpadas ultravioletas.

No entanto, o európio não garante sozinho a segurança máxima das notas de euro. Outros lantanídeos, também com ligação à Europa, estão presentes nas notas de euro: o térbio, que emite essencialmente a cor verde e cujo nome é em homenagem à vila sueca Ytterby, onde foram encontrados os primeiros minerais que continham este elemento; e o túlio, que emite na zona do azul e cujo nome deriva de Thule, uma ilha da antiguidade que se situava na Europa.

 

Notas de plástico

Existem já países, como o Canadá ou a Austrália, que utilizam dinheiro em plástico. Não, não estamos a falar dos cartões de crédito, mas sim de notas em plástico, que pretendem substituir o velhinho papel.

Assim, em vez de utilizar a celulose – um polímero de origem natural – estas notas são feitas de polipropileno biorientado, um polímero sintético que é obtido de derivados do petróleo.

Uma das grandes vantagens das notas de plástico é o facto de estas durarem entre duas a quatro vezes mais que uma nota normal, devido à excelente resistência do polipropileno, que torna as notas menos sujeitas ao desgaste do mão-em-mão, mais difíceis de rasgar e mais limpas.

Estas notas são também totalmente impermeáveis – o que é uma excelente notícia para todos os distraídos que gostam de “lavar” dinheiro juntamente com a roupa.

Em termos de segurança, as notas de polipropileno apresentam alguns elementos que podem dificultar a falsificação, como por exemplo janelas transparentes.

No entanto, não há bela sem senão: a produção destas notas custa o dobro das notas normais.

Além do mais, as notas de plástico são mais difíceis de dobrar e mais escorregadias, o que pode fazer com que fiquem ainda menos tempo nos nossos bolsos!

 

Autor: Paulo Ribeiro-Claro (projeto “A Química das Coisas”/Universidade de Aveiro)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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