Festival Terras sem Sombra teve melhor edição de sempre, mas está em risco

O Festival Terras sem Sombra teve melhor edição de sempre, mas está em risco de não se realizar em 2017. […]

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Concerto final do Festival Terras sem Sombra na Catedral de Beja – foto: FTSS – Alfredo Rocha

O Festival Terras sem Sombra teve melhor edição de sempre, mas está em risco de não se realizar em 2017. Isto, apesar da qualidade da sua programação, que já lhe valeu prémios internacionais, e dos importantes contributos que tem dado quer para a defesa do património na Diocese de Beja, quer da biodiversidade do Baixo Alentejo.

O Festival termina amanhã, sábado, 2 de Julho, com a entrega, em Sines, do Prémio Internacional Terras sem Sombra. Numa cerimónia sob a presidência do Ministro da Cultura Luís Filipe de Castro Mendes, serão agraciados Michael Haefliger, diretor do Festival de Lucerna, o arqueólogo sírio Khaled al-Asaad e a Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal.

No fim de semana último concerto da edição deste ano, na Sé de Beja, o Sul Informação entrevistou o museólogo José António Falcão, diretor-geral do Festival Terras sem Sombra, que foi, até há pouco tempo, o diretor do Departamento Histórico e Artístico da Diocese de Beja, e é uma das grandes almas do festival.

Sul Informação: Qual o balanço que faz de mais uma edição do Festival Terras sem Sombra?

José António Falcão: O Festival deu um salto de crescimento este ano e a três níveis: do ponto de vista da programação artística, com uma programação mais qualificada e diversificada e a olhar para novos públicos. Cresceu no número de espectadores, estamos com mais 11 ou 12% que no ano passado, e estamos com uma particularidade – temos cada vez mais espectadores estrangeiros, mas não perdemos o público regional. O público regional é de 60%, está lá, é o nosso público.
O que temos conseguido é alcançar mais público estrangeiro. Temos muitos espectadores que vêm de propósito, aproveitando o festival e ação de biodiversidade para estarem dois ou três dias no Alentejo, o que é muito interessante porque permite que eles vão conhecer outras igrejas, outros museus.

SI – Mas o Festival tem também prestado serviços à Biodiversidade do Alentejo. Em que aspetos?

JAF – No campo da biodiversidade, este ano o Festival já prestou serviço. O festival detetou dois problemas ambientais graves. Por exemplo, o Festival detetou a questão e conseguiu que a Câmara de Ferreira do Alentejo encare a necessidade de fazer uma reserva municipal, porque este concelho não tem um único sítio da Rede Natura e é um concelho muito fustigado pela agro-indústria.
A Câmara foi muito sensível ao nosso apelo de, já que o Estado não criou, ser ela a criar uma reserva municipal, para, ao menos, haver ali um reservatório de biodiversidade. Em princípio vai ficar em torno da barragem de Odivelas.
Em Sines, foi detetado um derrame na praia, gravíssimo. Até pensávamos que tinha sido uma suinicultura que teria ido deixar lá aquilo durante a noite, mas afinal era um derrame provocado por uma ETAR. Não tinha sido substituída uma peça já há vários anos, a peça custou 8 mil euros e finalmente substituiu-se. Era uma praia urbana que estava a ser contaminada.
Em Odemira, detetou-se uma outra situação, que nós já conhecíamos, mas que assim detetámos quase com os infratores lá: a proliferação de trilhos nas dunas. Havia sítios onde havia 10 trilhos lado a lado. Ou seja, os charcos temporários não têm hipótese, os trilhos passam-lhes por dentro. O problema este ano está gravíssimo, triplicou.

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Ação pela Biodiversidade nas ribeiras de Terges e Cobres – foto: Elisabete Rodrigues|Sul Informação

SI – Ou seja, o programa de Biodiversidade do Festival não é apenas um rol de boas intenções…

JAF – Foi muito importante o nosso programa de Biodiversidade não ser só uma coisa de boas intenções, mas ter conseguido arregaçar as mangas e convencer os autarcas e outros decisores que era preciso resolver aqueles problemas.

SI – E o Festival consegue ter também um efeito positivo no Património?

JAF – O Festival consegue sempre, de alguma maneira, influenciar – ou uma igreja que é caiada, outra que não tem iluminação em condições e faz-se a obra, outros casos em que as igrejas estavam rodeadas de vegetação e conseguiu-se limpar. Uma coisa é uma paróquia que tem 10 igrejas conseguir tratar delas. Outra coisa é que, quando se faz o Festival, todos nós vamos ajudar a pressionar. As próprias Câmaras estão mais vocacionadas para o património.

SI – Este foi também o ano em que se fez ópera, pela primeira vez no Baixo Alentejo…

JAF – É a grande vitória deste ano. É que se fez ópera pela primeira vez no Baixo Alentejo. E uma ópera que foi produzida localmente. Nunca se tinha feito ópera a sério, encenada, com três atos, com quase duzentas figuras em palco. Era impossível fazer-se numa igreja, por isso recorremos ao Teatro Municipal de Serpa e a comunidade de Serpa participou. Foi extraordinário!
Foram as senhoras voluntárias que, na oficina do traje de Serpa, fizeram os fatos, enquanto a oficina de teatro de Serpa, que funciona na Escola Secundária, fez a parte de dramaturgia, ou seja, tudo o que se pôde fazer em Serpa, fez-se. As pessoas de Serpa deram-nos quase 30 mil euros em cortiça. Que agora evidentemente não se destrói, se a ópera for reposta já está feito. E as pessoas colaboraram em tudo: era preciso fazer transporte, as pessoas ajudavam, era preciso fazer turnos para dar de comer, faziam turnos, toda a gente se organizou. Isto foi uma grande vitória da comunidade.
Naturalmente que os artistas, o coro, os músicos, vieram de fora, porque em Serpa não havia esses efetivos artísticos, mas tudo o resto foi de lá.

José António Falcão, diretor-geral do Festival Terras sem Sombra - foto: Elisabete Rodrigues|Sul Informação
José António Falcão, diretor-geral do Festival Terras sem Sombra – foto: Elisabete Rodrigues|Sul Informação

SI – E em 2017, o Festival será alargado para lá dos limites da Diocese de Beja, como nos tinha anunciado no início do ano?

JAF – Neste momento, o problema do Festival é conseguir sobreviver. Porque surgiram aqui algumas dificuldades por parte da entidade promotora, que é o Departamento do Património da Diocese de Beja, na medida em que a Diocese declinou a colaboração com o Estado, e portanto nós ficámos sem suporte.

SI – Porque é que isso aconteceu?

JAF – É uma pergunta que terá de ser feita a quem de direito. O que é certo é que era uma colaboração muito antiga que existia, que permitia todo um conjunto de iniciativas, nomeadamente o destacamento de funcionários, e neste momento essa colaboração deixou de existir. Nesse sentido, o Festival ficou também ele suspenso, não tem entidade capacitada para organizá-lo.

SI – Não se sabe o que vai acontecer no próximo ano?

JAF – Nós temos a esperança de que o problema se resolva e estamos já a preparar a edição do próximo ano. Mas, na prática, temos aqui um vazio institucional que tem que ser colmatado em breve. Os artistas contratam-se em Junho e Julho. Não podemos contratar artistas bons em Janeiro, porque eles não vêm, já têm as suas agendas.
O nosso diretor artístico fez o seu trabalho, preparou tudo. Mas é preciso clarificar isto: o Departamento de Património tem condições para continuar ou não? É a dúvida que existe.

SI – Qual a questão na base desta situação atual?

JAF – Em 1999, foi assinado um protocolo pioneiro entre o Ministério da Cultura e a Diocese de Beja. Esse protocolo permitiu apoio financeiro, que não tem existido nos últimos anos, porque a Cultura se debate com muitas dificuldades, mas que foi muito importante em anos anteriores.
Esse protocolo permitiu ter o apoio técnico para os restauros do Instituto José de Figueiredo e ter o destacamento de um técnico. Esse técnico sou eu. A partir do momento em que esse técnico não está destacado… existe a equipa de voluntários, mas para o expediente que existe neste momento é muito difícil. Isto cresceu, e muito!
O que nos preocupa sobretudo é a conservação e o restauro dos monumentos. Aí, claramente, está a haver um vazio, que temos de resolver de alguma maneira. O Festival é organizado por este Departamento, se o Departamento, ele próprio, está em risco de ficar paralisado, naturalmente o Festival pode correr esse risco também.
Mas nós estamos com uma perspetiva positiva, as pessoas reagiram, estão a acompanhar com interesse o assunto. Aguardamos que haja um desfecho positivo.

Catedral de Beja
Último concerto do FTSS em 2016, na Catedral de Beja – foto: Elisabete Rodrigues|Sul Informação

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