No Museu do Traje, a história de São Brás de Alportel também se conta com grafiti

Há muitas peças inéditas, entre as quais equipamento usado por soldados portugueses na I Guerra Mundial, e também há novas […]

Museu do Traje SBA_Expo Engrenagens do Tempo_1Há muitas peças inéditas, entre as quais equipamento usado por soldados portugueses na I Guerra Mundial, e também há novas salas para ver e novas maneiras de contar a história de São Brás de Alportel, que incluem a representação em grafiti e instalações de alunos do curso de Artes Visuais da Universidade do Algarve.

O Museu do Traje está a mostrar, desde a passada semana, a exposição de longa duração (2 anos) «Engrenagens do Tempo – Visão social de 30 anos da história de São Brás de Alportel: 1900-1930», que dá a conhecer a realidade social e política que enquadrou o nascimento deste concelho, há 102 anos.

Para contar a história local, o Museu do Traje teve de a cruzar com a história nacional e com também com a conjuntura internacional desta época. «Começamos nos anos calmos da monarquia e passamos pela revolução republicana. Em 1914 temos a elevação a concelho e logo aí começa a I Guerra Mundial, onde Portugal entrará um pouco mais tarde. E, depois, temos a grande explosão dos anos 20 a 30, do pós-guerra, que é período que acaba numa ditadura», explicou ao Sul Informação o diretor do museu são-brasense Emanuel Sancho.

São Brás de Alportel, terra eminentemente republicana, também deu o seu contributo para o esforço de guerra português. «Daqui saíram cerca de uma centena de militares, que foram combater para França, alguns dos quais acabaram por morrer lá», acrescentou.

Os que voltaram, trouxeram consigo o mais diverso tipo de material, parte do qual pode agora ser visto nesta exposição. No corredor dedicado a este período da história, além de fardas completas usadas por militares são-brasenses que integraram o Corpo Expedicionário Português, há armamento e material médico, entre outras relíquias do passado.

Museu do Traje SBA_Expo Engrenagens do Tempo_9

Esta é apenas uma das novas áreas criadas, para esta exposição que passa a fazer parte da experiência de visitação do Museu do Traje. Quem visitar o espaço museológico da vila de São Brás de Alportel e se dirigir a esta nova área não terá dificuldade em perceber que está numa ala renovada, já que, na primeira sala, dá logo de caras com as paredes pintadas por dois grafiters, os artistas de rua algarvios Sen e Bean.

«Esta exposição tem uma cronologia pacífica, quase normal. O que aconteceu de interessante de interessante, ao montar esta exposição, foi que nos cruzámos, a dada altura, com cerca de 12 artistas plásticos contemporâneos: pessoal do grafiti e alunos do curso de artes da UAlg», contou Emanuel Sancho.

As intervenções destes criadores introduziram uma componente «agitadora, preocupante e levantaram uma série de “problemas”» numa narrativa que era «calma, cronológica e consensual». «É, em parte, deste confronto que a exposição vive», resume o diretor do Museu do Traje.

Esta relação pouco usual entre a vertente museológica e a arte de rua e, no caso de um museu dedicado à história, com artistas contemporâneos, é pouco usual. Mas o Museu do Traje não teve “medo” de introduzir outras formas de apresentação da sua mensagem.

«Nós sempre estivemos envolvidos num movimento, digamos, marginal, da grande museologia, a chamada, sóciomuseologia. Esta corrente defende o primado das pessoas, antes da valorização dos objetos. Temos uma peça, mas interessa-nos mais quem o fez ou quem o usou do que a tipologia ou a evolução do objeto», enquadrou.

Tendo presente esta filosofia, Emanuel Sancho admitiu que a equipa do museu se tem sentido, ao longo das últimas exposições, «de certa forma incomodados pela narrativa consensual que transmitimos». «Gostaríamos inquietar o visitante, de surpreendê-lo. Queremos que chegue a algumas salas e se interrogue: o que é que se passa aqui? Não estar apenas a ler um “conto”, mas que se agite e interrogue», disse.

O cruzamento com as artes contemporâneas foi visto como «uma boa oportunidade» para atingir este objetivo. «Este era um encontro já desejado há algum tempo, que eu penso que iremos aprofundar ao longo dos tempos», acredita Emanuel Sancho.

Museu do Traje SBA_Expo Engrenagens do Tempo_3

E, quem visita a nova exposição do Museu do Traje, sente este desafio. A viagem ao passado sugerida pelo espaço museológico de São Brás de Alportel tem o dom de surpreender, em diversas ocasiões, não só pela introdução da arte contemporânea, mas também pela possibilidade de interagir com alguns dos objetos em mostra.

«Engrenagens do Tempo – Visão social de 30 anos da história de São Brás de Alportel: 1900-1930» foi pensada para o centenário da elevação de São Brás de Alportel a concelho, que começou a ser celebrado em 2014, mas acabou por só ser inaugurada cerca de dois anos depois. Algo que teve a ver, desde logo, com a dimensão da equipa do museu, que esteve intimamente envolvida na organização das comemorações da efeméride, mas também com o processo de criação escolhido.

«Nós temos uma equipa muito pequena e não conseguimos montar uma exposição de uma semana para a outra. Esta mostra, na verdade, levou cerca de um ano a construir, o que nos levou a refletir sobre se que o que interessa mais é o processo de criação ou a exposição em si. Será que temos o direito de apresentar algo completamente construído? O visitante não apreciaria participar no processo e dar a sua opinião?», questionou o diretor do Museu do Traje de São Brás.

A opção, neste caso, foi a de envolver os visitantes e a população no processo, ainda que «quase involuntariamente». «Ao longo deste ano de construção, sala a sala – nós íamos abrindo, quase a cada mês, uma nova sala-, começámos a ter a população local a visitar o museu para se inteirar da evolução. E como a exposição integra muita fotografia de famílias locais, a evolução da terra e edifícios que já desapareceram, isto foi emocionante e envolvente para as pessoas».

Ou seja, o espaço museológico são-brasense «ganhou uma série de colaboradores novos». Estas pessoas acabaram por trazer, elas próprias, material, como «fotografias raras ou até completamente desconhecidas» e por dar uma ajuda, como um militar que ajudou a idealizar a sala dedicada à I Guerra Mundial.

Comentários

pub