Santo Estêvão tem três cafés, uma igreja e vinte habitantes, mas programação cultural não falta

JP Simões, Manuel João Vieira, Virgem Suta, Tulipa Ruiz, B Fachada, Bunnyranch. Todos estes artistas, ou bandas, têm algo em […]

Santo EstêvãoJP Simões, Manuel João Vieira, Virgem Suta, Tulipa Ruiz, B Fachada, Bunnyranch. Todos estes artistas, ou bandas, têm algo em comum: já deram concertos na Casa do Povo de Santo Estêvão, no concelho de Tavira. Este sábado, mais um nome se junta a esta lista: Dani Black, uma das vozes emergentes da música brasileira.

Para quem não conhece a aldeia, esta pode ser uma informação trivial. Mas, se lhe dissermos que Santo Estêvão tem cerca de 20 habitantes, no seu núcleo urbano, o caso muda de figura.

Dani Black, por exemplo, está em Portugal para uma tournée de seis concertos. Vai tocar na Casa da Música, no Porto, ou no Teatro S. Luiz, em Lisboa, e vem ao Algarve para tocar num café-concerto com capacidade para cerca de 200 pessoas, numa aldeia sem habitantes suficientes para encher a sala. No entanto, deve estar cheia.

José Barradas
José Barradas

Um passeio pela aldeia, durante o dia, não permite imaginar a vida que aquelas ruas ganham com a presença de 200 pessoas. «Santo Estêvão tem três cafés, uma igreja, dois supermercados e residem aqui 15 ou 20 pessoas, no núcleo urbano», explica José Barradas, presidente da direção da Casa do Povo de Santo Estêvão e um dos responsáveis pela programação cultural daquele espaço.

A inspiração que permitiu fazer da Casa do Povo de Santo Estêvão uma referência na cultura no Sotavento algarvio não veio de um lugar semelhante a este, mas sim de Barcelona.

«A Comunidade da Catalunha equipa espaços como este por toda região e põe a sua gestão a concurso, para que, quem concorra, possa promover o desenvolvimento da comunidade. Ao fim de um ano, é avaliado o trabalho e renova-se o contrato, ou não. Aqui importámos um pouco a ideia e tentámos aplicá-la neste território», revelou José Barradas ao Sul Informação.

Antes dos concertos, há cerca de 20 anos, havia uma casa bolorenta, que um grupo de pessoas transformou e fez dela o que é agora. «A Casa do Povo tem mais de 70 anos e, durante vários períodos da história, as pessoas que por aqui passaram sempre tiveram vontade de fazer mais e melhor. Há cerca de 20 anos, pegámos num edifício cheio de bolor, velho, abandonado e fechado e começámos a trabalhar com o sentido de lhe dar vida. “O caminho faz-se caminhando”, já dizia o poeta, e agora as coisas são muito diferentes», lembra o presidente da direção da CPSE.

Se, em 2016, a cultura é uma das facetas mais evidentes da atividade da CPSE, o desporto – ainda presente – assumiu maior protagonismo há anos. «Quando começámos, tivemos equipas de BTT no Campeonato Nacional, tivemos equipas de futsal que foram campeãs regionais e também estiveram nos nacionais e até tivemos motocross. Fizemos campeonatos nacionais de motocross numa área aqui perto [da CPSE], que já tem loteamento e, esperamos, avançará para construção. Com esta dinâmica, fomos ganhando algum crédito e alguma audácia para tentar arranjar financiamento para reestruturar o espaço, e é aí que começa o investimento na cultura, porque o desenvolvimento cultural só se faz com investimento na infraestrutura e nos públicos».

Café-concerto na CPSE
Café-concerto na CPSE

E… «em 2007, nasceu a obra. O edifício foi equipado com som e iluminação, com um espaço para leitura, espaço para o desporto, espaço internet, gabinetes para vários núcleos… fruto desse trabalho, quase dez anos depois, e depois de muita carolice e de uma direção que trabalha de forma muito coesa, através da cidadania, estamos muito satisfeitos com os resultados. Já passaram por aqui nomes muito importantes do panorama musical português» (e não só), congratula-se José Barradas.

Nomes importantes habituados a tocar em grandes cidades, em grandes palcos, vêm a Santo Estêvão uma e outra vez, como é o caso dos repetentes JP Simões, Virgem Suta, ou Manuel João Vieira. Porquê? José Barradas responde: «pelos anos que já temos a fazer o que fazemos, já somos conhecidos e, quando os artistas pretendem apresentar um espetáculo no Algarve, contactam-nos. Falam com outros artistas, que já passaram por aqui, e sabem que há um espaço com estas características, com equipa técnica, que faz bem comunicação, e que faz as coisas de forma profissional».

Estes nomes que passam pela Casa do Povo de Santo Estêvão não são escolhidos ao acaso pela direção. «Há critérios, uma vez que nestas aldeias já existe, por exemplo, o preenchimento dos bailaricos populares. Procuramos algo que seja diferenciador, que ajude ao desenvolvimento cultural da comunidade e que tenha capacidade de atrair públicos urbanos».

No entanto, não é só a nível cultural que os concertos na Casa do Povo de Santo Estêvão ajudam a comunidade, uma vez que também a economia sai beneficiada, como explica José Barradas: «quando há um concerto que atrai pessoas de vários sítios, elas vêm mais cedo, jantam no restaurante da aldeia, fazem as compras aqui e deixam dinheiro em Santo Estêvão».

Os habitantes da aldeia agradecem, mas nem sempre assistem aos concertos. «Se for, por exemplo, para o encontro de charolas, fado ou acordeonistas, a comunidade mais idosa da freguesia vem, até porque há uma relação grande com a Casa do Povo – faz parte da memória das pessoas e tem um papel importantíssimo, era aqui que havia o rancho folclórico, o médico… – no entanto, com projetos mais contemporâneos não vêm tanto, não conhecem».

Já os estrangeiros que residem na freguesia de Santo Estêvão «participam ativamente. Alguns deles até são nossos patrocinadores».

Estes patrocínios dão muito jeito até porque a gestão da Casa do Povo não é simples. «Há meses difíceis, que custam um bocadinho, mas a maior remuneração é termos a casa cheia, com as pessoas satisfeitas e ainda sentirmos que contribuímos para o desenvolvimento da comunidade. Tudo o que fazemos tem um objetivo: dar a conhecer Santo Estêvão, para que um dia, mais tarde, as pessoas aqui regressem», conclui José Barradas.

Regressando, ou não, os concertos na Casa do Povo de Santo Estêvão contam muitas vezes com casa cheia. Esta noite, o êxito promete repetir-se.

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