O insuperável valor da “atençãozinha”

Hoje comprei uma mais do que saborosa anchova depois de a peixeira da praça de Olhão ter decidido fazer “uma […]

conceição-branco1Hoje comprei uma mais do que saborosa anchova depois de a peixeira da praça de Olhão ter decidido fazer “uma atençãozinha”, que na verdade foram duas: baixar o preço e aceitar cortar um peixe graúdo numa dose aceitável para uma família monoparental. O mesmo aconteceu ao enorme molho de agrião, rapidamente esquartejado em dois, “que não vale a pena levar todo, se diz que se vai estragar”.

Com os suculentos tomates rosa, veio a oferta da salsa, e em vez das tângeras tradicionais, trouxe uma variedade “americana” que, pela primeira vez, dava frutos no pomar do João. “Leve para provar a ver se gosta, paga só 1 quilo e dou-lhe o outro meio, que é uma boa cliente”.

Todos os sábados, à praça de Olhão é acrescentado um mercado mais ou menos informal de pequenos produtores locais que, tendo como pano de fundo a Ria Formosa, montam ali as suas bancas provisórias.

Este fim-de-semana, a grande novidade era a mini banca de um pastor de Quelfes, aldeia dos arredores de Olhão, que usava frascos de vidro de iogurtes e sumos reciclados, cheios de tomilho selvagem, alecrim, rosmaninho, chá príncipe e hortelã da ribeira, cheiros espontâneos dos campos onde vai com o rebanho, rematados com uma tampa de papel pardo, atada com um barbante.

Pendurados nas varetas do chapéu-de-sol que hoje abrigou do aguaceiro, estavam as amostras que os clientes podiam cheirar. “Custa só um euro e ficam a cheirar tão bem como as minhas cabras”, apregoava ele. Um argumento irrecusável que abria os cordões às bolsas e deixava sorrisos nas caras.

Mercado de Olhão aos sábadosCom o passar dos anos e o aumento da crise, o mercado informal foi atraindo cada vez mais gentes, tanto pelos preços mais convidativos, como pela “atençãozinha” que acompanha a maioria das compras.

Porém, a maior diferença que se verificou neste mercado semanal vem do tipo de clientes, a que os vendedores rapidamente se adaptaram. Não foi preciso muito para perceberem que “a couve furada” atraía compradores que preferem legumes “da terra” e não da estufa e, de preferência, exibindo a prova irrefutável de não terem pesticidas, devido aos vestígios das lagartas nas folhas.

E daí foi um passo para os produtos trendy, como a salsa japonesa, mais doce e picante ou, quando chega a época, ao lado dos chuchus estão os gilós, os maxixes e os quiabos, herança afro-brasileira que se desenvolve bem no ameno clima algarvio.

Goiabas, mangas, bananas, pitangas, maracujás, abacates, tudo sem tamanho normalizado e por vezes com os tais furinhos ecológicos, convivem alegremente com as laranjas, as romãs os marmelos ou os morangos algarvios.

Para ajudar os pais ou os avós a comercializar estes sabores para eles estranhos, em muitas bancas, ao pé das mãos calejadas dos mais velhos, estão os filhos ou os netos, que se esforçam por arrumar as bancas de uma forma mais atrativa e sabem inglês (mesmo que seja de praia) para explicar a visitantes estrangeiros a vantagem dos seus produtos.

Este é, afinal, o verdadeiro empreendedorismo. Sem subsídios nem apoios, pessoas que sempre lutaram para arrancar à terra o seu sustento são capazes, mesmo que seja no fim da sua vida ativa, de criar mais valor, de arriscar colheitas até aí desconhecidas, de estarem atentos ao verdadeiro mercado, o da vida real.

Comentários

pub