Criatividade e partilha fizeram parte do menu da Makers Meal

Maria de Jesus declina ser a contadora de histórias do grupo, baixando o olhar num gesto de timidez. Mas, depois […]

Makers Meal Residência Artistica Loulé Criativo_20Maria de Jesus declina ser a contadora de histórias do grupo, baixando o olhar num gesto de timidez.

Mas, depois de um dedo de conversa de roda de um tacho, facilmente se percebe que é, não só, naturalmente dotada para contar histórias, como também é uma autêntica guardiã de conhecimento acumulado ao longo de gerações sobre as tradições do Algarve.

No fundo, é isso que são todos os que participaram na residência artística Makers Meal: contadores de histórias, através das suas criações, e guardiães de conhecimento que, em alguns casos, corre um sério risco de se perder para sempre.

Nuno Sacramento (coordenador/facilitador), Sofia Oliveira (cerâmica), Beth Bidwell (cerâmica), Gavin Smith (madeira), que pertencem à Scottish Sculpture Workshop (SSW), entidade que dinamizou a residência, e os algarvios Marco Cristovam (ferreiro), Francisco Dias (metal-tachos), Analide Carmo (metal-tachos), Domingos Vaz (cestaria), Fernando Henriques (madeira – mesas), Maria de Jesus Dias (curadoria gastronómica), Graça Palma (organização – Proactivetur) e Tiago Ferreira (vídeo e fotografia) estiveram juntos, durante 12 dias, na casa do Castelo, junto ao Museu Municipal de Loulé, numa experiência colaborativa, conhecida no Algarve por ajudada.

Makers Meal Residência Artistica Loulé Criativo_14Também estiveram ligados ao projeto Andreia Pintassilgo e João Ministro, da Proactivetur, parceiro local da SSW, e Dália Paulo, da Câmara de Loulé, já que este foi mais um evento realizado no âmbito do programa Loulé Criativo.

Ao longo de quase duas semanas, criadores, criativos e facilitadores trabalharam em parceria para criar, de raiz, todos os elementos do evento final, um jantar de convívio e partilha, que aconteceu na passada quinta-feira. E, quando se fala em fazer tudo de raiz, é mesmo tudo, desde a mesa e bancos, até aos pratos e talheres, passando pelas panelas e por todos os outros utensílios necessários.

O resultado foi surpreendente, já que dali saíram peças originais e com uma identidade muito própria, autênticas obras de arte, com muitos “pais e mães”, como o repórter do Sul Informação registou, em fotografia, no último dia de residência artística.

Pouco antes do jantar final, também ele confecionado de raiz e resultado de uma ajudada, a satisfação era evidente. Afinal, havia chegado, finalmente, o momento em que os 12 participantes puderam apreciar o resultado final do seu labor, reunido a uma mesa. Também a cumplicidade entre os elementos da residência saltava à vista.

Makers Meal Residência Artistica Loulé Criativo_25Domingos Vaz, artesão natural de Castro Marim e residente em Faro que trabalha a cana, garante que saiu mais rico desta experiência. «É para repetir dez vezes, por mim era já amanhã», garantiu, em declarações ao Sul informação.

«Esta troca de conhecimentos entre pessoas de diversas áreas e com uma profunda experiência de vida permite-nos descobrir coisas novas e, às vezes, complementar os conhecimentos uns dos outros», disse.

Isso ficou bem patente no resultado final da residência, no âmbito da qual foram formadas diversas equipas, que criaram os diferentes elementos da mesa, em parceria. Este é o espírito por detrás da Makers Meal, um modelo originalmente lançado pela SSW na Escócia e que se está agora a expandir para outros países. Depois de Loulé, a experiência será replicada numa favela do Rio de Janeiro, dentro de duas semanas.

A possibilidade da SSW fazer esta residência artística em Loulé nasceu após uma visita de um grupo da Câmara de Loulé à Escócia, em 2014. «Foram passar alguns dias ao SSW, um espaço que é dedicado a residências artística, já com 40 anos, do qual sou diretor desde 2010», explicou Nuno Sacramento.

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Nuno Sacramento, Sofia Oliveira e Beth Bidwell

«No ano passado, recebemos no SSW cerca de 185 artistas, que vieram de diferentes partes do mundo», enquadrou.  «A mesa emerge de uma tentativa, em 2012, de trazer alguns dos artesão que estão a trabalhar ali à volta do SSW e alguns dos artistas que acolhemos, para que criassem, em conjunto, uma refeição», explicou.

Na residência de Loulé, na qual se assume como «facilitador», recusando a figura de coordenador, procurou-se lançar o mesmo desafio, ou «provocação», aos participantes, embora adaptada à realidade local. «A mesa é uma forma de olhar para o território, o território está aqui nesta mesa. E é, também, uma forma de organização, porque é feita coletivamente», disse Nuno Sacramento.

«Uma das coisas que pretendemos é perceber quais são os resultados de colocar as pessoas a trabalhar em conjunto. Não só os positivos, mas também os problemas e as fraturas que surgem», explicou. «E o que se passou aqui, a partir do meio do projeto, é que as pessoas percebem que há coisas que é preciso fazer e começam a fazê-las, ajudando-se uns aos outros», contou.

Esta não é a única residência artística que Nuno Sacramento, que tem uma casa em Salir, pretende fazer no concelho de Loulé. Na sua mente estão já outras ideias, nomeadamente a «casa ajudada e a escola ajudada», onde quer colocar elementos das comunidades locais a trabalhar em conjunto, perseguindo um objetivo comum.

 

Entreajuda foi lema na Makers Meal de Loulé

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Analide Carmo, Domingos Vaz e Jesus Dias

A perceção de Domingos Vaz, de que esta foi uma experiência enriquecedora, é partilhada pelos outros participantes algarvios que se encontravam a preparar a refeição na cozinha da Casa do Castelo. É o caso de Fernando Henriques, cujas técnicas e usos inspiraram as mesas e bancos que foram criadas, um carpinteiro de formação que é hoje um artista que trabalha madeira que os outros não aproveitam.

«A minha profissão é carpinteiro mas, devido à crise, comecei a trabalhar com raízes de Oliveira e com materiais que encontro no campo», conta o artesão de Alte. Neste caso, o artesão carpinteiro teve ajuda na execução da mesa, não só ao nível de mãos dispostas a ajudar, mas também na sua concepção. Os bancos, por exemplo, beneficiaram dos conhecimentos de trabalho com cana de Domingos Vaz.

A entreajuda esteve sempre presente. O melhor exemplo é o de Francisco Dias, que teve a difícil tarefa de criar as panelas, uma arte tradicional que está  desaparecer rapidamente. Isso obrigou o artesão  de Querença a procurar «um amigo», Analide Carmo, para o ajudar.

«Fazer uma panela obriga a dar muitas marteladas e o metal tem de ser recozido de quando em quando, para poder esticar de novo. Se continuamos a bater, acaba por partir», revelou.

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Francisco Dias

Todos os obstáculos acabaram por ser ultrapassados e tudo ficou pronto a tempo de a mestre Jesus Dias dar largas às suas duas paixões: cozinhar e contar histórias.

«Vou daqui muito mais rica em sabedoria, conhecimentos e amizades. Foram uns dias maravilhosos. Foi mesmo uma ajudada, que é uma forma de partilhar e de nos ajudarmos uns aos outros», resumiu a curadora gastronómica do grupo, que dinamizou durante anos o restaurante Moinho Ti Casinha, em Querença.

Com que a reforçar as palavras de Maria de Jesus, o seu marido Francisco Dias tomou, naturalmente, o lugar da cozinheira temporariamente distraída, ajudando a mexer as papas de milho que já ferviam no fogão. «Tem sido sempre assim, todos nos ajudamos uns aos outros. Nem sequer é preciso pedir, toda a gente se apercebe e faz», ilustrou Maria de Jesus.

Entre uma história e uma lição sobre as tradições gastronómicas do interior do Algarve, o xarém de sardinha depressa ficou no ponto, juntando-se ao jantar de lentilhas que já estava a apurar, há algum tempo. Pouco depois, os 12 participantes do Makers Meal estavam sentados à mesa, a desfrutar de um merecido jantar e a conviver, na companhia de amigos recém criados e dos frutos da sua criatividade e labor.

 

Veja as fotos dos resultados da residência:

A equipa completa da Makers Meal de Loulé:

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Os 12 participantes no Makers Meal

Nuno Sacramento – curador e coordenador do evento (SSW)

Sofia Oliveira – cerâmica (SSW)

Beth Bidwell – Cerâmica (SSW)

Gavin Smith – Madeira (SSW)

Marco Cristovam – Ferreiro (Loulé) (talheres)

Francisco Dias – Metal – Latão (Querença) (tachos)

Analide Carmo- Metal – Latão (Querença) (tachos)

Domingos Vaz – cestaria em cana (Loulé) (cestos para pão, fruta e bases quentes

Jesus Dias – curadoria gastronómica – receitas, histórias do mundo rural e confecção das refeições (Querença)

Fernando Henriques – Madeira (mesa e bancos) (Alte, Loulé)

Graça Palma – organização – Proactivetur

Andreia Pintassilgo – fotografia – Proactivetur

João Ministro – organização – Proactivetur

Tiago Ferreira – Aluno de Mestrado de Design da Universidade do Algarve – participante residente – produção de video e fotografia

Dália Paulo – organização – Câmara Municipal de Loulé

 

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