Turismo de Natureza: esperança ou o início da desilusão?

Em pleno século XXI, ainda há quem considere que nós, algarvios, vivemos limitados a um resort chamado Algarve, virado para […]

Em pleno século XXI, ainda há quem considere que nós, algarvios, vivemos limitados a um resort chamado Algarve, virado para a praia e iluminado pelo sol. Mas, como em quase todo o resort, a vida e a riqueza encontram-se para além das suas portas. E é fora de portas que se faz Turismo de Natureza que não vinga sem cultura, identidade, costumes, velhos saberes e autenticidade.

Nas traseiras do modelo de turismo desenvolvido nos anos 80, fica um Barrocal intacto e em bruto, cheio de tradições e segredos; à sua volta, existem dois Parques Naturais distintos e únicos. Há a Serra e a Costa Vicentina. Há o sobreiral e os matos mediterrânicos. Há os casos singulares das lontras marinhas nos estuários de ribeiras e das cegonhas-brancas a nidificar nas falésias. Há a Via Algarviana e a Rota Vicentina. Há a nossa história, a nossa cultura, as nossas fortalezas, a nossa gastronomia. Há vida para além das gruas!

Escreveu-nos José Fanha que “Cortaram-nos as asas para que fôssemos apenas operários obedientes, estudantes atenciosos, leitores ingénuos de notícias sensacionais, gente pouca, pouca e seca”*. E é assim que permaneceremos se continuarmos amorfos a ignorar e a não valorizar quem somos e de onde vimos. Se esquecermos que, além do que nos tentaram vender, o Algarve é ainda um admirável mundo novo que importa redescobrir e valorizar.

Não é em vão que daqui partiram as naus que navegaram oceanos e descobriram mundos. Que chama restou em nós, descendentes dessas gentes de então?

Otimismo, talvez, mas pareço vislumbrar novos rumos e vontades para a região. No passado dia 17, decorreu nos espaços da RTA uma mesa redonda entre alguns empresários do setor e os representantes máximos do Turismo Algarvio. Procuram-se soluções e estratégias para o Turismo de Natureza, numa fase em que se prepara o novo Plano Estratégico de Turismo para a região.

Ficámos a saber que as publicações sobre Turismo de Natureza são o best-seller dos postos de turismo. Ficámos a saber que há vontades e o vislumbre de uma nova estratégia de turismo. Mais aberta e dialogante. Mais curiosa e inteligente. Parece-me!

Mas ficou também, naquele dia 17, a sombra da falta de visão de empresários com o anúncio de uma “Bienal de Natureza” que irá coincidir em datas e território com o “Festival de Birdwatching de Sagres”, um dos primeiros passos dados na projeção do Turismo de Natureza na região. Uma Bienal de Natureza às portas do Outono, no final da época estival e no auge da migração outonal de aves que justificou um festival temático que tem crescido em números.

Os 800 participantes do Festival de Birdwatching de Sagres não são milhares, mas é com tempo que se solidificam os projetos. É apenas em Sagres, mas é ali que as milhares de rapinas em migração cruzam os céus. É ali que chegam e dali que partem novamente, para o continente que há 600 anos foi explorado sob comando do Homem que em Sagres mandou construir a sua vila.

Uma bienal de Natureza no Algarve deverá acontecer como sua celebração e despertar – em plena Primavera e numa época que se apresenta ainda baixa. É o início da floração que caracteriza todo o território de Norte a Sul, é o início dos avistamentos de cetáceos, é o recomeço da estação onde a natureza está em força.

Competir com o “Festival de Birdwatching de Sagres” e abafá-lo numa bienal levada avante por protagonismo e caça aos fundos é o primeiro passo para acabar com um festival que resultou em sucesso. É não saber descentralizar ideias nem esforços. É avançar mal e repetir os mesmos erros de sempre!

Faz tanto sentido quanto ver uma FIA-Extremadura, uma Observanatura, ou uma SEO BirdFair competirem ou se transformarem, depois de terem fidelizado um público específico, em feiras generalistas. Faz tanto sentido quanto o “Festival da Batata-Doce” ter uma bienal da agricultura a decorrer na mesma data e no concelho próximo. Porque tanto agricultores como empresas de Animação Turística não existem em massa, não se desdobram e não são omnipresentes. Participarão numa ou noutra! Não será para uns nem para outros. Será o início do fim!

E é pelas mãos da Vicentina, a Associação para Desenvolvimento do Sudoeste, que em 2013 deu apoio à realização do Festival de Birdwatching, que se realizará uma Bienal que, por acaso, se chama de natureza. Porque o dinheiro dos PRODER’es fala mais alto. Porque afinal, não interessa manter, interessa caçar fundos e afundá-los.

Aos organizadores desta Bienal, não interessa cooperar e trazer uma mais valia ao território, caso contrário teriam trabalhado a ideia com as associações promotoras do Festival de Sagres: SPEA e Almargem. E tal não aconteceu!

E as mentiras e difamações irão correr como tinta à semelhança do ano passado, que felizmente terminou em bem. Porque é possível enganar alguns durante algum tempo, mas não é possível enganar toda a gente durante o tempo todo.

E será aqui que iremos perceber quem temos atualmente nos comandos deste nosso Algarve que já fala em Turismo de Natureza. Iremos saber que vozes e valores falarão mais alto, nas autarquias e na RTA. Veremos se iremos ter respostas à altura e com visão. A visão de quem constrói, sabendo mediar para aproveitar o que encontrou feito, completando o quadro de desenvolvimento desta área de turismo com ações concertadas.

Que caiam as máscaras, que se desbravem novos mares e que os ventos soprem do lado certo. A bem de um produto bem estruturado para o Turismo de Natureza.

Porque este, além de ser um produto próprio, também pode complementar o tal espaço da região convertido em resort. Mas uma região transformada em resort não poderá nunca trabalhar o Turismo de Natureza.

Nota: O anúncio das datas para a Bienal foi feito pelo responsável da “Aldeia da Pedralva”, que se recusou, em quatro anos consecutivos, a colaborar e participar no Festival de Birdwatching de Sagres.

*Fanha, J. (1985), Cartas de Marear (“Asas”)

Autora: Ana Carla Cabrita é licenciada em Comunicação Empresarial, com especialização em Comunicação Interna pela Escola Superior de Comunicação Social, e pós-graduada em “Turismo Ativo no Meio Natural” na Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha. Proprietária e guia na empresa Walkin’Sagres.

 

 

Comentários

pub