Associação «Faro 1540» quer que Inglaterra devolva coleção de livros roubada em 1596

Já passaram mais de 400 anos desde que a biblioteca do Bispo do Algarve D. Fernando Martins Mascarenhas foi roubada […]

Já passaram mais de 400 anos desde que a biblioteca do Bispo do Algarve D. Fernando Martins Mascarenhas foi roubada pelo então Conde de Essex, Robert Devereux,  um corsário ao serviço da coroa inglesa, mas isso não impede a associação «Faro 1540» de tentar recuperar este património para o concelho e Portugal, nos dias de hoje.

Os sócios da Associação de Defesa e Promoção do Património Ambiental e Cultural de Faro revisitaram, no início do mês de dezembro, este negro episódio da história de Faro, que aconteceu em 1596, quando os piratas invadiram, saquearam e arrasaram a cidade. E não esperaram muito para aprovar, «por unanimidade e aclamação», uma moção a pedir à Universidade de Oxford, atual detentora do espólio, que o devolvesse.

«Tudo começou no nosso jantar de Natal, em que convidámos o Jorge Carrega para falar sobre algumas particularidades da história de Faro. Ele falou deste episódio, em que a cidade acabou por ser quase toda destruída . O Conde de Essex terá ficado zangado por não ter encontrado tantas riquezas como esperava, levou os livros da biblioteca e mandou incendiar a cidade», contou ao Sul Informação Bruno Lage, presidente da Faro 1540.

Na última Assembleia Geral (AG) da coletividade, que decorreu a 17 de dezembro, foi avançada uma moção que pedia às autoridades inglesas a devolução deste património, proposta que foi discutida e aprovada. «Esta foi a AG mais participada da nossa história», acrescentou o dirigente.

O documento aprovado foi entretanto enviado para a Universidade de Oxford, para a Rainha de Inglaterra, para o Primeiro-Ministro inglês e para a Embaixada do Reino Unido em Portugal, bem como para o secretário de Estado da Cultura de Portugal, Câmara Municipal de Faro, Bispo do Algarve e órgãos de comunicação social.

«Constituída por 65 títulos (num total de 91 volumes), a Biblioteca do Bispo D. Fernando de Mascarenhas representa, juntamente com o único exemplar remanescente do Pentateuco, que se encontra na British Library, um dos mais importantes tesouros culturais farenses», lê-se na moção.

A referência ao primeiro livro impresso em Portugal, um Pentateuco que Samuel Gacon imprimiu na sua oficina tipográfica, em Faro, em 1487, não é inocente. Apesar de não haver a certeza absoluta de que este livro tenha sido levado de Faro na mesma ocasião, a Faro 1540 evoca a sua importância para a história do concelho e de Portugal para pedir a sua devolução.

«Não é pelo valor monetário do património que pedimos a sua restituição. É pelo valor sentimental e cultural que representa para Faro. Pertence-nos por direito», disse Bruno Lage.

O dirigente associativo lembrou que, na altura, já existia a aliança diplomática entre Portugal e Inglaterra, considerada a mais antiga do mundo, apesar de, naquele período ter sido suspensa (então, reinava em Portugal a dinastia espanhola Filipina). Ainda assim, a Faro 1540 faz o pedido «em nome da boa relação entre os dois países».

«Não sabemos no que vai resultar. Vamos ver a resposta que nos vão dar. Mas, ao menos, fizemos saber que há aqui em Faro um grupo de pessoas que não esqueceu este episódio e quer o património roubado de volta», ilustrou.

Bruno Lage acredita que esta biblioteca será muito mais valorizada por Faro do que pela Bodleian Library da Universidade de Oxford, onde este espólio se encontra depositado desde a sua inauguração, em 1602. Dois anos antes, o Conde de Essex ofereceu a biblioteca de D. Fernando Martins Mascarenhas ao seu amigo Thomas Bodley, que deu nome à biblioteca.

Mesmo sem certezas de conseguir que os atuais detentores deste património o devolvam ao concelho, Bruno Lage considera que esta moção já conseguiu algo de positivo. «A nossa função é dar pedradas no charco», resumiu, algo que está a ser feito.

 

Texto completo da moção aprovada:

«A cidade de Faro, capital administrativa do Algarve, tem sido ao longo dos séculos um importante centro de cultura e conhecimento da região algarvia. Dona de um importante património cultural, Faro (antiga Ossónoba) evoca com orgulho a memória de Samuel Gacon e da sua oficina tipográfica, onde em 1487 deu à estampa o Pentateuco, possivelmente o primeiro incunábulo impresso em Portugal.

Em Julho 1596, Robert Devereux, conde de Essex, protagonizou um dos mais negros episódios da história da nossa cidade ao saquear e incendiar Faro. Foi no decurso deste triste incidente, que mancha a memória das boas relações que Portugal mantêm com a Inglaterra desde a assinatura do tratado de Windsor (1386) que o conde de Essex confiscou a valiosa biblioteca do Bispo do Algarve, D. Fernando Martins Mascarenhas.

Em 1600 Robert Devereux doou ao seu amigo Thomas Bodley este valioso espólio o qual se encontra depositado na Bodleian Library da Universidade de Oxford desde a sua inauguração em 1602. Constituída por 65 títulos (num total de 91 volumes) a Biblioteca do Bispo D. Fernando de Mascarenhas representa, juntamente com o único exemplar remanescente do Pentateuco, que se encontra na British Library, um dos mais importantes tesouros culturais farenses.

Nesse sentido, e considerando o valor histórico, cultural e simbólico que a Biblioteca de D. Fernando Martins Mascarenhas e o Pentateuco, possuem para Faro e para a população algarvia, a FARO 1540 – Associação de Defesa e Promoção do Património Ambiental e Cultural de Faro (possuidora do estatuto de ONG – Organização Não Governamental de património e ambiente) reunida em Assembleia-Geral, deliberou, solicitar junto dos digníssimos representantes do governo britânico e da Universidade de Oxford, a devolução deste património cultural de inestimável valor.

Estamos certos de que as autoridades britânicas saberão reconhecer a justiça da nossa pretensão e que farão justiça a um país amigo (onde vigora entre os dois países a mais antiga aliança diplomática do mundo) e a uma cidade que se orgulha da sua história milenar e do seu contributo para a cultura portuguesa e europeia».

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