Criança morre de apendicite depois de andar entre unidades de saúde de Portimão

A família da criança de 8 anos, que faleceu no passado dia 25 de outubro na sequência de uma perfuração […]

A família da criança de 8 anos, que faleceu no passado dia 25 de outubro na sequência de uma perfuração do apêndice e infeção da corrente sanguínea, após ter sido operada de urgência no Hospital de Faro, vai avançar com um processo contra médicos do Centro Hospitalar do Algarve (CHA) e do Centro de Saúde de Portimão, por considerar que houve negligência no diagnóstico e acompanhamento da vítima.

Ao longo de vários dias, a mãe de Paulo Rafael Silaghi procurou ajuda médica, primeiro no Hospital do Barlavento Algarvio e, depois, no Centro de Saúde de Portimão, sem que os médicos que a atenderam tivessem acertado no diagnóstico de apendicite, apesar dos alegados alertas e insistência da progenitora de que poderia ser esse o problema.

Contactado pelo Sul Informação, o diretor do CHA garantiu que já foi aberto «um inquérito interno para apurar o que se passou», mas não quis avançar com uma posição antes de ter nas mãos o relatório final. Já haverá, ainda assim, um relatório preliminar, que, segundo Pedro Nunes, aponta para que não tenha existido negligência médica e que «foi feito o que era indicado na altura».

Pedro Nunes é enfático ao defender os procedimentos dos serviços de Cirurgia, tanto de Portimão, como de Faro, que são, ainda assim, apenas a reta final de uma história com vários episódios, ao longo de vários dias. Já no que toca ao primeiro contacto da criança com o CHA, espera pelo relatório para se pronunciar definitivamente.

A mãe de Paulo Rafael, Délia Silaghi, não questiona a atuação dos serviços de cirurgia, afirmando mesmo que em Faro foram «muito bem tratados». «Não se compara ao que aconteceu no Hospital e no Centro de Saúde de Portimão. No hospital particular, já se sabe, é para quem tem dinheiro. Quem não tem, morre à porta», disse, revoltada, ao nosso jornal.

O seu filho esteve em ambas as unidades públicas de saúde dias antes de morrer, já com sintomas como dores abdominais e febre, entre outros, mas foi sempre mandado para casa.

A apendicite só foi detetada quando os pais de Paulo Rafael o levaram ao Hospital Particular de Alvor, no dia 23 de outubro, numa altura em que a criança já «corria risco de vida».

Mas aí, e por não ter «três mil euros» para pagar a operação necessária naquela unidade de saúde privada, o menino foi enviado de volta para o Hospital de Portimão e, daí, para Faro, de urgência e com batedor da GNR.

Ainda sobreviveu à operação, mas acabou por falecer, dois dias depois, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, para onde foi transferido de helicóptero.

 

Délia e Paulo Rafael andaram de um lado para o outro, entre unidades de saúde

 

Délia Silaghi e o seu filho, ambos de nacionalidade romena, dirigiram-se no dia 19 de outubro à urgência de pediatria do Hospital do Barlavento Algarvio, em Portimão, porque a criança estava com «febre, vómitos, dores abdominais e diarreia». A médica que observou Paulo Rafael mandou fazer «exames à urina e RX abdominal e um clister».

«Após ter recebido os resultados dos exames efetuados, a médica informou-me que o Paulo Rafael tinha “porcaria” na barriga. Eu, como mãe, insisti com a Dra. sobre a possibilidade do menino ter uma apendicite, tendo a médica recusado essa hipótese e, indelicadamente, disse-me que eu não sabia de nada, porque não era médica», descreveu Délia Silaghi, na denúncia que fez por escrito.

A médica terá pedido, ainda assim, que a criança «subisse para a cama e que saltasse para o chão», o que Paulo Rafael conseguiu fazer, algo que levou a profissional de saúde a «recusar categoricamente essa hipótese de apendicite».

«Além disso, ainda fez com que o meu filho saltasse só com um pé e outro levantado, e como o meu filho conseguiu, era uma razão, para a médica, dizer que era impossível o menino ter apendicite», acrescentou a mãe. O menino acabou por ser mandado para casa sem medicação e aconselhado a tomar chá.

Dois dias mais tarde, e tendo em conta que o estado de saúde do seu filho piorava, Délia voltou a dirigir-se a uma unidade de saúde, desta vez o Centro de Saúde de Portimão.

Aqui, a criança foi colocada a soro, após ter sido observada e foi-lhe diagnosticada «uma infeção urinária», após uma análise ao sangue. «Foi mandado para casa, tendo medicado o menino com “Domperidona Rececadotril” e “Electrólitos”», disse a mãe.

Passaram mais dois dias, com Paulo Rafael sempre a piorar, o que levou os pais a recorrer à urgência do Hospital Particular do Algarve, em Alvor, apesar de «não ter dinheiro». Ali, fizeram vários exames e «confirmaram que o menino estava em risco de vida com uma apendicite e que necessitava de uma intervenção cirúrgica urgente».

«Dada a minha impossibilidade monetária de que o menino fizesse a operação no Hospital Particular de Alvor, o médico passou de imediato um relatório com a situação clínica do menino e requisitou de imediato uma ambulância de urgência, para transportar a criança para o Hospital do Barlavento Algarvio em Portimão», continua Délia Silaghi.

De volta a este hospital público, e baseados no relatório vindo da unidade particular, «o Hospital do Barlavento Algarvio de Portimão requisitou uma viatura da GNR para acompanhar a ambulância ao Hospital de Faro com a máxima urgência, onde [o menino] foi sujeito a uma intervenção cirúrgica».

«Os médicos no Hospital de Faro verificaram na cirurgia que havia perfuração do apêndice e tentaram limpar todo o líquido que, entretanto, se tinha espalhado na corrente sanguínea. Mais tarde, o menino teve paragem cardio-respiratória, tendo os médicos conseguido reanimá-lo e ficou ligado à máquina», descreveu a mãe, na denúncia que fez à comunicação social.

Algumas horas depois, Paulo Rafael foi transferido para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, de helicóptero. Aí faleceu no dia 25 de Outubro.

 

Pedro Nunes diz que não houve perda de qualidade nos hospitais algarvios

 

Pedro Nunes, embora não queira pronunciar-se sobre este caso concreto, enquanto espera pelo relatório final – «que deverá estar pronto em meados da próxima semana» -, emite a sua opinião «enquanto médico».

«O diagnóstico da apendicite tem um momento em que é possível fazer. Antes disso, muitas vezes mascara-se, passa por gastroenterite ou infeção urinária. O que é preciso saber é se os médicos que o atenderam fizeram o que era indicado, nesse dia e de acordo com os sintomas e queixas da criança. Pelo que me pareceu do relatório preliminar, julgo que sim», disse.

Algo que não consola a mãe e a família, pela perda do menino de 8 anos, que quer «que este caso seja divulgado para que outra situação semelhante não ocorra com outras crianças».

«Se tivessem feito, no primeiro dia que me desloquei ao Hospital do Barlavento Algarvio, em Portimão, os exames adequados de acordo com os sintomas que o meu filho apresentava, hoje Paulo Rafael estaria vivo junto da família», defendeu Délia Silaghi.

A fusão do Hospital de Faro com o do Barlavento Algarvio, para criar o CHA, foi muito criticada e surgiram alertas de diversos quadrantes para a potencial perda de qualidade do serviço.

Pedro Nunes, porém, recusa que a morte do menino de 8 anos se deva a uma baixa da qualidade, atribuindo a situação a «um daqueles azares que às vezes acontecem». «Às vezes há culpa médica, mas a maioria das vezes não», defendeu.

«Os dois hospitais estão a funcionar exatamente com o que tinham antes da fusão ou até com mais. Não é verdade que não houvesse médico em Portimão. O cirurgião de serviço em Portimão entendeu, e na minha opinião bem, que o caso era muito grave e que a criança devia ser operada numa unidade que também tivesse unidade de cuidados intensivos pediátrica. No Algarve, só há em Faro», disse.

«Lamento muito que coisas como esta aconteçam e já mandei uma carta à família com condolências e a lamentar o sucedido», disse.

Quanto a um eventual processo, encara-o com serenidade. «A família fará aquilo que entender ser o melhor. Se quiserem ir para a justiça, estão no seu direito», afirmou.

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