Villa romana da Abicada não está abandonada…mas parece

Os mosaicos romanos da Abicada, considerados dos «mais ricos do Algarve e do país», já não cobrem o chão da […]

Os mosaicos romanos da Abicada, considerados dos «mais ricos do Algarve e do país», já não cobrem o chão da villa marítima, classificada como monumento nacional, cujos vestígios ainda hoje se podem ver na pequena península à beira da Ria de Alvor, no concelho de Portimão.

Porque se estavam a degradar de dia para dia, sujeitos ao sol e à chuva (e até ao vandalismo), em 2010 e 2011, minuciosos trabalhos a cargo dos especialistas da empresa Palimpsesto permitiram levantar, com todo o cuidado e rigor, os mosaicos que cobriam as principais divisões da casa romana.

Hoje, os metros e metros quadrados de mosaicos formados por pequenas pedrinhas coloridas, as tesselas, estão depositados no Museu de Portimão, onde se espera que venham a ser alvo de trabalhos de conservação e restauro e que depois sejam motivo de uma grande exposição.

O levantamento dos mosaicos, feito de outubro a dezembro de 2010 e depois de julho a setembro de 2011, foi apenas uma das duas grandes intervenções que a villa romana da Abicada recebeu nos tempos mais recentes.

O Impluvium da villa romana da Abicada

A outra foi a construção de um muro de betão para suportar toda a zona onde assenta a parte residencial da villa (a única que foi escavada e que pertence ao Estado português). É que, devido ao tipo de solo argiloso, à vizinhança da Ria de Alvor e à construção de um complexo de vacarias e de silos, mais ou menos clandestinos, imediatamente a Norte das ruínas, a villa romana da Abicada tem vindo a deslizar encosta abaixo, provocando graves danos na sua estrutura com quase dois mil anos.

«Para conservar todo este sítio, foi construído um paredão de suporte do lado sul, da ria, ancorado por microestacas com dez metros de profundidade», revelou Rui Parreira, diretor de serviços de Bens Culturais da Direção Regional de Cultura do Algarve, durante uma conferência precisamente sobre o futuro da Abicada, que teve lugar a 18 de abril, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, no Museu de Portimão.

Foi também instalada uma rede de drenagem, para impedir que a água da chuva continue a infiltrar-se e a causar mais danos na estrutura, estabilizadas algumas das antigas paredes e muros, bem como foram retirados os mosaicos que cobriam o chão das salas de dois terços da casa.

Nestas três intervenções, a Direção Regional de Cultura do Algarve investiu cerca de 120 mil euros. Mas ainda há muito a fazer para que a villa romana da Abicada possa cumprir a sua função cultural e turística. Mas o que é que falta para concretizar, por exemplo, o plano de criar um centro de interpretação no sítio arqueológico e de criar uma estrutura que cubra os vestígios arqueológicos, protegendo-os dos elementos e permitindo devolver ao seu local original os mosaicos, após o restauro? Falta dinheiro…

 

Ideias erradas e o futuro da Abicada

 

Passeio na villa romana da Abicada

Sobre a villa romana da Abicada, fundada no século I d.C. e ocupada pelo menos até ao século IV d.C., há duas ideias feitas e erradas que são frequentemente partilhadas nas redes sociais: primeiro, que as ruínas pertencem à Câmara de Portimão. Não é verdade: pertencem ao Estado, sendo tuteladas atualmente pela Direção Regional de Cultura.

Outra ideia errada é que, nos últimos anos, nada tem sido feito pela sua preservação, razão pela qual se encontram abandonadas e sujeitas ao vandalismo. Também não é verdade, embora só em parte. O vandalismo é visível, tanto mais que o monumento não está guardado e ainda recentemente foi roubado o portão metálico que fechava a vedação.

Mas a villa, apesar das ervas que invadem o perímetro, tem sido, como já se viu, alvo de avultados investimentos por parte do Estado, para garantir a sua preservação. E só esses investimentos impedem que esteja hoje completamente destruída.

Na quinta-feira passada, na conferência no Museu de Portimão sobre o tema «Villa Romana da Abicada: Que Futuro?», foram oradores Rui Parreira, Eduardo Porfírio, da empresa Palimpsesto, responsável pelos mais recentes trabalhos arqueológicos feitos na Abicada, José Gameiro, diretor do Museu de Portimão, e Carla Melo Pereira, vereadora da Cultura de Portimão.

Eduardo Porfírio descreveu o trabalho feito para identificar as patologias que afetavam os mosaicos, sendo que uma delas tinha sobretudo a ver com o facto de os construtores da villa não terem usado, como substrato para assentar os mosaicos, a habitual camada de argamassa. O resultado é que as pequenas tesselas foram colocadas diretamente sobre a argila do solo na maior parte do chão da casa romana, o que criou problemas adicionais de conservação. Porque é que os construtores romanos fizeram isso? Provavelmente nunca se saberá.

Depois, o solo argiloso, que incha com a chuva e abre gretas profundas no tempo seco, também não é propício à conservação de estruturas arqueológicas. Além de que, como salientou Rio Parreira, quando nos anos 40 do século passado «o Dr. José Formosinho fez as primeiras grandes campanhas de escavações arqueológicas», expondo os mosaicos, eles saíram da proteção que o facto de estarem enterrados apesar de tudo lhes garantia, para ficarem sujeitos ao sol, à chuva, à degradação. «Estes pavimentos não foram construídos para estarem expostos aos elementos, mas para estarem sob telha, no chão das salas», acrescentou o arqueólogo.

 

Ervas e vistas

 

O paredão de betão com microestacas que impede a villa de "escorregar" encosta abaixo

Rui Parreira considerou a Abicada como «um sítio arqueológico notável, porque raro. Contém um dos maiores conjuntos de mosaicos em todo o Algarve. É também um local de observação privilegiada da paisagem».

Foi precisamente isto que, no domingo passado, a culminar quatro dias dedicados ao património no Algarve, nas comemorações do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, levou cerca de meia centena de pessoas até à Abicada, para um passeio pedestre promovido pela Direção Regional de Cultura, que tutela o monumento, guiado pelo arqueólogo Rui Parreira, e pelo biólogo Filipe Bally Jorge, da Câmara de Portimão.

Quando lá chegaram, os participantes no passeio sofreram uma desilusão, porque o que resta das paredes da villa romana mal se conseguia ver por entre a erva que cresceu nas últimas semanas e que, em muitos sítios, atinge mais de um metro de altura.

A única coisa que ainda salvou o passeio foi a vista da Ria de Alvor, um pouco diferente da que tinham os romanos que construíram a Abicada, mas ainda assim bonita. A vista e as explicações dos dois guias – um sobre a fauna (nomeadamente as aves) e a flora da Ria de Alvor, o outro sobre os problemas e as vivências daqueles romanos que há perto de 2000 anos se instalaram nesta pequena península quase à beira mar, certamente para aproveitar a facilidade de escoamento dos produtos por via marítima e para explorar as riquezas do mar e da fértil terra das várzeas vizinhas.

Rui Parreira falou também do cais de acostagem para navios de pequeno calado que havia junto à casa, nesses tempos romanos em que a ria era mais profunda e navegável.

Mas de facto foi precisa muita imaginação para ter um vislumbre desses tempos romanos, em que a Abicada era o centro de uma próspera propriedade que explorava os frutos do mar e da terra. Hoje, as ruínas mal se veem entre a erva e logo ali ao lado está também em ruína acelerada a antiga exploração agropecuária de meados do século passado, há muito abandonada.

 

O que faz falta é dinheiro

 

Passeio na Villa romana da Abicada

Qual a solução? De toda a zona, só o retângulo de 80 por 30 metros cercado por uma vedação metálica pertence ao Estado. O resto é propriedade privada e pertence a uma família do Norte do país que há anos tem intenções de urbanizar a zona e transformá-la num resort turístico, com um pequeno hotel, vivendas e possivelmente um campo de golfe. A empresa proprietária é, aliás, uma das duas interessadas no concurso para um Núcleo de Desenvolvimento Turístico (NDT) que a Câmara de Portimão acaba de lançar.

«Desde há vários anos que esta direção regional tem mantido contactos com a empresa Aquazul. Recentemente, houve um novo contacto», admitiu Rui Parreira. Se esta empresa ganhar o concurso para o NDT e puder avançar com o seu projeto, então o que se prevê é que «a Abicada, integrada nesta propriedade privada, seja gerida pela administração pública numa parceria entre o Museu de Portimão e a Direção Regional de Cultura. Uma parceria em que o proprietário privado seja um parceiro privilegiado garantindo o acesso à villa romana e o tratamento da envolvente», acrescentou Rui Parreira, na conferência em Portimão.

Ou seja, a esperança é que os proprietários da quinta da Abicada, caso ganhem o concurso para o NDT, tenham como uma das contrapartidas a obrigação de financiar a recuperação e musealização da villa romana.

Um dos mosaicos romanos da Abicada, retirado para conservação e restauro

E o que acontecerá aos mosaicos, que agora estão depositados no Museu de Portimão, a aguardar um restauro para o qual também parece não haver dinheiro?

José Gameiro, diretor do Museu, revelou que o objetivo é «fazer uma exposição sobre os mosaicos, mas também abordando a vida do dia a dia do mundo romano, da própria Abicada e também para perceber um pouco melhor como se fazia estes mosaicos». Não está definida uma data para essa exposição, até porque, antes disso, os mosaicos depositados no Museu precisam de restauro e de outras intervenções. E para isso não há, para já, dinheiro.

A vereadora da Cultura Carla Pereira, que na sua adolescência até trabalhou na Abicada, nos «ATL da Câmara de Portimão» e por isso manifestou a sua «ligação afetiva» à villa romana, garantiu haver «uma política de cooperação e interesse por parte do Município de Portimão».

A vereadora desafiou ainda a Direção Regional de Cultura para fazer um «futuro protocolo de salvaguarda, conservação e divulgação», que defina uma «estratégia de gestão conjunta, após a recuperação do monumento».

A finalizar, Rui Parreira garantiu que «as placas com os mosaicos conservadas no Museu hão de um dia voltar ao sítio. Essa é a intenção, ou não se justificariam os largos milhares de euros gastos na consolidação do sítio arqueológico».

Villa romana da Abicada, com a Ria de Alvor aos pés

O diretor de serviços de Bens Culturais da DRCultAlg terminou dizendo que «a Abicada é de tal modo privilegiada como sítio que não pode ser apenas uma memória e uma coleção de objetos móveis conservados no Museu». Para já, de facto o monumento pouco mais é do que isso…

 

Saiba aqui mais sobre a Villa romana da Abicada, monumento nacional desde 1940.

 

Veja mais fotos sobre o passeio até à Abicada aqui.

 

 

 

 

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