“Sir” Ribeiro Telles

No meio da negrura que é o estado de espírito do País, eis que surge um pequeno lampejo. Não, não […]

No meio da negrura que é o estado de espírito do País, eis que surge um pequeno lampejo.

Não, não é um Euromilhões salvador do défice. Não, não é a fórmula mágica que permita aos nossos políticos crescerem e entenderem-se em nome do interesse nacional e da resolução das dificuldades, deixando de parte a sede de tacho e os interesses obscuros. Os gaiatos serão sempre gaiatos, e neste caso, o seu brinquedo somos nós, Portugal, e o futuro.

É algo mais simples. Simples porque as melhores coisas são quase sempre assim.

Gonçalo Ribeiro Telles, arquitecto paisagista, foi agraciado com o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe.

Dito assim, não diz nada a muita gente, talvez a maior parte. Para dar uma ideia, é o Pritzker, ou o Nobel da Arquitectura Paisagista. Ou seja, é o reconhecimento internacional de alguém que, no seu percurso de vida, deu um contributo incomparável à profissão.

É uma tremenda honra para o agraciado, para a classe profissional da Arquitectura Paisagista em Portugal e para o País.

Sir Geoffrey Jellicoe, que empresta o nome ao prémio, foi reconhecidamente o maior arquitecto paisagista inglês do seu tempo, e deixou, para além do seu legado humano e profissional, instituições dedicadas ao tema do seu labor, como o Landscape Institute ou a Federação Internacional de Arquitectos Paisagistas.

Ribeiro Telles não é “Sir”. Nem poderia ser, Português lisboeta, de sete costados, como é. Mas por outro lado, podia ser. Numa era de gigantes, foi, e é, o maior. Não porque esteja acima, mas sim porque está mais à frente.

Poderia, isso sem dúvida, ter maior reconhecimento nacional. Não por ele, que no seu desprendimento, se eclipsa perante a obra. Ribeiro Telles é um homem simples e afável, de empatia imediata. Os seus ensinamentos são histórias inspiradoras, que fluem ao sabor do olhar e do que encontra.

Reconhecê-lo internamente seria um favor que fazíamos a nós próprios, enquanto sociedade, elevando as nossas prioridades acima do relvado ou de algumas sarjetas televisivas.

E não se trata sequer de um reconhecimento à volta da fogueira das vaidades, mas sim de um reconhecimento do seu trabalho.

É que Ribeiro Telles sonhou para nós um País melhor.

Sonhou, e sonha, um País de paisagens equilibradas, um País produtivo, um País com identidade, com qualidade de vida e justiça social. Soube, e sabe, que os sonhos se constroem com pragmatismo. “A Utopia e os pés na terra”, como resume, na perfeição, o título da exposição dedicada à sua vida e obra.

Por isso se bateu e trabalhou, contra ventos e marés. E do seu sonho de um Portugal civilizado, e identificado com a sua cultura e com os seus valores e recursos naturais, cristalizando-se a sua reunião em paisagens ancestrais, erguidas por um Povo sobre a estrutura amorfa de um território nem sempre generoso, nasceu uma obra.

Uma obra consubstanciada nos instrumentos legais de planeamento estratégico, ordenamento e gestão da paisagem e de preservação das suas estruturas fundamentais (Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional, hoje violadas e desmembradas, em nome de nada), na preservação dos valores notáveis, numa rede de áreas protegidas.

Uma obra erigida sobre água, ar, fogo, terra, tempo e gente.

Uma obra que desprezamos.

Ribeiro Telles mostrou-nos um caminho para o futuro, projectou-nos mais à frente.

Não o quisemos escutar, não quisemos seguir as suas pisadas. Demos antes ouvidos a falsos profetas, de olhos doces, dizendo-nos “vem por aqui”. Tivéssemos antes sido mais como José Régio.

Preferimos não avançar. Preferimos mesmo regredir.

Tivéssemos antes seguido os seus alertas e ensinamentos, e talvez não tivéssemos chegado a este ponto. Pelo menos estaríamos dotados de maiores e melhores recursos para enfrentar as dificuldades.

É provavelmente devido a essa nossa surdez e cegueira que deixámos de merecer figuras desta envergadura.

Professor Ribeiro Telles, parabéns pelo prémio e obrigado. Afinal de contas, as pessoas de bem não acabam em último.

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

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