Parque Ambiental da Praia Grande apresentado sem direito a perguntas

«Aqui não há perguntas!». Foi desta forma lapidar que Rui Meneses Ferreira, presidente do Conselho de Administração da Finalgarve, deu […]

«Aqui não há perguntas!». Foi desta forma lapidar que Rui Meneses Ferreira, presidente do Conselho de Administração da Finalgarve, deu hoje por terminada a sessão pública de apresentação do Parque Ambiental da Praia Grande, que decorreu na Biblioteca Municipal de Silves.

O fim abrupto da sessão espantou as cerca de cinco dezenas de pessoas que a ela assistiam, entre as quais pontuavam membros da Plataforma dos Amigos da Lagoa dos Salgados, constituída por associações de ambiente, empresas de turismo de natureza, vizinhos e particulares interessados no futuro daquela zona húmida.

Também estavam presentes a deputada do PSD Elsa Cordeiro, a presidente das Águas do Algarve Isabel Soares, João Alves, diretor da zona sul do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), autarcas de vários partidos e órgãos, habitantes de Silves.

A apresentação pública até tinha corrido muito bem. A principal novidade foi a intenção anunciada por Júlio de Jesus, responsável pelo projeto, de apresentar, «dentro de poucos meses», uma candidatura daquela zona, com 138,5 hectares, a Área Protegida de Iniciativa Privada.

A ser aceite a candidatura pelo ICNF – e tudo indica que o será, como admitiu João Alves em declarações ao Sul Informação -, esta será a segunda Área Protegida de Iniciativa Privada a ser criada no país.

Antes, o administrador Rui Meneses Ferreira já tinha anunciado que, apesar de não ser a isso obrigada, a Finalgarve entregou um Estudo de Impacte Ambiental quer à Câmara de Silves, quer à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Acrescentou depois, em declarações ao nosso jornal, que as obras do Parque Ambiental «terão início em paralelo com as obras de infraestruturas gerais do Plano de Pormenor do empreendimento turístico da Praia Grande, antes do final deste ano de 2013».

Júlio de Jesus, da empresa Ecossistema, responsável pelo projeto do Parque Ambiental da Praia Grande, salientou que os 138,5 hectares representam 38,6 % do total da área que é propriedade da Finalgarve e para onde se prevê um mega empreendimento turístico, envolvendo a construção de três hotéis, cinco aldeamentos turísticos, espaços comerciais e um campo de golfe de 18 buracos.

Júlio de Jesus fez questão de salientar que o parque «não é apenas a Lagoa dos Salgados, integra também um conjunto de valores que existem naquela área».

Outra novidade foi o anúncio que, numa antiga casa agrícola situada na parte norte da vasta área de 359 hectares pertencente à Finalgarve, será criado um Centro de Informação e Interpretação Ambiental. Na verdade, não se trata bem de uma novidade, uma vez que a criação deste equipamento já tinha sido discutida há alguns anos em reuniões entre a Administração da Região Hidrográfica (ARH) do Algarve e associações de defesa do ambiente, como a SPEA ou a Almargem.

O Parque Ambiental da Praia Grande e toda a intervenção da Finalgarve no empreendimento têm como objetivo, garantiram os seus promotores, «salvaguardar as suas áreas naturais, onde se incluem a arriba fóssil, a Lagoa dos Salgados, a zona dunar e o sapal da ribeira de Alcantarilha (parcial), classificadas como Reserva Ecológica Nacional».

O grosso da intervenção do Parque Ambiental passa, porém, pela recuperação da Lagoa dos Salgados e do Sapal de Alcantarilha. Também aqui nada do que foi apresentado é propriamente novidade. Como admitiu Júlio de Jesus, grande parte das intervenções previstas, nomeadamente as da Lagoa dos Salgados, na ribeira de Alcantarilha e no cordão dunar, estão integradas na «área a gerir por acordo com a ARH».

 

Obras promovidas pela ARH e pagas pelas Águas do Algarve

 

Aliás, a intervenção de maior vulto é mesmo a prevista para a Lagoa dos Salgados onde, em setembro próximo, deverá avançar a obra que passa por criar um sistema de modulações de terreno e comportas que permita fazer a regulação do nível da água, e ainda criar ilhotas na lagoa para melhorar a segurança das aves e condicionar o acesso a certas zonas das margens. Este projeto é da responsabilidade e competência da ARH e será pago inteiramente com dinheiros da empresa Águas do Algarve SA.

Isabel Soares, administradora das Águas do Algarve e ex-presidente da Câmara de Silves, revelou ao Sul Informação que as obras «estão já prontas a avançar», mas que só não começam já porque entretanto «começa a época de nidificação das aves e depois segue-se a época balnear». Ou seja, a data prevista para o início dos trabalhos, a cargo de um consórcio de empresas portuguesas e espanholas, é «15 de setembro».

Quanto a custos do Parque Ambiental, Rui Meneses Ferreira anunciou um «investimento a superar mais de um milhão de euros», valor confirmado por Isabel Soares, sublinhando ainda que só a intervenção na zona lagunar custará «meio milhão de euros», mas que a participação das Águas do Algarve/ARH nos custos é de facto da ordem do milhão de euros.

Foram estas contas e os pormenores das intervenções previstas que levaram João Ministro, um dos membros da Plataforma dos Amigos da Lagoa dos Salgados, no fim da apresentação, a comentar em declarações ao Sul Informação que «o que vieram apresentar aqui foram os projetos que já existem e que são da responsabilidade do Estado através da ARH, financiados pelas Águas do Algarve. A única novidade é a tal casa adaptada a Centro de Interpretação, que parece que será pago por eles, mas mesmo isso já era um projeto discutido antes. Tudo isto não passou de uma operação de marketing, de green washing [esverdeamento]».

 

Primeira Área Protegida de Iniciativa Privada do sul

 

Se for aprovada, a Área Protegida de Iniciativa Privada da Praia Grande/Lagoa dos Salgados será a segunda a ser criada em Portugal (a primeira é a Faia Brava, em Trás-os-Montes) e a primeira em todo o Sul do país.

É que, de facto, apesar de suscitar tantas atenções, a Lagoa dos Salgados não está abrangida por qualquer «regime de classificação, apesar de muito reclamado, nem pela Rede Natura 2000 nem pela Rede Nacional de Áreas Protegidas, de acordo com uma decisão expressa do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, que sempre o recusou por falta de fundamentação», como fez questão de sublinhar, na sua apresentação inicial, Rui Meneses Ferreira, administrador da Finalgarve.

De qualquer forma, a empresa proprietária do terreno da Praia Grande, na margem oeste daquela zona húmida, «avançou com esta intervenção, considerando que, apesar de não se verificarem valores suficientes para tal classificação, esta constitui uma zona húmida que atrai anualmente uma comunidade rica em avifauna e, como tal, constitui um valor natural que deve sempre ser mantido».

«Não deixa de ser curioso que o ICNF sempre tenha recusado a classificação da Lagoa dos Salgados, argumentando que ela não tem valor suficiente, mas agora essa classificação parece que vai mesmo avançar», comentaria no final, João Ministro, da Plataforma dos Amigos da Lagoa dos Salgados.

João Alves, diretor da zona sul do ICNF, explicou depois ao Sul Informação esta aparente contradição: «em termos relativos, em comparação com outras áreas do Algarve, como a Ria Formosa ou a Ria de Alvor, a Lagoa dos Salgados não tem importância. Mas em termos absolutos, num contexto de massificação e de desenvolvimento urbanístico, é importante preservar estes espaços que estabelecem um contínuo natural entre áreas maiores».

 

Promessas e receios

 

O Parque Ambiental da Praia Grande representa então cerca de um terço dos 359 hectares do empreendimento turístico promovido pela Finalgarve, nesta que é até agora a única zona no litoral do concelho de Silves sem construção.

A Finalgarve defende que esta «intervenção integrada irá constituir uma relevante mais-valia para o turismo do Algarve, tal como foi reconhecido pela Câmara Municipal de Silves, ao deliberar em sessão de Câmara o reconhecimento do interesse do município no projeto do Parque Ambiental da Praia Grande».

Rogério Pinto, presidente da Câmara de Silves, que integrou a mesa desta apresentação pública, fez aliás questão de salientar que se sentia «feliz como autarca», um sentimento que garantiu ser «partilhado por todos na Câmara e na Assembleia Municipal, porque temos aqui um projeto com pernas para andar».

A sua «felicidade», acrescentou Rogério Pinto, é devida ao facto de «haver um investimento no nosso concelho que vai trazer postos de trabalho» e que passa por «investir numa zona que tem estado esquecida há anos e anos».

Rui Meneses Ferreira, administrador da Finalgarve, na sua intervenção inicial, tinha feito questão de dizer que o campo de golfe do projetado empreendimento turístico tem uma localização que «não conflitua com valores naturais» e que «o fornecimento de água ao empreendimento será inteiramente autónomo» e «não consumirá uma única gota reservada à Lagoa dos Salgados, não repetindo os erros do passado». Era uma óbvia referência ao vizinho empreendimento dos Salgados, do lado leste da lagoa, já no concelho de Albufeira, promovido pelo Grupo CS e hoje votado ao abandono, uma situação que, tendo em conta a situação atual da economia, os opositores do mega empreendimento da Praia Grande receiam que venha a repetir-se.

Talvez para tentar afastar também esses receios, Meneses Ferreira garantiu que o projeto da Finalgarve vai «avançando prudentemente mas de forma decidida» e manifestou a sua «firme convicção de que a economia vai recuperar antes deste projeto estar em fase de cruzeiro».

 

Diálogo ou falta dele

 

Quando deu por terminada a sessão, recusando-se a responder a eventuais questões da assistência, Rui Meneses Ferreira deixou, porém, a porta aberta a falar com quem quisesse, mas «lá em cima», ou seja, na cafetaria onde foi servido um cafezinho. Poucas foram as pessoas que, incomodadas pela situação, aceitaram o convite.

Questionado pelo Sul Informação sobre a sua atitude, o administrador da Finalgarve explicou que «não se tratava de um conferência mas de uma sessão de apresentação pública do projeto», pelo que «o propósito não era estar a responder a questões». «Agradecemos a todos quantos vieram aqui ouvir-nos, mas o propósito não era haver uma troca de impressões», frisou.

No entanto, manifestou-se disponível para responder a questões que lhe queiram enviar e até disponibilizou o seu email [email protected], para que, quem quiser, o contacte.

Mas, mesmo não querendo diálogo, sobretudo com eventuais críticos e opositores aos projetos da Finalgarve – como os membros da Plataforma de Amigos da Lagoa dos Salgados – a empresa não poderá furtar-se totalmente ao diálogo.

João Alves, responsável pelo ICNF, disse ao Sul Informação que, no processo de candidatura a área Protegida de Iniciativa Privada, «poderá haver consulta pública» e manifestou mesmo a sua convicção de que «há vantagem de, ao nível do município, fazer esse debate».

António Baeta, professor silvense reformado e conhecido ativista local, comentou, a propósito do inusitado de uma sessão de apresentação pública sem direito a perguntas por parte do público: «esta apresentação faz lembrar as coisas maravilhosas que prometeram para o Amendoeira Golfe e agora a gente vê o que lá está»: mais um empreendimento semi abandonado.

 

 

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