Demolição do edifício da Mercearia da Ponte causa polémica em Aljezur

A Câmara de Aljezur ordenou o fecho da Mercearia da Ponte , a única e mais antiga mercearia da vila, […]

A Câmara de Aljezur ordenou o fecho da Mercearia da Ponte , a única e mais antiga mercearia da vila, para demolir o edifício onde se encontra o estabelecimento. José Amarelinho, presidente da autarquia, disse ao Sul Informação que a decisão se baseia nas conclusões de um «relatório elaborado pelos serviços técnicos da Câmara, que aponta para o colapso iminente do edifício».

A decisão da autarquia está a causar polémica em Aljezur, não só porque a Mercearia garante nove postos de trabalho, como pelo facto de haver muita gente que considera o edifício como «emblemático».  Já em março de 2011, a demolição do antigo Posto de Turismo, situado  poucos metros da Mercearia da Ponte, foi contestada pela população.

O dono da mercearia garante que o edifício agora em causa, construído na década de 1920, foi já analisado por «dois engenheiros e um arquiteto independentes, que contrariam em absoluto a peritagem dos serviços do município, alegando que o mesmo necessita apenas de reparações, que podem, inclusive, ser efetuadas com a mercearia em funcionamento».

A autarquia, porém, alega que o edifício, do qual é proprietária, apresenta «sinais de que poderá ruir parcialmente», segundo se pode ler em carta enviada a António Guerreiro Lopes, atual proprietário do estabelecimento, que funciona desde os anos 40. A carta, enviada a 10 de Outubro, apresenta ao proprietário da mercearia, o prazo de 30 dias para fechar o estabelecimento e abandonar o local.

O proprietário, indignado com a decisão da autarquia, salienta o facto de não lhe ter sido dada uma solução de realojamento que permitisse a viabilização da empresa e a manutenção dos postos de trabalho. «Foram-me comunicadas apenas, duas alternativas, ambas com menos de metade da área atual e sem acesso para descargas de mercadoria. O que é mais chocante é que a própria Câmara é o senhorio, e por isso era sua responsabilidade manter o edifício. Eu sempre paguei a renda, 519 euros, e mantive e investi no piso que arrendo. O problema está no piso de cima que está desocupado. Desde que adquiriu o prédio, a Câmara nunca realizou qualquer tipo de manutenção ou fiscalização, inclusivamente aprovou recentemente a realização de obras».

O autarca José Amarelinho diz que a Câmara propôs ao proprietário da Mercearia «dois espaços alternativos na zona envolvente, um na Rua 25 de Abril, outro na Rua João Dias Mendes. Nós próprios nos preocupámos em arranjar soluções e até estamos na disponibilidade de arrendarmos nós o espaço e depois o subarrendarmos ao proprietário da Mercearia».

O presidente da Câmara admite que «os espaços que encontrámos não são iguais ao atual, não têm as mesmas dimensões, mas permitem que o negócio continue».

A autarquia já chegou, entretanto, a acordo com o outro arrendatário do edifício, o restaurante «O Ivo», situado nas traseiras, que apenas utilizava uma zona para instalar um grelhador e outra para armazém.

Amarelinho recorda que, face ao relatório feito pelos serviços técnicos municipais, «toda a Câmara votou por unanimidade» a necessidade de demolir o imóvel. «Há quem nos acuse de sermos irresponsáveis, mas isso seríamos se não tivéssemos ligado a toda a documentação elaborada pelos serviços técnicos. Com esta decisão, vamos zelar pela segurança pública, das pessoas que trabalham ali, dos seus clientes e dos bens. Irresponsabilidade seria se fechássemos os olhos ao relatório técnico».

O edil garante que «uma chuvada mais forte pode provocar a queda do edifício, uma situação muito grave que pode causar vítimas».

E porque é que a Câmara de Aljezur não faz obras no edifício da Mercearia da Ponte? «Trata-se de um edifício muito antigo, que está muito danificado sobretudo na parte de cima. A sua requalificação seria caríssima».

Quanto às acusações de estar a demolir um edifício emblemático de Aljezur, Amarelinho defende que «do ponto de vista arquitetónico este edifício não marca nenhum estilo, nenhuma linha, tem apenas valor sentimental para as pessoas de Aljezur. Eu próprio, que cresci aqui, também tenho pena que seja preciso demoli-lo. Mas acho que não estamos a cometer nenhuma atrocidade. Este é um edifício que foi colocado em cima de uma curva, num outro tempo».

Há muita gente que tem opinião bem diferente do autarca socialista. Susana Martinho Lopes, residente na vila, salienta, numa nota que enviou aos jornais, que «numa época em que o comércio tradicional está a atravessar uma grave crise e a viver momentos de autêntica aflição e desânimo, definhando a cada dia, a Mercearia da Ponte apresenta-se como uma pequena empresa economicamente sólida, que garante trabalho a muita gente. O fecho do estabelecimento, além de atirar para o desemprego nove pessoas, afetará ainda um conjunto de fornecedores locais, que colocam os seus produtos regionais e artesanais à venda nesta loja. Será também uma perda para a população local, em especial a população mais idosa, sem meios para se deslocar a espaços mais distantes, e uma perda na oferta de produtos de qualidade a turistas e estrangeiros residentes, que procuram no comércio tradicional, produtos regionais e um atendimento personalizado».

«Numa época em que se fala tanto na necessidade de valorizar o comércio local, de preservar tradições, e viabilizar as pequenas empresas que garantem a vitalidade económica de que o país tanto precisa, o Município de Aljezur apressa-se a desvalorizar a sua importância, e a votar à extinção um estabelecimento emblemático do concelho», acrescenta Susana Lopes.

Sofia Faustino, proprietária de uma unidade de turismo rural, salienta o facto de a autarquia insistir em «desvalorizar o património arquitetónico da vila de Aljezur, repetindo os erros cometidos na década de 80 que levaram à descaraterização cultural e urbanística do Algarve, erro que considera fatal para o sector do turismo».

E recorda que, em 2009, o agora presidente da autarquia, José Velhinho Amarelinho, colocava como prioridade do seu programa para o município, «a requalificação ambiental e ordenamento do território, a promoção, captação e animação turísticas, bem como as atividades económicas».

Ionela Arsene, 28 anos, a funcionária mais antiga do estabelecimento (nove anos), vê o futuro com apreensão. Com a perda do seu posto de trabalho não sabe como conseguirá alimentar o seu filho de 9 meses, e onde irá encontrar trabalho numa região especialmente afetada pelo desemprego e sazonalidade.

Mesmo com a contestação a subir de tom, a Câmara deu 30 dias ao proprietário da Mercearia da Ponte para abandonar o edifício. Entretanto, talvez fruto da polémica, José Amarelinho anunciou ao Sul Informação que os serviços técnicos da autarquia ainda vão proceder a nova vistoria do edifício.

«Custa-nos fazer isto, cresci em Aljezur e frequentei aquela mercearia. Mas não me posso deixar levar pela emoção, mas sim pela segurança das pessoas», conclui o autarca.

Entretanto, já há uma petição pública contra a demolição do edifício da Mercearia da Ponte, que pode ser consultada aqui. A petição já conta com 540 assinaturas, número significativo numa vila como Aljezur.

 

Nota: As fotos foram retiradas do Facebook, da página de várias pessoas que contestam a demolição da mercearia.

 

 

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