A corveta e o navio-patrulha já foram ao fundo

«5, 4, 3, 2, 1, fogo», disse, pelo rádio, o contra-almirante Nunes Teixeira, em uníssono com Luís Sá Couto. Milésimos […]

«5, 4, 3, 2, 1, fogo», disse, pelo rádio, o contra-almirante Nunes Teixeira, em uníssono com Luís Sá Couto. Milésimos de segundos depois, a cerca de duas milhas da costa, explosões iluminaram o céu cinzento e outonal, abrindo buracos no casco da corveta, para entrar água.

O navio foi afundando, bem direito, e acabou por submergir por completo. Pouco mais de minuto e meio depois da ordem de fogo, a antiga corveta já estava debaixo da água do mar algarvio, iniciando assim a concretização do projeto «Ocean Revival».

Depois de, pela manhã, ter sido afundada a antiga corveta «Oliveira e Carmo», à tarde, eram 16h05, a operação voltou a repetir-se, desta vez para o navio-patrulha «Zambeze». Desde as explosões controladas até o navio desaparecer por completo da vista, passaram cerca de dois minutos e meio.

As operações de afundamento foram acompanhadas quer no mar, por embarcações colocadas fora do perímetro de segurança, quer em terra, da varanda do Hotel Alvor, situado mesmo de frente para a zona do afundamento.

Aqui, além de o que se passava poder ser acompanhado à vista desarmada, havia binóculos à disposição dos convidados e tudo era acompanhado por câmaras, uma delas dotada de uma potente teleobjetiva de 600 milímetros, que registavam com todos os pormenores as operações a cerca de duas milhas da costa, mostrando as imagens num ecrã de televisão, à volta do qual a maioria das pessoas se juntaram.

Todos a espreitar as imagens no ecrã instalado na varanda do Hotel Alvor

O contra-almirante Nunes Teixeira, representante do Chefe de Estado Maior da Armada, disse ao Sul Informação que o afundamento dos dois navios tem a ver com a «posição da Marinha de preservação de duas unidades navais no meio onde sempre andaram, o mar», dando continuidade à «política cultural da Marinha, de preservação do seu património». Ou seja, acrescentou, desta vez os navios não foram «vendidos para sucata», como era a prática até agora. «Isto marca um ponto de viragem», garantiu.

Luís Sá Couto, da empresa Subnauta, membro fundador, com a Câmara de Portimão, da Associação Musubmar, que promove o projeto de incremento do turismo subaquático através do afundamento de quatro antigos navios da Armada Portuguesa, era um homem visivelmente aliviado.

«Correu tudo bem, os dois primeiros navios já estão no fundo e as indicações que tenho é que estão direitinhos. Para mim, a sensação é de alívio», garantiu o empresário. «A corveta desceu de forma nobre», acrescentou, aludindo ao facto de o primeiro navio a ser afundado, ainda de manhã, ter submergido suavemente nas águas calmas do mar. O mesmo voltaria a acontecer à tarde com o patrulha «Zambeze», embora, neste caso, a proa tenha levantado um pouco mais no afundamento.

Sá Couto sublinhou que «aquilo que se desenrolou hoje em minuto e meio levou oito meses de trabalho de preparação», que passou pela retirada de todos os materiais potencialmente poluentes dos navios, a colocação de 220 toneladas de betão para os equilibrar, a preparação das explosões, entre muitos outros trabalhos e burocracias. E levou mais cinco anos de projeto, como comentaria depois o presidente da Câmara de Portimão.

Após os afundamentos, mergulhadores da Marinha foram lá abaixo verificar se estava tudo como planeado e as primeiras notícias foram positivas. «Se a Marinha nos der o ok oficial, na quinta-feira já vamos mergulhar lá com um grupo». E os dois primeiros navios deste parque subaquático ficarão então abertos ao mergulho, esperando os promotores do projeto que esta zona frente à Prainha passe a ser um forte ponto de atração para um nicho do mercado turístico que até agora tinha pouca expressão no Algarve.

A corveta «Oliveira e Carmo», já meio afundada

Manuel da Luz, presidente da Câmara de Portimão, que acompanhou a operação em terra, sublinhou que este foi «um momento importantíssimo, no seguimento de um processo que demorou cinco anos a concretizar-se e que atravessou três Governos centrais».

O afundamento dos dois primeiros navios, sublinhou o autarca, «indica com clareza que este é um processo irreversível». Agora é preciso é «promoção do projeto», para atrair para o concelho de Portimão «este novo nicho de mercado. O turismo de mergulho não é sazonal, faz-se ao longo do ano todo, e tem grande impacto quer na economia local, quer regional».

Mas a submersão dos dois navios, que agora repousam nos fundos de vaza e areia, a 35 metros de profundidade, não é o final deste projeto. Para o completar, falta afundar os restantes dois navios.

Luís Sá Couto anunciou que a limpeza dessas antigas unidades da Marinha já começou, mas desta vez no Alfeite (estuário do Tejo), porque o cais dos estaleiros de Portimão não tem dimensão para os acolher. «Esperamos em março afundar um desses navios e em maio ou junho o outro». E assim, no fundo do mar, a curta distância da costa de Portimão, passará a ficar aberta a mergulhadores a maior frota afundada de propósito em todo o mundo. É este, aliás, o principal ponto de interesse do projeto «Ocean Revival»: «o convite que fazemos aos mergulhadores é que venham cá visitar uma esquadra da Armada portuguesa», frisou Sá Couto.

«Estes quatro navios terão de ser visitados em vários mergulhos e, além disso, ao longo de seis, sete anos, eles vão estar em constante evolução, nomeadamente ao nível da vida marinha que vão atrair. Os mergulhadores que lá forem agora vão querer voltar, porque quando voltarem vão ver um navio diferente», acrescentou.

Para dar corpo à primeira fase do projeto «Ocean Revival», Sá Couto garante já ter investido perto de um milhão de euros. Mas para que tudo se concretize – com o afundamento dos outros dois navios, a compra de uma câmara hiperbárica que será instalada no Hospital de Portimão e a criação de um núcleo museológico em terra – o projeto atingirá os três milhões de euros.

Luís Sá Couto com o presidente da Câmara e outros convidados

E tal investimento alguma vez será recuperado?, quiseram saber os jornalistas. «Isto não é um investimento, é um donativo que se fez ao país», garante Sá Couto.

No entanto, admite que a sua empresa de mergulho – a Subnauta -, bem como todas as outras já existentes no Algarve e as que se vierem a criar devido ao aumento estimado no número de mergulhadores, esperam que a criação do parque subaquático sirva de facto de atração para esse novo nicho do mercado turístico.

Indiferente a estas questões de dinheiros e turismo, o biólogo Miguel Neves dos Santos, investigador do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), salientava o interesse dos navios afundados enquanto recifes artificiais que poderão aumentar a vida marinha, nomeadamente as espécies de peixe com interesse para a pesca comercial.

Com mais estes afundamentos, que se juntam aos recifes de betão já existentes, «o Algarve passará a ter um dos maiores recifes artificiais do mundo», numa área total de 43 quilómetros quadrados», ou seja, 4300 campos de futebol.

Logo que os materiais em suspensão assentem e que os mergulhadores da Marinha confirmem que estão reunidas as condições de segurança, na quinta-feira irão visitar os dois navios submersos os primeiros mergulhadores turísticos. E pode ser que por lá encontrem já alguns peixes mais curiosos.

 

Nota: grande parte das fotos são da autoria de Filipe da Palma/Câmara Municipal de Portimão

 

 

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