Carmona chega a Vila Real de Santo António, na sua visita ao Algarve em 1932 (VII)

Continua o relato da viagem que o Presidente da República Óscar Carmona fez em 1932 ao Algarve, percorrendo a região […]

Continua o relato da viagem que o Presidente da República Óscar Carmona fez em 1932 ao Algarve, percorrendo a região de uma ponta à outra. Nos discursos oficiais, reproduzidos pelos jornais sujeitos à Censura, houve elogios à Ditadura. Outros tempos…

Concluída a visita a Tavira, naquela tarde de 16 de fevereiro de 1932, o presidente Carmona e demais comitiva (presidente do Ministério e ministros da Marinha, Justiça, Guerra e Comércio) partiram, cerca das 17h00, em direção a Vila Real de Santo António.

Segundo o jornal “O Século”, à passagem por “Conceição, Cacela e Monte Gordo, produziram-se manifestações, vindo à estrada o povo e as crianças das escolas.”

Para o “Diário de Notícias” foi em Vila Nova de Cacela que as populações mais exteriorizaram o seu contentamento por receberem o chefe de Estado: “o povo abriu alas à passagem do cortejo, saudando com palmas, vivas e flores o sr. general Carmona.”

À entrada de Vila Real de Santo António, encontrava-se um dístico saudando o chefe de Estado e comitiva, bem como muito povo. Aliás, toda a vila se encontrava embandeirada e engalanada com colchas, para a receção aos ilustres visitantes. “A população aglomerava-se nas ruas do percurso até ao largo do Município, vendo-se este coalhado de uma multidão compacta”.

Quando chegou, o chefe de Estado foi recebido com muitos foguetes e morteiros, mas também por palmas e vivas.

Na praça e segundo o DN, “viam-se todas as colectividades locais, com os seus estandartes, e a guarda de honra [força de caçadores 4 e piquete dos bombeiros] fez a continência, tendo a banda executado a «Portuguesa»”.

Após a passagem em revista da guarda de honra, o presidente entrou nos paços do concelho, onde decorreu a cerimónia de boas vindas. O chefe de Estado era ali aguardado, por todas as autoridades, bem como pelo alcaide de Ayamonte, comandante da Guardia Civil e o cônsul de Portugal naquela cidade.

A cerimónia foi, presidida pelo general Carmona, ladeado pelos ministros e demais autoridades, e principiou quando “o sr. presidente da C.A. da Câmara, sr. Matias Gomes Sanches, usando da palavra, saudou o sr. general Carmona e os ministros, agradecendo-lhes a visita com a qual o Algarve muito ganhará.”

De seguida, Matias Sanches apresentou os operários que iriam ser condecorados pelo presidente da República, Cesário Rodrigues Calafate, de 70 anos, trabalhador nas fábricas de conserva em Vila Real, e Manuel Cordeiro Júnior, de 85 anos, oleiro, de Alcoutim.

Usou então da palavra o general Óscar Carmona, o qual e segundo o DN, “agradeceu a recepção que lhe foi feita em Vila Real pelo seu bom povo que elogiou, e, depois condecorou os operários com a Ordem de Mérito Industrial, abraçando os dois velhos, acto que a assistência coroou com palmas.”

Foram depois lançados muitos foguetes e executado o hino nacional pela banda. Concluída a cerimónia foram apresentados ao chefe de Estado,no gabinete do presidente da Câmara, as entidades ayamontinas.

Os ilustres visitantes alojaram-se de seguida no Hotel Guadiana, sendo muito aclamados à saída dos paços do concelho.

À noite decorreu o banquete de gala no salão nobre da Capitania do Porto, no qual participaram as principais figuras da vila, do Algarve (bispo, governador civil, etc.) e da cidade de Ayamonte (alcaide, comandantes da Guardia Civil, de Carabineros, etc.), num total de 150 pessoas.

O presidente da República foi saudado à entrada com “uma estrepitosa salva de palmas, tendo a orquestra executado «A Portuguesa».” A sala ostentava muitas decorações, feitas propositadamente para a realização do Congresso da Pesca.

O primeiro orador foi o presidente da Câmara, o qual, após saudar o presidente, elogiou a “obra da ditadura que é – disse – a única garantia de sossego e paz nesta sacrificada Pátria, que não pode estar à mercê dum ou outro indivíduo sem escrúpulos. (Aplausos). Atravessamos – acrescentou – um período difícil de perturbações políticas em toda a parte, sendo preciso manter em Portugal o velho espírito nacionalista, cimentado durante séculos. Exteriorizou a esperança de que o exército consiga salvar a Nação do transe gravíssimo que ameaça o mundo e recordou a obra realizada através de vários ministérios pelo governo da Ditadura (…).”

Seguiu-se Oliveira Baptista, presidente da comissão local da União Nacional, e logo depois Joaquim Cruz, como representante do operariado.

Este último e de acordo com o DN, “agradeceu as condecorações, dizendo que nunca nenhum Governo assim distinguira os operários. Pedia ao Governo que ajudasse as classes trabalhadoras, legislando no sentido de as proteger na invalidez e na velhice, terminando o seu discurso por saudar o sr. Presidente da República e os ministros por entre vivas e palmas.”

A anteceder o discurso do general Carmona e em representação dos industriais de Vila Real discursou o eng. Sebastião Ramirez. Numa das alocuções mais longas da noite teceu rasgados elogios à Ditadura, enumerou a sua obra, os melhoramentos e assistência, bem como, o desaparecimento da dívida pública.

O jornal “O Século” registou o seu discurso: “ (…) Agora Portugal já paga as suas contas e o País é bem governado. (Palmas). O orador saudou o sr. dr. Oliveira Salazar, que executou uma grande obra e operou um verdadeiro milagre. A Ditadura não é um regime transitório, porque veio estabelecer o império da ordem em Portugal, eliminando a desordem. É preciso lutar contra as frases ocas e as mentiras da constituição. O parlamentarismo não era mais que uma ficção da liberdade, que violava todas as liberdades. A obra da Ditadura feita sem ódios, mas intensa é obra de muitos, mas mesmo que fosse de poucos generalizar-se-ia. Recordou com saudade a viagem do rei D. Carlos ao Algarve. Pediu ao sr. general Carmona que ligue a parte oriental do Algarve por uma estrada que vá de Vila Real a Mértola. Terminou saudando o Chefe de Estado, dizendo que as suas ideias são claridades novas que iluminam o mundo, imperando na Checo – Eslováquia, Egipto, Turquia e Itália. Muitas palmas e «Vivas» à Ditadura, ao general Carmona e à República, se ouviram no final deste discurso”.

Por fim, discursou o chefe de Estado, principiando por agradecer aos oradores que o antecederam. Sobre a sua comunicação escreveu o DN: “fez várias considerações de ordem política. Teceu elogios ao discurso do representante dos operários e declarou que o Governo auxiliará os trabalhadores, dando aos operários de Vila Real a colaboração por eles pedida. Em seguida, defende a constituição actual da sociedade, pois outra não se sabe o que seja, e as experiências de utopia são perigosas”.

A determinada altura e na sequência das palavras do Eng. Ramirez, disse que “as ideias enciclopedistas fizeram a sua época, não sendo prejudiciais. Agora há outras ideias novas e por isso os homens da situação não são reaccionários. Aludiu à liberdade, ao seu conceito e à sua definição, dizendo não ser ela apenas para uns, mas para todos. Fez considerações sobre a ordem que, como base do progresso é preciso manter. Negou quaisquer violências contra os adversários da Ditadura”.

O presidente referiu ainda que esta não se iria prolongar indefinidamente por “estarem assentes as ideias de regresso à normalidade constitucional, logo que as condições o permitam e que a obra em curso esteja realizada nos termos em que a Nação exige. A Ditadura terá o seu curso natural. Referiu-se depois à Constituição apresentada na Sala do Risco para organizar o Estado Novo, acabando o caciquismo, e os velhos vícios do sistema antigo”.

O seu discurso terminou “agradecendo a recepção que o Algarve lhe fazia e soltando vivas a Vila Real, à Pátria e à República, aos quais a assistência correspondeu com muitas palmas e vivas.”

O presidente e demais visitantes hospedaram-se então no Hotel Guadiana, de onde partiram na manhã seguinte, após visitarem as obras do porto, em direção a Portimão, com paragens em S. Brás de Alportel, Loulé e Lagoa.

 

(Continua)

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Aurélio Nuno Cabrita

Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional

 

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