Cultura, curiosidade ou a falta dela

Um olhar atento sobre as agendas culturais que proliferam pelo Algarve permite-nos identificar uma separação crónica entre públicos, criação contemporânea, […]

Um olhar atento sobre as agendas culturais que proliferam pelo Algarve permite-nos identificar uma separação crónica entre públicos, criação contemporânea, diversidade programática e programadores culturais.

A oferta cultural é, na atualidade algarvia, muito mais marcada por matrizes políticas, do que por missões culturais com estratégias e objetivos a atingir, o que se reflete no facto das agendas funcionarem como instrumentos de copy paste das programações de anos anteriores.

No caso particular dos programas de cultura do setor público e em especial do autárquico, a ideia errada de pensar o público como uma entidade única, abandonando a sua diversidade, conduz as programações culturais dos municípios a construir estereótipos que estigmatizam os cidadãos, com programações que reduzem as pessoas a meras audiências.

Espetáculos populistas, simples escolhas para muitos, desastres de programação para outros tantos. Facto é que, se analisarmos este assunto, chegaremos a uma conclusão comprovada pelos percursos de muitos dos que tecnicamente produzem cultura nos municípios. Não há curiosidade e quando um programador não é curioso, não deveria programar coisa nenhuma.

A sensibilidade humana, aliada ao enraizamento comunitário e profundo conhecimento do que se faz em cada esquina da cidade, do país, e do mundo, deveria ser uma característica inerente a qualquer técnico de cultura de uma autarquia ou de qualquer outro organismo que trabalhe nesta área.

Programar tem de ser um exercício de respirar a cidade, de formar pessoas e de construir o futuro, e muito menos o de animar e entreter as massas.

Esta deambulação controversa entre a programação e a animação cultural é um assunto que muito nos diz do presente.

Num país com uma doença crónica instalada nas suas políticas culturais (ou na falta delas), devastada a representação da cultura com um governo cego, o discurso assente no caráter político de quem defende o fogo-de-artifício na cultura, é um engano e um falso paradigma, pois resulta num populismo que em nada contribui para o crescimento cultural da população e nos conduz à estupidificação.

A cultura popular e o seu exponencial criativo é um assunto que pode, e deve, ser um instrumento de crescimento económico e que vem sendo debatido e amplificado com o não menos perigoso discurso liderado por economistas sobre as industrias criativas, num quadro comunitário que ai vem e para o qual não existem estratégias para a cultura.

Defendo por isso a criação de um programa nacional de incentivo à curiosidade e valorização da cultura portuguesa, com escolas de formação que deveriam inaugurar com o nosso governo a constituir a primeira turma de alunos.

A curiosidade permitiria a quem não a tem, descobrir que não se faz omeletes sem ovos e que só com a revitalização da cultura, a valorização e apoio aos agentes culturais, e o entender as tradições assentes na contemporaneidade conseguiremos alcançar metas também elas formativas, que permitam ao comum dos cidadãos perceber que cultura popular nada tem a ver com a cultura do mau gosto e da desertificação mental que impera nas entrelinhas das programações culturais instrumentalizadas por políticos com défice criativo e executadas por técnicos sem voz ativa.

Pensemos então que aos quadros técnicos de uma cidade caberá a difícil tarefa de contrapor a ignorância política e programar cultura. Também aqui encontraremos o bloqueio provocado pela falta de curiosidade, quando quem programa não sai do gabinete e escolhe com base em catálogos e no que vê na TV, sabendo nós que os meios televisivos são os que mais descriminam, pois, na relação entre elites culturais que desconhecem o país real e o poder que controla os media, não se augura nada de bom.

Nos últimos anos o Algarve tem sido alvo dessa mediatização festiva da cultura, com mega eventos que nada sedimentam e marketing corriqueiro que não tem em conta as especificidades do lugar.

A Cultura e o Turismo só sairão mais ricos no dia em que curiosidade fizer crescer o sentimento de pertença e o renascer de cada canto algarvio, da especificidade de cada signo que nos ajuda a estabelecer conexões com as identidades da região.

Infelizmente tal prática não tem sido contemplada nos programas de cultura e turismo que o Allgarve intensificou e cujo impacto no terreno, no Algarve real pouco deixou.

Falo portanto de património imaterial, de criação de conhecimento alicerçado no desenvolvimento da sociedade, valorizando os seus produtos num somatório das suas mais valias.

As cidades deveriam ser entendidas com os seus espaços satélite, irradiando a sua envolvente, para que quem nos visite saiba que pode respirar cultura em cada poro da Serra de Monchique ou do Caldeirão, que existem tesouros escondidos na costa da Arrifana, ou simplesmente que a aldeia de Barão de São João tem muito mais para oferecer do que apenas uma visita ao Jardim Zoológico.

É esta simbiose entre cultura e curiosos que se deveria sentir um pouco por toda região, e não apenas em pequenos casos isolados de sucesso como o são Querença.

Porque se não formos curiosos ao ponto de nos conhecermos a nós mesmos, jamais teremos e saberemos o que significa o poder de nos darmos a conhecer e com isso atrair a curiosidade dos outros.

 

Autor: Jorge Rocha é Artista e Produtor Independente

 

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