Tiago Pitta e Cunha: Desmontar da indústria dos transportes marítimos em Portugal foi «verdadeira inconsciência»

Depois de ter falado sobre a Economia do Mar, enquanto conceito e sobre o seu potencial económico para Portugal, Tiago […]

Depois de ter falado sobre a Economia do Mar, enquanto conceito e sobre o seu potencial económico para Portugal, Tiago Pitta e Cunha deu pistas sobre oportunidades a não perder no mar e a importância de as aproveitar, para um país como o nosso. Esta é a segunda parte de uma entrevista realizada em parceira pelo Sul Informação e pela Rádio Universitária do Algarve RUA FM, para o programa radiofónico CRIA FM, à margem do Encontro Mar Português, que decorreu na passada semana, em Faro.

Hugo Rodrigues/Sul Informação Pedro Duarte/RUA FM

 

Cria FM– Da última vez que esteve na Universidade do Algarve, chamou a atenção para o facto de Portugal não ter, praticamente, Marinha Mercante. Como é que se explica esta realidade?

Tiago Pitta e Cunha –A parte dos transportes marítimos explica bem como os decisores políticos deste país estiveram alheados da questão do mar. Uma das razões porque o nosso país deve desenvolver uma base produtiva forte ligada ao mar é porque somos únicos, mas únicos mesmo, no sentido de sermos os únicos que temos apenas um vizinho terrestre. Todos os outros têm mais do que um. Só esse facto, em termos geopolíticos, deveria ser suficiente para tirarmos muito mais partido do mar, como, aliás, tivemos de fazer ao longo de muitos séculos, precisamente devido a esta realidade.

Isso levaria a que, para responder a essa limitação geográfica – é um condicionalismo gigantesco ter fronteira apenas com um país! -, nós apostássemos fortemente no transporte marítimo. No entanto, nós nas últimas décadas assistimos a uma década de 100 por cento da frota mercante em cada década. Foi abatida para metade! Isto é relevante, porque o acesso ao mar significa o acesso a todos os outros Estados costeiros, o que é uma vantagem comparativa no que toca à colocação das nossas exportações.

A partir do momento em que desistimos de ter frota de transporte marítimo, diminuímos as nossas hipóteses de controlar a logística das nossas trocas comerciais. É claro que uma pessoa não tem de ter só os navios do seu país para fazer essas trocas, mas um Estado costeiro tem de ter, em termos económicos e de soberania, alguma opção, na utilização da via marítima. Nós abdicámos dela. Isso é importante até do ponto de vista da segurança nacional. Se pensarmos no mar como parte central de um conceito estratégico de defesa e segurança nacional, é óbvio que temos de ter acesso aos outros países, não nos podemos limitar a aceder a apenas um.

Portanto, eu diria que do ponto de vista económico, do ponto de vista militar, enfim, em todos os aspetos, foi uma verdadeira inconsciência uma sociedade assistir impávida e serena ao desmontar de uma indústria destas. Enfim, se fossemos a Suíça, que por acaso tem uma das maiores empresas de porta contentores do mundo (risos), mas que vivem nas montanhas, faria sentido. Mas para nós é paradoxal e é um pouco para isto que temos de começar a olhar.

C – O Canal do Panamá está neste momento a ser alargado para suportar super-cargueiros. Não há aqui uma oportunidade para Portugal?

TPC-Portugal têm-se sentido periférico, porque o discurso que nos têm transmitido nos últimos 30 anos é que nós somos um país pobre, pequeno, periférico e destituído de recursos naturais. Nada disso é necessariamente verdade.

É um facto que não somos um país rico, mas também não temos de ser pobres para o resto das nossas vidas e das vidas das próximas gerações. Assim saibamos aproveitar os recursos naturais que temos e que são muitos, assim compreendamos que Portugal não é um país pequeno, mas sim médio em termos de área territorial à escala europeia e avassaladoramente gigante em termos marítimos.

Também não somos periféricos. Sê-lo-emos, se pensarmos na distância que há entre Lisboa e Bruxelas. Mas se pensarmos na distância ao porto de Santos, no Brasil, à Namíbia, na costa ocidental africana ou ao Canal do Panamá, aí estamos muito mais perto que qualquer capital europeia.

E Sines tem aqui uma vantagem! É o porto europeu que está mais próximo da embocadura novo Canal do Panamá, que será inaugurado em 2014. Esse canal vai criar uma disrupção completa nos fluxos do comércio internacional, que nas últimas décadas têm sido todos conduzidos de Oriente para Ocidente. A produção está no Oriente. A questão é que tem sido transportada através do Canal de Suez para o mediterrâneo, onde há logo uma série de portos europeus que, no fundo, apanham essas mercadorias.

Agora, o fluxo vai passar a funcionar de Ocidente para Oriente, através do Pacífico e do Canal do Panamá. Portugal tem aqui uma hipótese de se tornar mais relevante, mais pertinente, de ser um país portuário. Podemos olhar para outros países europeus portuários, como a Bélgica, que eu referi há pouco. O Porto de Antuérpia, seguramente um dos maiores portos europeus, não é o Porto da Bélgica. É seguramente o Porto da Benelux e, em parte, também de uma região da Alemanha e de Milão. É este que pode ser o desígnio de Sines.

C – A Economia do Mar também está muito ligada a terra. Não seria necessário investir mais nas vias de comunicação para e a partir de Sines?

TPC – Sines tem uma importância estratégica gigantesca. Se nós olharmos para o Mar e se pensarmos nele como um recurso, o primeiro recurso para nós é a geografia, é a linha de costa, é o acesso ao mar e é o espaço marítimo. Este último é um recurso em si, pelo que significa como via de transporte de mercadorias. O transporte marítimo está a aumentar, o transporte rodoviário vai diminuir muito na Europa devido às leis ambientais e ao custo que lhe vai ser imputado. Neste prisma temos de ter uma maior aposta quer no transporte marítimo, quer na ferrovia.

É fundamental a ligação ferroviária do Porto de Sines a Espanha e à Europa. E aqui tenho de salientar que a decisão do atual Governo é uma decisão verdadeiramente histórica. Diria que, finalmente, há um Governo que olha para a geografia portuguesa. E, para mim, substituir o TGV para transportar pessoas, por mais fundamentais que estas sejam no networking, por uma linha que num país que não é rico tenha um duplo uso, que inclua o transporte de mercadorias e ligue os portos portugueses ao hinterland [espaço interior] ibérico, parece-me uma medida fundamental, tendo em atenção a tal condição geográfica que falámos no início.

 

 

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